“Se aprovado como está, [o edital de concessão do Parque do Ibirapuera] vai acabar com o Viveiro de mudas Manequinho Lopes para transformá-lo em uma praça de alimentação e área para um restaurante de 400 m², destruindo as salas de aula de jardinagem e os postos de atendimento à terceira idade, saúde mental e veterinário de animais silvestres.” – Trecho de postagem na página Árvore, Ser Tecnológico, publicado em 13 de março.
O edital de concessão de um lote de seis parques municipais causou discussões nas redes sociais nos últimos dias. Divulgado em 27 de fevereiro pela Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias, o documento traz as obrigações das empresas concessionárias para a administração do lote, que inclui o Parque do Ibirapuera. Correntes que circulam no WhatsApp e postagens no Facebook afirmam que, se aprovado como está, o edital acabaria com o espaço do Viveiro Manequinho Lopes, que fica dentro do Parque do Ibirapuera. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – verificou um desses posts. Publicado pela página Árvore, Ser Tecnológico, o texto atribui ao edital a destruição de viveiros de mudas, além da suspensão de atividades educativas e a substituição de estruturas existentes por restaurantes e lanchonetes. A mensagem, no entanto, é falsa: o edital não permite à empresa concessionária acabar com o Viveiro Manequinho Lopes.
Os responsáveis pela página Árvore, Ser Tecnológico no Facebook disseram que as informações contidas no post provêm de um abaixo-assinado registrado no site Change.org. A publicação inclui um link para a petição e também para os documentos oficiais do edital. O Truco procurou a assessoria de imprensa do Change.org, onde o abaixo-assinado está hospedado. A empresa divulga apenas o nome do autor da petição, sem dados para contato. Apesar disso, a reportagem localizou Ana Campana, autora do abaixo-assinado – que somava mais de 30 mil assinaturas até 16 de março – no Facebook, mas as tentativas de entrevista foram ignoradas.
O Viveiro Manequinho Lopes é um viveiro municipal histórico aberto à visitação em horários determinados e integrado a outros atrativos do Parque do Ibirapuera, como a Praça Burle Marx, o Bosque da Leitura e a antiga Serraria. A principal atividade do local é produzir mudas de plantas destinadas ao plantio das áreas públicas da cidade, inclusive no próprio parque. Ao contrário do que sugere o post no Facebook, o Viveiro Manequinho Lopes não ministra cursos. Cursos de jardinagem como os citados na frase checada são ministrados na Escola Municipal de Jardinagem e na Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (Umapaz), ambos sediados no parque, mas com administração independente da do viveiro.
Já as atividades de atendimento à terceira idade, como aulas de ginástica, costumam ocorrer no espaço da antiga serraria, que fica próximo do viveiro mas não pertence a ele. O mesmo se aplica para o local que a mensagem chama de “veterinário de animais silvestres”: o setor responsável pelo recebimento de animais silvestres é a Divisão de Fauna (Depave 3), localizada próxima à Casa dos Agrônomos, também dentro do parque.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo diz que as atividades citadas na corrente, que não ocorrem dentro do Viveiro, continuarão após a concessão. “Os cursos fornecidos pela Escola Municipal de Jardinagem seguirão acontecendo, conforme já reforçado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), que manterá suas atividades no parque para além das atividades de competência da concessionária que estão regradas pelo edital. A Umapaz continuará desempenhando as suas atividades e não está incluída na concessão.”
O espaço do Viveiro Manequinho Lopes, que inclui dez estufas e 97 canteiros suspensos, está descrito no edital em diversos dos anexos que o compõem. No anexo III, chamado caderno de encargos obrigatórios, há uma lista de obrigações que as empresas concessionárias terão de cumprir caso vençam o edital. Para o viveiro, o caderno traz como medidas obrigatórias “a abertura do viveiro, permitindo sua integração ao parque”, a “reforma dos pisos e caminhos de pedestres, principalmente na área junto às estufas e de conexão com os acessos ao parque” e a “reforma do viveiro de grama para reposição no próprio parque”.
Em relação às estruturas construídas no viveiro e seu entorno, há obrigação de demolição de alguns prédios, como a Casa do Agrônomo, Unidade Veterinária/Divisão de Fauna, Ripado e Herbário, mas também é obrigatória a construção de novas edificações em substituição às demolidas, onde seriam executadas as mesmas atividades.
O anexo III também afirma que a instalação de atividades de comércio e serviços no viveiro é mandatória, determinando “a reforma de todas as estufas, como suporte para a melhoria das atividades existentes e instalação de novas atividades, inclusive atividades de comércio e serviços como alimentação, conveniência e suvenir”. Vale destacar que a instalação dessas atividades de comércio precisa respeitar as outras disposições obrigatórias, como a manutenção das estufas, dos pisos e do viveiro de grama.
Não há no caderno de encargos obrigatórios a necessidade de construção de lanchonetes de tamanho específico ou de lojas em locais determinados. Tais previsões estão apenas no anexo V, que traz um plano arquitetônico referencial, ou seja, uma sugestão de projeto arquitetônico preliminar para as empresas interessadas. Essas sugestões podem ou não ser acatadas pelas empresas vencedoras.
Neste plano referencial, o edital sugere a divisão do espaço do Viveiro Manequinho Lopes em duas áreas. “Propõe-se a divisão da sua área em duas com caráter e usos distintos entre si. A primeira delas chamada de ‘patrimônio histórico e contemplação’ resgatará o valor histórico do viveiro. A segunda, com o nome de ‘parque de lazer ambiental’ poderá abrigar distintos usos de lazer e recreação ambiental”, recomenda. No projeto são sugeridas estruturas como um restaurante central (400 m²), módulo de lanchonete (126 m²), um café e loja (370 m²), mas não fica claro, pelas imagens referenciais, quais destas estruturas ficariam dentro do viveiro e quais ficariam em áreas adjacentes, como a Praça Burle Marx e a antiga Serraria.
A sugestão arquitetônica leva em conta o grau de tombamento das áreas que compõem o viveiro, inclusive o tombamento de áreas verdes definido pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat). Na área 1, chamada “patrimônio histórico e contemplação”, recomenda-se que “para as estruturas existentes restauradas deverão ser realizados estudos e projetos específicos para cada uma” e que “para o projeto das novas instalações como restaurante e escola de jardinagem, sugere-se a adoção dos conceitos arquitetônicos definidos para as novas instalações conforme Plano de Ocupação”. Na área 2, denominada “parque de lazer ambiental”, o edital sugere que os locais do viveiro destinados ao plantio de grama e vegetação de grande porte “poderão receber novos usos e atividades como parque de aves, jardim botânico, parque de aventuras com circuitos de arvorismo e labirintos verdes”.
As determinações vagas são, segundo uma especialista em concessões consultada pelo Truco, uma característica comum em editais deste tipo. Vera Monteiro, advogada especialista em direito administrativo do escritório Sundfeld Advogados, explica que editais de concessão são diferentes dos editais comuns de contratação feitos pelas prefeituras. “Enquanto um edital de contratação tradicional, como o que é feito para compra de materiais ou execução de um serviço, detalha minuciosamente as obrigações da empresa contratada, o edital de concessão é sempre mais aberto”, diz. “As concessões são feitas assim para que sejam atrativas. Elas são sempre vagas e abertas, mas isso não quer dizer que os contratos não tragam encargos obrigatórios.”
A advogada destaca também que as disposições do edital ainda devem sofrer alterações, já que a licitação está em fase de consulta pública. “É comum e importante que a etapa de consulta pública traga uma série de mudanças nos editais de concessão. Vale destacar que esse é o momento em que a primeira proposta é levada aos usuários”, ressalta. Ela lembra também que os projetos enviados pelas empresas interessadas devem ser baseados em dados. “As empresas têm que fazer entrevistas com os usuários, têm que fazer uma proposta que traga respostas bem embasadas para as demandas que são feitas para os parques concedidos.”
Em 14 de março foi realizada uma audiência pública no Parque do Ibirapuera para discutir as proposições do edital. A ata da reunião não havia sido divulgada até o dia 16 de março. O prazo para o envio de sugestões, opiniões ou críticas à Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias vai até 20 de março. As contribuições podem ser feitas por meio do formulário Modelo para Consulta Pública e, depois, enviadas para o e-mail pmiparques@prefeitura.sp.gov.br.
O Truco procurou a página e Ana Campana, autora da petição no Change.org, para informar o resultado da checagem, mas os responsáveis não quiseram se pronunciar sobre a conclusão.