“Cerca de 80% da população brasileira é submetida diariamente ao contato direto ou indireto com esgoto.” – Marina Silva (REDE), no plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em seu plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marina Silva, presidenciável pela Rede Sustentabilidade, alertou para a situação do saneamento básico e da segurança hídrica no Brasil. A candidata, contudo, utilizou uma informação impossível de provar ao dizer que 80% da população brasileira tem contato direto ou indireto com esgoto todos os dias. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública, que tem checado todos os presidenciáveis – analisou o tema e concluiu que esse dado ainda é desconhecido.
A assessoria da candidata não informou a fonte da informação. O número citado por Marina aparece na introdução do estudo “Tarifa de Água e Esgoto”, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, do qual a presidenciável é fundadora. No documento, ele é atribuído ao Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto de 2015 do Ministério das Cidades. O diagnóstico, contudo, não apresenta esse dado.
O contato direto da população com esgoto pode se dar pela falta de atendimento pela rede de coleta e pela exposição a esgoto não tratado nas ruas e espaços públicos. “Contato direto com esgoto é quando a pessoa convive num bairro e/ou comunidade em que o esgoto é jogado no solo diretamente”, explica Rubens Filho, do Instituto Trata Brasil. Já o contato indireto ocorre, por exemplo, quando alguém passa por um rio poluído no qual foi despejado esgoto sem tratamento – mesmo que sua casa possua coleta de esgoto e este seja direcionado a tratamento adequado.
Dados sobre coleta e tratamento de esgoto são disponibilizados pelo Ministério das Cidades, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Agência Nacional de Águas (ANA). Mas em nenhum dos casos é tratado do contato direto ou indireto da população com esgoto, apenas do atendimento da rede de coleta e tratamento.
As análises do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades reúnem dados sobre as empresas prestadoras de serviço de esgoto de mais de 70% dos municípios brasileiros e das companhias de água em cerca de 90%. De acordo com o último diagnóstico, realizado em 2016, pouco mais da metade (51,9%) da população urbana brasileira tem acesso à coleta de esgoto – isso corresponde a 5,4 bilhões de metros cúbicos de esgoto coletado. Não é todo esgoto coletado que é tratado – apenas 74,9% do total coletado, ou, 4,1 bilhões de metros cúbicos. Assim, 48,1% da população contemplada pelo diagnóstico não tem coleta de esgoto. “Pode-se concluir que esse porcentual que não possui coleta de esgoto tem sim contato direto ou indireto com esgoto”, afirma Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil.
De onde veio o dado
O Instituto Democracia e Sustentabilidade explicou ao Truco que a proporção de 80% de pessoas submetidas ao contato direto ou indireto com esgoto se trata de uma estimativa. Ela foi calculada a partir da soma os indicadores do volume de esgoto não coletado (48,1%) com o volume de esgoto coletado, mas não tratado (25,1%), a partir dos dados do SNIS. “Aproximadamente 50% da população sequer tem coleta de esgoto e aproximadamente 30% da população não conta com tratamento. A afirmação considera tanto o impacto direto quanto indireto da falta de coleta e tratamento adequado, lembrando ainda que a população que vive próxima a rios, córregos e reservatórios (normalmente são as famílias mais pobres) também sofre com o fato de que grande parte dos recursos hídricos no Brasil está contaminada”, afirmou o instituto.
Há alguns problemas com essa conta. “O SNIS não coleta informações acerca do contato direto ou indireto da população com esgoto sanitário, somente sobre o atendimento dos prestadores com os serviços de água ou esgotos”, informou, em nota, a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades. Além disso, os indicadores citados pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade não tratam de dados similares. O indicador sobre coleta de esgoto mede a proporção de pessoas atendidas pela rede, enquanto o indicador de tratamento traz a quantidade de esgoto tratado em relação à quantidade de esgoto coletado. Dessa forma, os dois números não podem ser somados, como fez a organização ao explicar como tinha chegado aos 80%.
Ademais, o contato com esgoto vai além do não atendimento por coleta ou tratamento. Como exemplo, o Trata Brasil cita a poluição de rios e solo que expõe a população ao contato com esgoto a céu aberto.
De acordo com o Atlas dos Esgotos de 2017, da ANA, 9,1 mil toneladas de esgoto são geradas por dia no Brasil. Dessa quantidade, 2,4 mil toneladas (26,4%) são despejadas a céu aberto e 1,7 mil tonelada (18,7%) é coletada, mas não recebe tratamento. Outra 1,1 mil tonelada de esgoto gerada diariamente (12%) vai para fossas sépticas, que são soluções individuais.
O estudo concluiu que todo dia 5,5 mil toneladas de esgoto não são removidas e podem alcançar os corpos receptores. Isso quer dizer que 60% do esgoto gerado diariamente pode entrar em contato diretamente ou indiretamente com a população. Porém, também não é possível concluir a partir disso a proporção total de pessoas em contato com o esgoto.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, também possui informações gerais sobre saneamento, mas não sobre a população em contato com esgoto. De acordo com o levantamento, 65,9% dos domicílios possuíam coleta de esgoto ou fossa séptica ligada à rede em 2016. Isso quer dizer que 34,1% das residências não possuíam destinação correta para o esgoto. O dado também não é conclusivo sobre a porcentagem de pessoas em contato com esgoto.
“Os sistemas de informações ou estudos disponíveis sobre o setor de saneamento, bem como as pesquisas domiciliares realizadas pelo IBGE, como a Pnad ou o Censo, não disponibilizam esse tipo de dado”, informou a assessoria de imprensa da Agência Nacional de Águas.
A assessoria de imprensa de Marina Silva não enviou contestação ao selo no prazo determinado.