Buscar
Nota

Auditores fiscais paralisam atividades após ministro fragilizar combate a trabalho escravo

4 de dezembro de 2025
18:32

Mais de 380 auditores fiscais do trabalho paralisaram suas atividades em protesto após ações do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, beneficiarem empregadores que foram flagrados pelos fiscais mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão. Os auditores consideram que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem vivido sob um “regime administrativo de exceção” que fragiliza o combate à escravização e assedia moralmente os funcionários públicos.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores citam ao menos três interferências do ministro, chamadas avocações, em processos que haviam concluído pela inclusão de empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo. Entretanto, fontes ouvidas pela Agência Pública alertam que o número pode ser maior, já que o ministro colocou as decisões a respeito das avocações sob sigilo.

O caso mais conhecido envolve a JBS Aves, que foi retirada da lista após Marinho decidir pela reavaliação do processo que envolvia a empresa pela consultoria jurídica do ministério, o que não é parte do trâmite normal para inclusão de um empregador no cadastro. De acordo com os auditores, a ação do ministro é inédita e cria uma instância recursal administrativa extra e que não atende aos critérios técnicos de Inspeção ao Trabalho. Entre as justificativas para a avocação, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) citou a “relevância econômica” da empresa envolvida. A Pública revelou que a ação fez com que todos os coordenadores estaduais de combate ao trabalho escravo deixassem seus postos. 

Na última terça-feira, 2 de dezembro, a Justiça do Trabalho determinou que a JBS Aves e as outras duas empresas sejam incluídas imediatamente na lista suja. A decisão argumentou que houve tentativa do governo federal de barrar a divulgação dos nomes por motivos políticos e econômicos, e não com base em critérios técnicos ou legais. O MTE afirmou que recorrerá da decisão.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores classificam as avocações como “indevidas” e criticam a declaração de sigilo em relação às análises do ministério. Os funcionários públicos também ressaltam que a “dispensa de publicidade” dos atos “é incompatível com o Estado Democrático de Direito”. 

Os auditores afirmam que não realizarão “novas operações de fiscalização de combate ao trabalho escravo em âmbito nacional e regional”, mas que as operações já iniciadas serão concluídas. Como condições para o retorno ao trabalho, eles pedem a anulação ou suspensão dos efeitos das avocações, a garantia formal de que nenhum auditor sofrerá retaliação e a abertura dos processos sigilosos para escrutínio público.

“Esse movimento é em resposta ao recrudescimento que está ocorrendo por parte do Ministro do Trabalho na autonomia da inspeção do trabalho e nas ações dos auditores fiscais do trabalho”, explicou à reportagem o auditor e membro da coordenação executiva nacional da Associação Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho (Anafitra), Mário Diniz.

Interferência do ministro resultou em anulação e auditores denunciam assédio moral

Outra interferência de Marinho envolve a empresa baiana Santa Colomba, cujos seguranças privados algemaram, agrediram, e trancaram um trabalhador em um quarto, conforme revelado pelo Brasil de Fato. Como o processo está sob sigilo, não é possível acessar a conclusão da consultoria jurídica do ministério sobre o caso.

No caso que envolve a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do SISAL (APAEB), entretanto, um documento obtido pela Pública indica que a consultoria do MTE concluiu “nulidade absoluta” dos autos de infração que haviam baseado a inclusão da APAEB na Lista Suja do Trabalho Escravo ainda em 2024. Ou seja, após a avocação, o processo e a punição foram extintos. Na carta de informe do protesto, os auditores afirmam que, após a decisão, o caso foi enviado à Corregedoria, “configurando ameaça direta e criminalização da atividade técnica regular” dos fiscais.

“Os auditores estão em choque com essa atitude do ministro, que não aconteceu nem nos regimes de exceção, nem no governo anterior e nem no governo que se organizou depois da deposição da presidente [Dilma Rousseff]”, afirmou Diniz.

O documento assinado pelos auditores que aderiram à paralisação concluiu que “a realidade apresentada, para além das flagrantes ilegalidades demonstradas, possui claros indícios de prática de assédio moral e institucional contra a categoria”.

Além de já terem apresentado uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), que aguarda análise do magistrado que substituirá o ex-ministro Luís Roberto Barroso, os auditores também pretendem levar o caso à Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Edição:

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 50 Especial: entrevista com Mateus Fernandes – justiça climática e periferia

Podcast recebe jornalista e ativista para uma conversa sobre justiça climática e comunicação

0:00

Notas mais recentes

Auditores fiscais paralisam atividades após ministro fragilizar combate a trabalho escravo


Dezembro começa com pautas espinhosas, do PL antifacção ao Marco Temporal, e PF mira o BRB


STF decide fim do processo que condena Jair Bolsonaro


Agenda da semana: Bolsonaro preso, avanço do PL Antifacção e Messias no STF


Jair Bolsonaro é preso preventivamente pela Polícia Federal em Brasília


Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes