A Câmara de Vereadores de São Paulo está promovendo um evento com apoio de uma instituição que espalha mentiras sobre aborto. O Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) organiza, junto com a secretaria de recursos humanos da casa, uma palestra sobre abuso sexual infantil para funcionários, que será realizada no próximo dia 19 de maio. Em 2023, a Agência Pública revelou que esta organização dissemina desinformação antiaborto utilizando verba pública de emendas parlamentares.
Na época, a reportagem encontrou cartazes do Cervi nas estações de metrô de São Paulo, que diziam: “GRÁVIDA?”. Você está confusa ou completamente sozinha… Quais são as suas opções? Ligue para Nós”. Ao ligar para os telefones informados no material, a assistente social explicou que o Cervi “não é uma clínica de aborto”, mas sim um espaço que acolhe mulheres em situação de vulnerabilidade, que passaram por violência, gravidez inesperada ou aborto, e oferece ajuda com enxoval e cesta básica para mulheres carentes.

A mesma funcionária também informou que além de muito perigoso, o aborto “não é legalizado [no Brasil] nem em casos de estupro”, o que não é verdade. A interrupção da gravidez é legalizada no Brasil em três casos: violência sexual; risco de vida para a gestante e/ou anencefalia do feto.
A diretora da Cervi, Rosemeire Santiago, está entre as pessoas que vão falar na Câmara. A reportagem da Pública revelou que ela já concorreu a deputada federal pelo PRTB como “A Pró-Vida de São Paulo” e recebeu apoio da atual vereadora Janaina Paschoal (PP).
Em 2021, quando era deputada estadual, Paschoal destinou verbas parlamentares no valor de R$ 70 mil para a Cervi, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social de São Paulo, para “aquisição de equipamentos”, segundo dados do Portal da Transparência estadual. A reportagem questionou o gabinete da vereadora se a política teve alguma participação na vinda do grupo na Câmara, mas ainda não houve resposta.
A Pública identificou ao menos R$ 170 mil em emendas parlamentares destinadas ao Cervi, entre 2019 e 2023, R$ 100 mil destes vindos da Secretaria Nacional de Política para Mulheres, que era parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, comandado pela hoje senadora Damares Alves (Republicanos).
Por e-mail, a Assessoria de Imprensa da Câmara de Vereadores negou que a Cervi tenha recebido pagamento pela programação, mas não deu maiores informações sobre a organização do evento. De acordo com o gabinete da vereadora Luana Alves (PSOL), “o RH da Câmara foi procurado pela organização, que ofereceu a palestra considerando a data comemorativa 18 de maio, dia nacional do combate à exploração sexual da criança e do adolescente”.
“É bem chocante a falta de critério da Câmara nesse caso. Que numa data tão importante se chame instituições que estão ligadas ao combate aos direitos da criança e do adolescente”, disse a vereadora Luana Alves. Ela informou que vai exigir que institutos que “têm uma trajetória real na defesa de crianças e adolescentes tenham espaço para falar com servidores. Sobre a Cervi, a parlamentar disse que “toda essa fachada de proteção à infância, na verdade, não passa de grupos que têm uma ideologia conservadora, de defesa do patriarcado, que tem relações com pessoas como Damares Alves e se ocultam dos debates de defesa da infância para tentar colocar sua agenda conservadora”, concluiu.