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Dia do Cerrado e pouco a comemorar: como ameaça crescente ao bioma pode prejudicar o agro

11 de setembro de 2024
18:59

Apenas no que diz respeito ao cultivo de grãos, as perdas do agronegócio na região do Cerrado brasileiro já ultrapassam 1 bilhão de dólares por ano – mais de R$ 5,6 bilhões. A informação é do pesquisador da Knowledge Center for Biodiversity Cássio Cardoso Pereira, um dos autores de um artigo publicado recentemente na revista científica BioScience sobre o nível de vulnerabilidade do bioma, o mais desmatado em 2023. O nível de ameaça mostra que há pouco o que comemorar neste dia do Cerrado, 11 de setembro.

No documento, cientistas apontam uma falta de atenção ao Cerrado, cuja previsão de desmatamento em 2024 é de cerca de 12 mil km², contra a marca já alta de 11.011 km² perdidos no ano passado. A marca segue caminho inverso à queda nos índices de desmatamento registrados desde que o governo Lula assumiu, em 2023, e já é superior à destruição da Amazônia, que perdeu 9 mil km² no mesmo período.

Segundo Pereira, preservar o Cerrado é preservar a estabilidade dos regimes de chuva, a recarga dos aquíferos e a manutenção das nascentes dos rios que sustentam o país. “Em um primeiro momento, os produtores acreditam que o desmatamento vale a pena, mas ao longo prazo o que vemos é que as alterações na vegetação vêm causando desequilíbrios climáticos, que afetam a produtividade”, explica.

De acordo com o artigo, divulgado pela Agência Bori, a destruição do Cerrado é agravada pela falta de apoio internacional, políticas governamentais que estimulam o agronegócio e uma legislação ambiental historicamente “frouxa”, especialmente em relação à proteção de terras privadas.

Cerca de 75% do desmatamento total foi registrado na região Matopiba – composta pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, onde foram verificadas as maiores áreas absolutas e a maior velocidade de supressão vegetal no ano. De acordo com o Relatório Anual de Desmatamento 2023 do MapBiomas, apenas 8% da área original do Cerrado está resguardada em unidades de conservação. Na área, o avanço e a expansão da agricultura mecanizada converteram muitas áreas de pastagens em lavouras de soja. 

“Do ponto de vista legal de proteção, ele é pouco protegido. Desde a lei do Código Florestal, que protege somente 20% das áreas privadas dos imóveis rurais. […] Quando a gente fala em terras públicas, também. Porque temos um percentual muito baixo de áreas protegidas no Cerrado, tanto [de] terras indígenas quanto unidades de conservação”, avalia a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Cerrado e Fogo, Ane Alencar. No caso da Amazônia, a legislação impõe um índice de proteção de 80% da cobertura nativa.

Mesmo em territórios indígenas, o desmatamento no Cerrado teve aumento de 188% em relação a 2022. O território Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, no Cerrado, foi a terra indígena mais afetada no país em 2023, com a perda de cerca de 2.750 hectares de vegetação nativa. O número representa cerca de 39% dos 7.048 hectares desmatados nos territórios indígenas do Cerrado no ano passado.

A dinâmica de desmatamento foi facilitada pelo novo Código Florestal de 2012, segundo avalia o pesquisador sobre mudanças climáticas da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) Ben Hur Marimon Jr. Antes, os produtores precisavam comprovar que incêndios em suas terras eram acidentais ou iniciados fora da propriedade, o que agora cabe a órgãos fiscalizadores. “A perícia ambiental não avança, não tem perito suficiente pra pegar 2 mil focos de incêndio, 5 mil focos de incêndio, pra dizer onde que surgiu isso. Se foi incêndio ou se é uma queimada [proposital]”, afirma Marimon. “O Cerrado não aguenta.”

Um problema, dois biomas

A expansão agrícola no Cerrado tem desencadeado uma migração de pecuaristas para a Amazônia. Philip Fearnside, um dos pesquisadores que também assina o artigo, explica que os pecuaristas, ao perceberem a valorização de suas terras no Cerrado, vendem essas propriedades para produtores de soja interessados em expandir suas culturas.

“Quem é pecuarista continua sendo pecuarista, ele não vai se tornar um plantador de soja. […] Então, ele vai vender a terra para um plantador de soja. […] E aí ganha muito dinheiro, porque a terra é valorizada. Aí vai lá para o Pará, Amazônia [criar seu gado] […] onde cada hectare é muito mais barato”, explica o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Cada hectare lá que [ele] vendeu para plantar soja se transforma em vários hectares de desmatamento na Amazônia.”

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