“A expansão das Unidades de Conservação e o reconhecimento dos direitos originários dos povos indígenas e comunidades tradicionais, com destaque aos quilombolas”, é o caminho para “reduzir o desmatamento” no Cerrado. É o que diz o novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no bioma, lançado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (13), na semana alusiva ao Dia Nacional do Cerrado, 11 de setembro.
Após ser engavetado durante todo o governo Bolsonaro, a nova versão do plano está disponível para consulta pública pelos próximos 30 dias. Segundo o documento, “proporcionalmente, o nível de conservação fornecido pelas Terras Indígenas foi muito mais significativo no Cerrado” do que em Unidades de Conservação – que, por sua vez, também apresentam índices baixos de desmatamento, “7,45% do total registrado em 2022”, restrito a poucas unidades, de acordo com o ministério.
“Apenas 0,72% do desmatamento registrado no último ano está em Terras Indígenas, que abrangem, por sua vez, 4,5% da área do bioma. Esse dado reforça o papel dos povos indígenas como guardiões não só da Amazônia, mas também do Cerrado”, segundo o plano, chamado de PPCerrado pelo governo.
Especialistas reforçam urgência em reverter devastação
A Agência Pública conversou com um dos responsáveis pela elaboração do material, o diretor na Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial Raoni Rajão. Ele lembrou que metade do desmatamento no Cerrado é ilegal, e o restante, por vezes, é liberado por secretarias ambientais de estados e municípios sem os devidos estudos.
“Se não conservarmos o que ainda resta de Cerrado nativo, não serão somente as populações locais que sofrerão. O próprio agronegócio vai sofrer com desabastecimento de água, o mesmo setor que lidera a conversão do bioma em soja”, disse. O Código Florestal permite altos níveis de desmatamento legal no bioma – a regra prevê que apenas 20% da área de qualquer propriedade no Cerrado seja conservada.
Segundo Rajão, o código tem sido “letra morta” na prática, especialmente na fronteira agrícola do Matopiba, entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde mais se devasta o bioma.
“Nesta versão do PPCerrado lembramos que dois terços da expansão da soja no Matopiba ocorreu sobre áreas de vegetação nativa. Cerca de um terço de toda a área de soja na região tem favorabilidade média ou baixa para esta cultura, ou seja, não é um desmatamento para produzir comida, mas para especulação imobiliária, para revenda de terras no mercado”, afirmou.
Pesquisadora do Cerrado há mais de 30 anos, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante, também participou do evento e reforçou a necessidade de maior empenho na proteção do bioma. “Essa proteção demanda uma articulação de políticas em vários níveis – tanto na fiscalização e monitoramento, quanto no estímulo a práticas sustentáveis e interação entre os entes federativos”, disse à Pública, logo após o evento.
“Espero que o PPCerrado tenha a ambição necessária para o enfrentamento do problema. Não podemos esperar mais, não temos mais tempo para errar. Temos de ser certeiros, inclusive na escala das ações futuras, porque não se trata mais de uma ação paliativa, de contenção de danos: temos de ter ações de cura”.
Mercedes Bustamante, professora da UnB