Entusiastas da construção da hidrovia Araguaia-Tocantins foram à Câmara dos Deputados nesta terça-feira (19) para defender o projeto e cobrar o avanço da obra, envolta em polêmicas já relatadas pela Agência Pública. Em clima amistoso, deputados federais do Pará e do Tocantins, ambos no trajeto da hidrovia, foram categóricos na defesa da iniciativa, alegando ganhos econômicos com o escoamento de até 60 milhões de toneladas de cargas por ano, especialmente minérios e produtos agropecuários.
Como um todo, a hidrovia liga dois eixos de rios, de Goiás e do Tocantins, até os portos ao norte do Pará, totalizando 1,9 mil km – com parte destes trechos já em uso para navegação. O debate na Câmara focou em um trecho específico da hidrovia, com pouco mais de 200 km entre os municípios de Marabá e Baião, no sudeste paraense, que nunca foi navegável por embarcações de grande porte devido a uma formação rochosa no município de Itupiranga (PA) – o Pedral do Lourenço.
Discussão realizada com sucesso, mas faltou um “detalhe”: ouvir o Ministério Público Federal (MPF), que identificou problemas no licenciamento ambiental da obra, e os ribeirinhos futuramente atingidos pela hidrovia. Conforme apurado pela Pública, nenhum representante deles foi convocado pelo deputado Vicentinho Júnior (PP-TO), responsável pelo pedido de audiência na Comissão de Viação e Transportes da Câmara.
“Não fomos convidados para esse debate e nos sentimos desrespeitados. Estão decidindo sobre algo que vai alterar totalmente nosso modo de vida e, mais uma vez, nos excluíram. Queremos falar de nós, ser ouvidos e enxergados”, disse à Pública o presidente da Associação das Comunidades Ribeirinhas do Pedral do Lourenço (Acrevita), Ronaldo Macena.
Impacto socioambiental ainda inestimado
A construção da hidrovia depende da destruição do Pedral do Lourenço, formação rochosa espalhada por 35 km do rio Tocantins em Itupiranga (PA), no sudeste do Pará, entre os vilarejos de Santa Teresinha do Tauiry e da Ilha do Bogéa.
A intervenção no Pedral foi incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, lançado em agosto, e deve custar R$ 1,1 bilhão aos cofres públicos. Segundo os deputados presentes na audiência, a obra teria recursos garantidos, provenientes de parte da venda da Eletrobras.
Vital para a reprodução de espécies amazônicas ameaçadas de extinção, o Pedral abriga centenas de famílias ribeirinhas, que alegam terem sido apartadas dos debates – uma percepção reforçada após a audiência desta terça, acompanhada in loco pela reportagem.
“Temos uma [servidora] técnica designada para esse assunto, vamos voltar lá [em Itupiranga] para ouvir as comunidades”, disse à Pública o diretor de Infraestrutura Aquaviária do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Erick Moura de Medeiros. O órgão é o responsável pela obra, a cargo da empresa DTA Engenharia – a vencedora da licitação para a realização dos estudos ambientais do projeto, além da engenharia e da própria derrubada do Pedral do Lourenço.
Segundo Medeiros, não há chance de troca da empresa responsável pela obra, alvo de críticas dos ribeirinhos e do MPF por erros técnicos nos estudos, aprovados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) no fim do governo Bolsonaro. “A empresa [DTA] ficou muito tempo parada, seja por diferenças da antiga gestão [federal] ou por outros problemas. Às vezes, é assim. A gente tem de ficar em cima da empresa, porque nesse caso [a obra] atrasou e nós cobramos para que esse tipo de coisa [licenciamento] seja corrigida”, disse.
O que está por vir
Durante a audiência desta terça, o diretor do DNIT ainda disse que o órgão pretende entregar novas versões dos estudos de impactos da obra ao Ibama até o fim do ano, para que a destruição do Pedral do Lourenço comece já em março de 2024.
Tal previsão rendeu um momento curioso: após a promessa, o deputado Vicentinho Júnior disse que iria “arrochar” o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a partir de dezembro, pela liberação das intervenções. A hidrovia já conta com uma licença prévia do Ibama, e os responsáveis pelo projeto trabalham para a obtenção da licença de instalação para a iniciativa – sem ela, é proibido o início das obras.