Na sessão da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado que discutiu ontem (16) o projeto de lei sobre o Marco Temporal para terras indígenas (PL 2.903/23), a maioria dos parlamentares se uniu em torno de um objetivo: votar a proposta antes que o Supremo Tribunal Federal (STF) prossiga com o julgamento sobre o tema. Há a expectativa de que a Corte volte a debater a tese até o fim de setembro, nas vésperas da aposentadoria da ministra Rosa Weber, que deseja se manifestar sobre o assunto.
Em meio a figuras proeminentes do governo Bolsonaro, como os agora senadores Sérgio Moro (União Brasil-PR), Tereza Cristina (PP-MS) e Jorge Seif (PL-SC), que integram a CRA, um dos mais engajados na defesa do Marco Temporal foi o senador Jaime Bagattoli (PL-RO).
Vice-presidente da comissão e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ele possui fazenda de pecuária parcialmente sobreposta à Terra Indígena (TI) Omerê, no município de Corumbiara (RO). A área é habitada pelos poucos sobreviventes dos povos de recente contato Akuntsu e Kanoê, vítimas de massacres nos anos 1970.
Se o PL 2.903/23 for aprovado com a mesma redação com que passou na Câmara, fica estabelecido que sejam demarcados apenas territórios ocupados pelos indígenas na data de promulgação da Constituição, em outubro de 1988. A princípio, a matéria, portanto, poderia beneficiar os negócios do senador. “Não podemos deixar que o Supremo atropele isso”, declarou. “Temos que respeitar nossos povos originários, os nossos indígenas, mas precisamos entender que essa Casa vai ter que resolver essa situação.”
A informação sobre a fazenda de Bagattoli foi revelada em junho por um dossiê do site De Olho nos Ruralistas que identificou parlamentares e financiadores de campanhas políticas com propriedades em territórios indígenas. Segundo o documento, a fazenda São José pertence à Transportadora Giomila, que tem como sócios o senador e seu irmão, Orlando Bagattoli.
O imóvel foi registrado duas vezes em sequência: a primeira em janeiro de 2007, com 1,1 mil hectares, e a segunda em novembro do mesmo ano, com 3,7 mil hectares. À época, a propriedade era de outra família. Foi adquirida pelos irmãos Bagattoli em 2011, por meio da penhora de uma dívida contraída pelos antigos donos. Os registros foram feitos logo após a homologação da Terra Indígena Omerê, que ocorreu em abril de 2006.
O dossiê identificou, com base nos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que a fazenda tem área de 0,5 hectare incidindo sobre a terra indígena. No entanto, informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicam que a porção sobreposta – e portanto, irregular – é muito superior, de 2.591 hectares. O imóvel não consta no patrimônio de mais de R$ 55 milhões declarado por Jaime Bagattoli à Justiça Eleitoral no ano passado.
Em junho, durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, o senador citou a história e admitiu que parte da fazenda invade a terra indígena. “Inclusive, na propriedade, são dois lotes, que dão 3.716 hectares, e eu tive que desmembrar 1.118 hectares, só a parte aberta, e a parte toda da reserva foi homologada junto, mais 2 mil e poucos hectares, toda a mata foi homologada como reserva indígena”, afirmou, na ocasião.
A Agência Pública procurou Bagattoli mas não obteve retorno até a publicação.