Aprovado nesta terça-feira (10) no Senado, o PL da Inteligência Artificial (IA) se beneficiou dos aprendizados da tramitação do PL das Fake News (PL 2620/2022), de acordo com representantes da sociedade civil ouvidos pela Agência Pública. Além disso, políticos entrevistados pela reportagem também destacaram o envolvimento do governo e o contexto político após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) como elementos que facilitaram a aprovação do PL 2338/2023.
“Já conhecendo esse modus operandi deles [big techs], a gente conseguiu de alguma forma tentar minimizar essas consequências”, explicou a cordenadora do grupo de trabalho de IA da Coalizão Direitos na Rede (CDR), Paula Guedes.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) destacou a mudança do contexto político e classificou o momento como oportuno para avançar no debate. “Ocorreram fatos que liberaram um pouco os parlamentares e envergonharam outros com relação a defender determinadas posições e não querer tratar de temas”, explicou em entrevista à Pública, citando os atos golpistas de 8 de janeiro.
Além disso, Carvalho também destacou a atuação técnica do governo na construção da proposta aprovada ontem. “O governo foi muito importante porque trouxe sua posição, defendeu, colocou os técnicos à disposição para ajudar nesse debate, participou do debate junto com a comissão especial que foi criada e interagiu com o texto inicial que foi apresentado e que foi produzido por alguns especialistas”, disse.
As comparações com o PL das Fake News apareceram em diversos momentos na discussão do PL na Comissão Temporária de Inteligência Artificial (CTIA). No entanto, os responsáveis pelo PL, como o relator, Eduardo Gomes (PL-TO), tentaram distanciar as duas propostas legislativas.
Em junho, às vésperas da votação de uma das versões do PL 2338/2023, bolsonaristas organizaram uma campanha online contra o projeto, afirmando que ele seria uma nova versão do PL 2630/2022. Depois, o relator e o presidente da comissão, Carlos Viana (Podemos-MG), concentraram esforços em rebater as comparações e defender o Marco da IA como algo à parte.
Após a aprovação no Senado, foi possível ouvir avisos entre os presentes de que aquele era “só o começo”. No ano que vem, o projeto será avaliado na Câmara dos Deputados, onde muitas das discussões já travadas no Senado se repetirão, assim como a estratégia de pressão das big techs. Foi na Câmara dos Deputados que o PL das Fake News foi enterrado, após intensa ação de lobby das grandes empresas de tecnologias e suas associações setoriais.
Comemoração de vários lados
Tanto os representantes das big techs quanto a sociedade civil comemoraram o resultado da PL da Inteligência Artificial. Por volta das 20h30, de uma sessão que começou às 14h, o clima no plenário era de muitos sorrisos e congratulações. Do lado esquerdo do plenário, por exemplo, a lobista da Meta, dona de plataformas como Facebook e Instagram, abraçava outros representantes de empresas e associações, recebia e dava os parabéns. Um pouco mais ao fundo, a Coalizão Direitos na Rede também comemorava.
Enquanto as plataformas conseguiram retirar seus sistemas de recomendação e distribuição de conteúdo do rol de alto risco, o que implicaria em mais obrigações e necessidade de transparência sobre como os algoritmos funcionam, a sociedade civil garantiu a proteção aos direitos autorais.
“Foi uma grande vitória para a sociedade civil [o PL 2338] ter sido aprovado porque tinha muita pressão contrária, tanto de big techs, setor privado e extrema direita”, explicou Guedes. Ela considera que o projeto “continua protegendo direitos, ainda tem medidas de governança e olha para os direitos autorais”, mas destaca que houve “muitas perdas ao longo do caminho”, como “nas diretrizes de proteção ao trabalho e ao trabalhador”, conforme relatado pela Pública.
O projeto votado no Senado foi exatamente o mesmo aprovado na CTIA na quinta-feira (5), já que, durante a avaliação no plenário, os senadores acordaram que não poderiam ser apresentados destaques para avaliar pontos em separado. Os únicos votos contrários foram dos bolsonaristas Cleitinho (Republicanos-MG), Eduardo Girão (Novo-CE), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Magno Malta (PL-ES).
Girão, em parceria com as big techs, tentou adiar a votação ao apresentar um requerimento solicitando a realização de uma sessão de debates com entidades setoriais antes da votação, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), negou o pleito. Entre os nomes citados pelo senador bolsonarista para a composição da sessão, estavam apenas representantes de empresas, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e o Conselho Digital, entidade que representa as plataformas sociais no Congresso.