As candidaturas indígenas em todo o Brasil foram as que, proporcionalmente, mais cresceram nas eleições municipais deste ano, mas ainda enfrentam dificuldades para emplacar prefeitos e vereadores.
Enquanto o número total de candidatos no país encolheu 20% em relação a 2020, o de autodeclarados indígenas cresceu 16% – foi o único grupo racial (entre brancos, pardos, negros e amarelos) que registrou mais candidatos na comparação com quatro anos atrás.
Entre os 49 candidatos que tentaram prefeituras, apenas nove foram eleitos no primeiro turno realizado no último domingo – um a mais do que em 2020 –, sendo que seis deles foram reeleitos. Dessas nove cidades, sete têm eleitorados com maioria indígena e seis só tinham candidatos indígenas na disputa (veja mais abaixo).
Já nas disputas às câmaras municipais, a presença indígena cresceu 33% na comparação com 2020. A taxa de sucesso também aumentou, ainda que pouco. Dos 2.461 candidatos a vereador neste ano, 241 foram eleitos (9,8%). Na última eleição, 181 de 2.099 conseguiram uma cadeira (8,6%).
A falta de recursos para essas campanhas e a de estrutura dos partidos são consideradas as principais dificuldades para emplacar candidatos indígenas.
“Essas candidaturas têm levado o debate do movimento indígena para os municípios, pautando as questões nacionais dentro dos territórios, como a tese do marco temporal, que, se não foi colocada por todos os candidatos indígenas, foi pela ampla maioria”, diz Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Ele se refere à tese, impulsionada por parlamentares ruralistas, de que indígenas só teriam direito a territórios nos quais estavam presentes na data da promulgação da Constituição Federal – o Supremo Tribunal Federal (STF) já rejeitou esse entendimento, mas o Congresso aprovou uma lei que instituiu o instrumento e que está passando por um processo de conciliação no tribunal.
Assim como ocorreu nas eleições nacionais em 2022, organizações indígenas se articularam em campanhas para apoiar nomes em todo o país. A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) voltou a promover o movimento Bancada do Cocar, lançado há dois anos para incentivar mulheres indígenas a sair candidatas.
Naquele ano, Célia Xakriabá (MG) e Sonia Guajajara (SP), atual ministra dos Povos Indígenas, foram eleitas deputadas federais, ambas pelo PSOL. Nesta eleição, o movimento reuniu mais de cem candidatas à vereança. Delas, dez conseguiram se eleger – fato que foi comemorado pela ministra Guajajara – quatro em cidades do Nordeste, três na região Sul, duas no Centro-Oeste e apenas uma no Norte.
Já a Apib optou por não promover nomes específicos, como em 2020, quando mais de 300 candidaturas receberam apoio jurídico e de comunicação. Neste ano, a organização concentrou sua atuação na formação política e lançou um convite para que as candidaturas indígenas aderissem a um manifesto com dez propostas – entre elas o combate ao marco temporal e o comprometimento com a luta pela demarcação de terras indígenas.
“Nós percebemos que é nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas estaduais que vêm surgindo as principais ameaças nesse processo de retirada de direitos e desmonte da política indigenista. Eleger prefeitos e vereadores vai potencializar a nossa incidência futura, inclusive para atuar onde está a maior ameaça hoje, que é o Congresso Nacional”, diz Tuxá.
Para Alcebias Mota, vice-coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), ampliar a representação no campo político-eleitoral ainda é um desafio relativamente novo para as organizações. “O sistema eleitoral vem de uma dominação muito grande, as campanhas são financiadas pelo grande capital. É uma máquina que a gente enfrenta a cada eleição”, diz. Ainda assim, a organização avalia que a representação político-eleitoral é fundamental para garantir que políticas públicas de educação e saúde cheguem aos territórios.
A ausência de recursos para as campanhas é apontada como a maior dificuldade eleitoral. “Não há um financiamento direcionado para essas candidaturas – e isso em todos os partidos, de direita, centro, esquerda, em que muitos setores não enxergam os indígenas como capazes de ocupar esses cargos. Há um racismo estrutural”, afirma Tuxá, da Apib.
Esse cenário deve mudar a partir da próxima eleição, já que em fevereiro deste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, por unanimidade, que candidaturas indígenas também devem ter uma reserva proporcional de recursos dos fundos públicos e de tempo de propaganda, aos moldes do que já acontece para candidaturas negras.
Outro desafio é a composição de alianças partidárias e da própria escolha de um partido. Há casos em que candidaturas indígenas progressistas estão abrigadas em siglas consideradas nacionalmente de direita, o que, segundo Tuxá, se explica pelas características regionais.
“Nós somos muito questionados por causa da presença de candidatos em partidos de direita ou de centro-direita. Mas isso não significa que o parente que está lá comungue com a ideologia. É a realidade local que ele precisa se adaptar. Eu acho que ele tem até a missão de inserir dentro desses partidos a cosmovisão indígena”, diz ele.
Veja, abaixo, as nove cidades em que prefeitos indígenas se elegeram e como foi a disputa em cada uma delas:
- São Gabriel da Cachoeira (AM): Entre os seis candidatos que disputaram a prefeitura, cinco eram indígenas. O eleitorado (91% autodeclarado indígena) escolheu Egmar Curubinha (PT), da etnia Tariana e sobrinho do ex-prefeito Curubão (PT). Dos 13 vereadores eleitos, 12 são indígenas.
- Normandia (RR): O atual prefeito Dr. Raposo (PP), indígena macuxi, foi reeleito derrotando Neila Araújo (Cidadania), também autodeclarada Macuxi. No município, 65% do eleitorado se autodeclara indígena.
- Uiramutã (RR): Município mais indígena do país, com 93% do eleitorado autodeclarado indígena, o atual prefeito Tuxaua Benício (Rede), da etnia Makuxi, também foi reeleito. Ele concorreu contra Professor Abrão (PDT), que se autodeclara pardo.
- Pariconha (AL): Com 64% do eleitorado indígena, a cidade deu vitória ao atual prefeito, Tony de Campinhos (MDB), autodeclarado indígena. Ele derrotou o outro único candidato – também indígena – Pedro Pereira (PT).
- Marcação (PB): Autodeclarada indígena Potiguara, Ninha (PSD) venceu a disputa contra Angelica Barreto (Republicanos) e se tornou a única prefeita mulher indígena do país. A atual prefeita Lili (DEM) também é Potiguara. A cidade também tem maioria do eleitorado indígena (51%)
- Carnaubeira da Penha (PE): Com 71% do eleitorado composto por indígenas, o atual prefeito, Elizinho (PSDB), que se autodeclara indígena, foi reeleito. Ele concorreu contra apenas mais um candidato, Dr. Manoel (PSB), da etnia Atikum.
- Pesqueira (PE): Havia dois candidatos indígenas na disputa, ambos da etnia Xucuru. O Cacique Marcos (Republicanos) se reelegeu derrotando Rossine (Podemos). Na cidade, apenas 25% dos eleitores se declaram indígenas.
- Mangá (MG): Na cidade em que os indígenas são apenas 0,94% do eleitorado (a maioria, 61%, se autodeclara parda), venceu o único candidato indígena na disputa, Anastacio Guedes (PT), da etnia Xakriabá.
São João das Missões (MG): Apenas dois candidatos concorreram, ambos indígenas. O eleitorado, de maioria indígena (69%), reelegeu o atual prefeito Jair Xakriabá (Republicanos) contra Zé Nunes (PT), que teve apoio da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL).
- *Atualização às 14:15 de 09/10/2024: Corrigimos o partido de Tuxaua Benício.