Candidata ao máximo cargo político da nação mais poderosa do mundo, Kamala Harris, mulher negra, jamaicana e possível próxima presidente dos Estados Unidos, tem uma relação familiar com o Brasil desconhecida por muitos: Donald Harris, seu pai, foi professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) durante uma temporada nos anos 1990 e há quem diga que parte de seus ideais influenciam a ex-senadora pelo estado de Minnesota e atual vice-presidente dos EUA
Donald e a mãe de Kamala, Shyamala Gopalan, se divorciaram em 1971, quando a agora adversária de Trump tinha apenas sete anos, fato que provocou um distanciamento familiar frequentemente explorado na imprensa. Mas, de acordo com o professor emérito da UnB e anfitrião do economista durante sua estada na capital brasileira, Joanílio Teixeira, a presidenciável não parece ter escapado completamente da influência do pai.
“Tenho a impressão de que a imprensa, em geral, tende a exagerar um certo distanciamento entre eles, no sentido político. Porque ele era mais à esquerda, digamos assim, mais social-democrata que ela”, explica Teixeira. “Estou ciente, claro, de que algumas implicações dele estão muito presentes nela. A questão da distribuição de renda. A questão do favorecimento às pessoas afrodescendentes. […] Isso está presente, de certo modo, no que ela fala”, completa.
O professor conta que o economista ficou hospedado em sua residência no Lago Sul durante dois meses, em 1997, e que se surpreendeu com as interações sociais nas quais acabava envolvido na comunidade acadêmica local. “O pessoal ficou muito animado com ele. Querendo bater papo com ele. Levando para churrasco, para almoço”, recorda Teixeira. “[Ele] Notou que havia muita confraternização, o que não era comum nos Estados Unidos e em Stanford”, contou o colega, com quem Harris, aos 85 anos, ainda se corresponde.
Jamaicano-americano, Donald J. Harris já era um nome expressivo no campo da economia quando desembarcou em Brasília, anos depois de ter lançado seu livro mais famoso, Capital Accumulation and Income Distribution (1978), que dedicou às filhas Kamala e Maya. Considerado marxista, ele defendia uma maior intervenção do Estado na economia, o que contrastava com as abordagens ortodoxas dominantes nos Estados Unidos, o que contribuiu para sua experiência no Brasil, onde encontrou ambiente mais simpático às suas ideias mais à esquerda. Após ter visitado a capital, o economista ainda passou curtas temporadas em Fortaleza, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, antes de retornar para a Califórnia (EUA).
O professor Stephen de Castro, que esteve com Harris tanto na Jamaica quanto no Brasil, recorda as dificuldades enfrentadas por ele no meio acadêmico norte-americano devido aos seus ideais mais à esquerda. “Tinha um velhinho lá, meio stalinista, no departamento [da Universidade Stanford (EUA)], naquele momento. E eles [colegas professores] queriam que Stanford demitisse ele”, lembra Castro.
Influência de mão dupla
O ex-senador e então também professor da UnB Cristovam Buarque lembra das conversas com Donald Harris sobre concentração de renda e as consequências da escravidão no Brasil e na Jamaica. “Eu acho que o fato dele ter vivido em Brasília, especialmente, deve deixar uma marca, porque não são todos países, aliás, talvez nenhum, que têm uma capital criada, construída, num lugar que, na época, era completamente distante de tudo, e que virou uma metrópole”, avalia.
No Brasil, o economista encontrou um ambiente receptivo para suas ideias entre professores e alunos, segundo o consultor do Banco Mundial e ex-aluno do pai de Kamala Jorge Thompson Araújo. “A influência dele [na universidade] provavelmente se exerce através das pessoas que interagiram com ele, não somente naquele curso, ou naquele período em que ele esteve lá, mas ao longo de suas carreiras”, avalia. “O Brasil, por ser um país muito grande e bastante complexo, certamente ajudou o Donald Harris a ampliar mais ainda a visão dele com respeito às questões de desenvolvimento econômico”, completa Araújo.