O Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) abriu procedimento para investigar uma operação policial realizada em uma fazenda de Marabá que terminou com duas pessoas mortas e três desaparecidas, na sexta-feira (11). Quatro pessoas seguem presas, aguardando audiência de custódia, e denunciam ter sofrido tortura por parte dos agentes de segurança pública. O MPF solicitou à Polícia Federal que perícias e exames residuográficos fossem conduzidos para determinar se houve resistência armada das vítimas. O caso foi registrado na fazenda Mutamba, local que já foi palco de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Durante a operação Fortis Status, conduzida pelo delegado Antônio Mororó, da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca), policiais civis mataram Adão Rodrigues de Sousa e Edson Silva e Silva, que estavam em um barracão, onde dormiam junto a outros 16 trabalhadores – três deles não identificados e ainda não localizados desde a ação. A investida contou com a participação de 20 agentes da Polícia Civil do Pará (PCPA) e cumpria mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão expedidos pelo Juízo Criminal da Comarca de Marabá.
Segundo a diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDCA), Cláudia Dadico, o tamanho da operação policial, que contou com cinco viaturas e até um helicóptero, seria “desproporcional”. “Seria uma operação para apurar uma possível associação criminosa para a prática de furto de gado e crimes ambientais. Não foram bem detalhados quais seriam esses crimes ambientais. Eles falaram em queimadas, também de forma muito genérica. A gente não tem ideia de qual foi realmente a gravidade dos delitos para poder desencadear uma operação com tamanho aparato policial”, afirma.
A Ouvidoria Agrária Nacional e movimentos sociais estiveram no local no dia seguinte ao episódio. Os depoimentos dos envolvidos, segundo Dadico, foram consistentes. Um dos relatos conta que uma das pessoas ouviu passos e não conseguiu distinguir se a ação, iniciada por volta das quatro da manhã, enquanto dormiam em redes, seria da polícia ou de pistoleiros, já que houve gritos e disparos antes de qualquer anúncio da operação.
Tortura e revolta
Os quatro trabalhadores que continuam presos foram identificados como Adriano Cosme da Silva, Leonardo Mathias Lima, Cledson Suares da Costa e Antônio Edio Alves da Conceição. Eles relataram ter sido mantidos sob a mira de armas, levados para junto dos corpos dos colegas mortos e sofrido agressões até o amanhecer. “Se não confirmassem, com o cano de fuzil encostado no ouvido, eram ameaçados de execução imediata”, afirma nota divulgada por sete movimentos sociais locais, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Coletivo Veredas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
As testemunhas relataram à Ouvidoria que foram amarradas com as mãos para trás com “enforca-gatos”, algumas jogadas ao chão, enquanto uma delas disse ter sofrido vários chutes. De acordo com nota dos movimentos, após a oitiva de testemunhas, há a conclusão de que a operação teria sido orquestrada e seguido o mesmo modus operandi do massacre de Pau d’Arco, em que um grupo de policiais assassinou dez trabalhadores rurais que ocupavam a fazenda Santa Lúcia, em 2017, a 329 km de Marabá.
“Era apenas um pretexto, na verdade, para cometer uma sucessão de crimes. O barracão onde os trabalhadores se encontravam ficava a menos de 1 km da sede da fazenda. As viaturas foram deixadas na sede e os policiais seguiram a pé”, disseram os movimentos sociais. “Dos quatro trabalhadores presos, nenhum deles tinha mandado de prisão e só um tinha condenação pela Justiça. Os dois mortos também não tinham prisões decretadas e nem passagem pela polícia.”
Conflito antigo
A região onde os trabalhadores estavam acampados é alvo de disputa há pelo menos 16 anos, com os ocupantes reivindicando que a área seja destinada à reforma agrária. Segundo a Ouvidoria Agrária Nacional, havia um pedido de reintegração de posse feito pelos proprietários, inicialmente deferido pelo juiz Amarildo José Mazutti, da Vara Agrária de Marabá. A reintegração foi suspensa em maio pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, após recurso da Defensoria Pública do Estado.
Conforme apresentado pela Repórter Brasil, a família Mutran, proprietária do imóvel, possui três fazendas autuadas por trabalho análogo à escravidão. A fazenda Cabaceiras foi autuada em 2002, quando 22 pessoas foram libertadas, e em 2004, com o resgate de outras 13. Também em 2002, 25 trabalhadores foram libertados na fazenda Mutamba, onde o conflito deixou mortos na semana passada. Já em dezembro de 2001, 54 pessoas foram resgatadas na fazenda Peruano.
A Agência Pública buscou a Corregedoria e a comunicação da PCPA para verificar se as denúncias de tortura estão sendo investigadas, mas o órgão afirmou apenas que “a ação foi realizada em conformidade com a lei e as investigações sobre o caso estão em andamento”.