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Nota

Mariana: Mineradoras correm para assinar acordo, enquanto atingidos pedem para ser ouvidos

24 de outubro de 2024
08:46

A poucos dias da data prevista para a assinatura da repactuação de Mariana, os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão seguem denunciando que não participaram do acordo. As mineradoras correm para oficializar o novo pacto, pressionadas pelo início, na última segunda-feira (21), do julgamento, na corte de Londres, da responsabilidade da empresa BHP Billiton. A companhia britânica controla, com a Vale, a Samarco, proprietária da barragem de rejeitos que colapsou em 2015, deixando 19 mortos, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Até a sexta-feira (18), os atingidos pelo crime ambiental nem sabiam os termos do acordo. As negociações pela repactuação começaram em 2022, mas só naquele dia os atingidos participaram da primeira reunião sobre o assunto, quando Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), detalhou o destino dos R$ 167 bilhões, dos quais R$130 bilhões são recursos novos, a serem pagos pelas mineradoras para reparar os danos do desastre – os investimentos em saúde, por exemplo, somarão R$ 12 bilhões. 

O que o advogado-geral da União definiu como busca “respeitosa” de “dialogar com os movimentos sociais” foi visto de outra forma pelos atingidos. “A gente se sentiu usado”, disse o pescador capixaba Fabrício Alves, que participou da reunião. Ele considera que a reunião foi feita apenas para simular uma participação e “usar o nome da gente depois”. “Muitas coisas a gente estava tentando acrescentar e eles não queriam nem ouvir direito”, declarou à Agência Pública.

“Nós pontuamos nossos pontos de vista, aquilo que a gente sente, aquilo que a gente sabe, mas a gente não tem esperança que mude, porque já apresentaram um acordo pronto”, afirmou Lanla de Almeida, que representa atingidos de Minas Gerais. “Foi a primeira [reunião] e a última, porque eles já saíram de lá falando que vai ser assinado”, concordou o ribeirinho Felipe Godoy, que representa atingidos em sete municípios mineiros.

A pressa das mineradoras em finalizar as negociações teria relação com o início do julgamento em Londres, segundo avaliam representantes do escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos na ação europeia. “As empresas protelaram fechar um acordo por nove anos e agora, de repente, tornou-se uma corrida contra o tempo?”, questionou, em nota, o CEO Tom Goodhead. “O julgamento na Inglaterra pressiona a BHP a tomar ações que deveriam ter sido feitas desde o início”, completou. Para a professora de direito do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Luciana Tasse, as empresas “querem fechar esse acordo o quanto antes para alegar perda de objeto dessa ação”.

A AGU afirmou que a responsabilidade por incluir os atingidos nas discussões da repactuação “ficou a cargo” do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), coordenador da mesa de negociação, e que solicitou a inclusão dos “movimentos populares e comunidade nas negociações” ao desembargador Ricardo Machado Rabelo. O TRF6 não se pronunciou sobre a questão e não respondeu às perguntas da reportagem.

De acordo com a AGU, a reunião de sexta serviu para “apresentar aos movimentos populares os itens do acordo que foram negociados entre as partes” e ouvir os atingidos “sobre sugestões que possam ser incorporadas”. A assinatura do novo pacto está prevista para sexta-feira (25). 

Reparação individual de Mariana pode ficar mais difícil

“Eles não vão no território, não discutem saúde, não sabem o que está acontecendo, e têm a coragem de fechar um acordo relacionado à saúde. Ainda falaram que quem não se sentir [contemplado] pode acessar a Justiça. Acessar que Justiça? [Há] nove anos eu estou na Justiça procurando o direito de Sofya para ela se tratar”, desabafou Simone Silva, parte da comissão dos atingidos de Barra Longa e integrante da comissão técnica de saúde dos atingidos de Minas Gerais.

Sofya é filha de Simone e tinha 9 meses na época do rompimento, em novembro de 2015. De acordo com a mãe, ela hoje sofre com inflamações no intestino e no cérebro em função de contaminação por metais pesados. No início de outubro, ela e outras representantes dos atingidos estiveram em Brasília e entregaram ofícios a ministros do governo Lula solicitando participação na negociação.

A professora Tasse alerta que a assinatura do acordo pode tornar ainda mais difícil que as pessoas sejam atendidas em demandas individuais à Justiça, já que o tempo decorrido desde a tragédia e a repactuação podem gerar um “esvaziamento político” do tema. “ A via judicial já não funcionou. Como assim essa é a solução?”, questiona.

Com a assinatura do novo pacto, caberá à União, estados e municípios, com o dinheiro pago pelas mineradoras, efetuar as ações de reparo. Antes, a função de corrigir os danos causados pelo colapso era da Fundação Renova, mantida pelas responsáveis pela tragédia. “A realidade material da vida cotidiana às margens do rio Doce está muito longe de ser solucionada”, finaliza a professora.

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