O Conselho Federal de Medicina (CFM) escolheu ser representado pelo médico bolsonarista e abertamente antiaborto Raphael Câmara na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência e Assédio Sexual Contra Mulheres, na Câmara de Vereadores de São Paulo, que investiga a interrupção dos procedimentos de aborto legal na cidade.
Câmara defende a tese de que todo aborto é crime – inclusive nas situações previstas na lei: estupro, risco à vida da gestante ou diagnóstico de anencefalia do feto.
Ele é ex-secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro e foi o autor da Resolução CFM 2.378/24, publicada em abril, que impede a realização do aborto legal para mulheres vítimas de estupro com gestação de mais de 22 semanas.
No governo Bolsonaro, Câmara defendeu a abstinência sexual como método de prevenção da gravidez na adolescência e editou uma cartilha que recomendava práticas consideradas ultrapassadas e violentas por autoridades da saúde – como cortes na vagina para facilitar o trabalho do médico e até empurrões na barriga da gestante.
Ele ainda relatou uma resolução do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) que obriga a notificação dos estupros atendidos por médicos aos órgãos policiais. A mesma medida foi editada pelo Ministério da Saúde poucos meses após ele ter entrado no governo. Essa e outras medidas da gestão bolsonarista foram revogadas no ano passado por dificultarem o aborto legal pelo SUS.
A CPI intimou o comparecimento do presidente do CFM, José Iran da Silva Gallo, que escolheu mandar Câmara em seu lugar. A sessão ocorrerá no próximo dia 21, às 11h, na Câmara paulistana.
A audiência vai discutir o fechamento do serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, ocorrida em dezembro do ano passado. A unidade era a que mais realizava procedimentos autorizados pela Justiça em São Paulo. Com a suspensão, pacientes em gestação avançada encontram dificuldades para interromper a gravidez, mesmo nos casos previstos na lei, na capital paulista.
A Agência Pública já mostrou que a prefeitura de São Paulo interrompeu o serviço sem denúncias de irregularidades e que a administração municipal está sendo investigada pelo Ministério Público por ter acessado prontuários de pacientes que fizeram aborto na unidade nos últimos anos – o que é ilegal, porque os dados são sigilosos.
Médicas do serviço de aborto legal do hospital foram punidas pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), o que despertou o temor entre profissionais de saúde e pacientes de sofrerem perseguição mesmo tendo cumprido a lei. O presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, também foi convocado para a audiência da CPI, mas ainda não confirmou presença.
O pedido para a audiência foi feito pelo mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL, representado pela covereadora Silvia Ferraro. “Vamos ouvi-lo, pois assim ficará nítido que a resolução do CFM atenta contra a autonomia e a vida das mulheres. Será uma forma de comprometer a Câmara Municipal com o cumprimento das leis que permitem o aborto legal e a retomada dos procedimentos no hospital em questão”, disse Ferraro.