Um total de 121 dos 122 bancos de sangue privados em atuação no Brasil não faz o repasse obrigatório do excedente de plasma arrecadado em doações de sangue. Esse cenário, revelado em novembro pela Agência Pública, é a base de apuração iniciada pelo Ministério Público Federal a fim de verificar o descumprimento histórico da Lei 10.205/01, a chamada “Lei do Sangue”, que prevê que o material seja utilizado pela Hemobrás para produzir medicamentos.
Esses remédios, chamados “hemoderivados”, são usados no tratamento de doenças que vão de infecções ao câncer no Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é de que 265 mil litros de plasma deixem de ser fragmentados anualmente e vão parar em lixões públicos. O valor desse montante no cenário internacional chegaria a R$ 131 milhões anuais.
“O MPF está apurando como está o fluxo atual de entrega do plasma à Hemobrás”, confirmou à Pública a unidade do órgão em Pernambuco, destacando o momento, uma vez que a PEC do Plasma ainda não foi aprovada pelo plenário do Senado. De acordo com nota oficial do MPF, a Hemobrás foi questionada “se os bancos privados estão seguindo a determinação legal, com respaldo na Constituição, para o repasse do material ser feito à empresa ou se está havendo algum represamento do plasma”. Em resposta à Pública, a estatal alegou ainda não ter sido notificada oficialmente do pedido de esclarecimentos.
A informação veio a público no especial Sangue, remédios e dinheiro: quem sai ganhando com a PEC do Plasma, a partir de dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação.
A realidade dos bancos de sangue privados, no entanto, foi confirmada pelo presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS), Paulo Tadeu de Almeida. Segundo ele, os empresários defendem que esse excedente seja comercializado, em caso de aprovação da PEC.
“Sem a PEC, eu jogo fora milhares de bolsas de plasma no ‘lixão’, e isso é matéria-prima para fazer remédio. Eu acho que a gente tem que dar um jeito como país para utilizar essa matéria-prima, seja indústria pública, seja na indústria privada, seja numa parceria público-privada, só não pode jogar fora”, disse na ocasião, acrescentando que apenas 15% dos plasma das doações são aproveitadas em transfusões e os demais 85%, descartados.
Isso ocorre porque a lei determina o repasse, mas não há, desde 2001, dispositivos complementares que definam a responsabilidade financeira por esses envios. O Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados (Sinasan), vinculado ao Ministério da Saúde, é o responsável pela fiscalização da atuação dos bancos de sangue públicos e privados, mas não promoveu denúncias ou punições às empresas que descumprem a diretriz. O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da Pública.