O pacote econômico anunciado pelo Ministério da Fazenda para preservar o chamado “arcabouço fiscal” virou motivo para um grande arrocho do governo nas atividades de inteligência no país. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) se reuniu pela única vez em todo o ano de 2024 na última quarta (4) e, em vez dos R$ 381 milhões que os congressistas queriam enviar para órgãos de inteligência em 2025, o valor aprovado caiu 89% e ficou em R$ 42 milhões.
A maior parte da verba originalmente proposta seria destinada ao Sistema de Defesa Cibernética para a Defesa Nacional, sob responsabilidade do Comando do Exército, ao custo de R$ 300 milhões. Proposto pelo relator das emendas da CCAI, o senador amazonense Eduardo Braga (MDB), o valor foi cortado para R$ 15 milhões, 5% do planejado, após sugestão do próprio senador, líder do MDB na Casa.
“Mesmo que o valor original sugerido seja consistente (sic) com a gravidade dos desafios colocados ao país na defesa cibernética, as restrições fiscais que se avizinham no futuro imediato impõem maiores limitações”, disse Braga durante a reunião.
Presidente da CCAI na crise golpista no fim do governo Bolsonaro, o senador catarinense Esperidião Amin (PP) propôs o envio de R$ 35 milhões para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) reestruturar o Sistema Brasileiro de Inteligência em 2025. Mas Braga sugeriu cortar o valor para R$ 15 milhões, por “prudência fiscal”, argumento acatado pela comissão.
Historicamente, a Abin depende muito dos recursos do orçamento repassados via CCAI, destinados para complementar o valor designado pelo governo federal para manter a agência operante. O governo tem enxugado o orçamento do órgão em meio a recentes escândalos, como o da Abin Paralela e o caso First Mile.
A aprovação dos valores reduzidos para órgãos de inteligência se deu com um tom informal entre os parlamentares. Antes da aprovação, Amin comentou com Braga, relator das emendas e também do projeto da reforma tributária no Senado, que seria “muito mais fácil aprovar isso aqui [emendas para atividades de inteligência] do que a reforma tributária”.
CCAI se reuniu uma só vez em um 2024 marcado por escândalos
A reunião que sacramentou o arrocho nos órgãos de inteligência em 2025 durou menos de 15 minutos e foi o único encontro da CCAI até o momento no ano. Não há perspectiva de novas reuniões até o fim do período parlamentar, na segunda quinzena de dezembro.
O portal da comissão mostra que no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL) também se discutiu apenas a destinação de emendas no orçamento federal do ano seguinte, mas, diferentemente de 2024, foram realizadas duas reuniões da CCAI.
O silêncio da comissão neste ano contrasta com rumorosos casos em investigação. Desde 2023, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga uma ação na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta “omissão” e “inércia” do Congresso no controle das atividades de inteligência no país – em especial na falta de regulação do uso de ferramentas espiãs, como já reportado pela Pública.
Além disso, em janeiro houve desdobramentos da investigação da Polícia Federal (PF) sobre a Abin Paralela e, no mês seguinte, ocorreu a Operação Tempus Veritatis, sobre a tentativa de golpe de Estado envolvendo membros do governo Bolsonaro com acesso ao aparato de inteligência – vide a existência, segundo a PF, de um “Núcleo de Inteligência Paralela” no esquema do golpe, como relatado pela Pública.
Composta por seis deputados e seis senadores, a CCAI é a única instância fora do Poder Executivo capaz de realizar o controle externo das atividades de inteligência. A presidência da comissão é alternada ano a ano entre presidentes das comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado. O atual presidente da comissão é o senador alagoano Renan Calheiros (MDB), por ser presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado.
Como revelado pela Pública, a CCAI destinou mais de R$ 1,7 bilhão para a Abin e para órgãos de inteligência militares entre o ano de 2015 e o mês de julho de 2024.