A massa de rendimento mensal domiciliar per capita atingiu R$ 438,3 bilhões em 2024 — o maior valor da série histórica iniciada em 2012. O número de trabalhadores ocupados também nunca esteve tão alto. Ao mesmo passo, a desigualdade recuou a seu nível mais baixo. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo IBGE. Mas, afinal, por que muita gente não tem a sensação de que vivemos melhor?
A melhora histórica da economia tem a percepção desafiada pela inflação dos alimentos, pelo índice de endividamento e pelo número de trabalhadores informais, o que reforça uma sensação de insegurança nos dados. “O que as pessoas estão sentindo, na prática, é uma perda. Porque mesmo aqueles que tiveram uma melhoria dos seus rendimentos, eles não perceberam isso no poder de compra. E alguns até perceberam o contrário”, explica o doutor em ciências econômicas pela Absolute Christian University Antônio Oliveira de Carvalho.
O grupo “Alimentação e Bebidas” do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou uma alta de 7,69%, e contribuiu em mais de um terço da alta da inflação geral (4,83%) este ano. Em 2023, esse mesmo grupo variou 1,03%, menor índice desde 2017. “Como o preço da carne subiu, a alternativa à carne bovina, que era o frango, acabou subindo também. E a grande alternativa, que sempre foi a mais barata e lembrada por todos, o ovo, quase dobrou de preço”, exemplifica Carvalho sobre a dificuldade que a população tem de perceber as melhorias dos índices.
De acordo com o Mapa de Inadimplência do Serasa, de março de 2025, o Brasil possui 75,7 milhões de adultos endividados. As maiores dívidas são banco/cartão de crédito (28,46%) seguidos de contas de luz, água e gás (20,58%). A professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni explica que “o grande motor da inadimplência é a taxa de juros elevada” – a taxa Selic foi elevada a 14,75% em maio, maior índice já registrado em quase duas décadas.
“[Além de] uma taxa de juros altíssima, os bancos também fornecem limites acima daquilo que você [o usuário] pode ter. Então a chance de você acabar usando um cartão de crédito no rotativo como um complemento de renda, além de trágica, é mais comum do que se imagina”, alerta Beni.
A informalidade no mercado de trabalho também é apontada como causa dessa falta de percepção de melhoria pelos economistas ouvidos pela Pública. Em 2024, 39% dos trabalhadores atuavam sem vínculo formal, segundo o IBGE. O índice inclui empregados sem carteira assinada, domésticos informais, autônomos sem CNPJ, empregadores informais e trabalhadores familiares auxiliares.
Os dados mostram que a diferença entre as pontas mais ricas e mais pobres da população diminuiu significativamente. Os 10% mais ricos passaram a ganhar 13,4 vezes mais que os 40% mais pobres, menor diferença já registrada, que atingiu o pico em 2018 (17,1 vezes).
Desigualdade de padrão de vida ainda segue forte entre regiões
O rendimento mensal domiciliar per capita, ou seja, o valor médio que uma família ganha em por habitante, alcançou R$ 2.020 em 2024. É o maior valor da série histórica e 19,1% acima do registrado em 2012 (R$ 1.696). No entanto, esse valor tem uma grande diferença entre regiões. Enquanto o rendimento médio no Sul é de R$ 2.499, no Nordeste esse valor chegou em 2024 a R$ 1.319, valor ainda menor que a média brasileira de 13 anos atrás.
Segundo Carvalho, a estrutura econômica regional, centrada nos setores de serviços e agropecuária, é um dos principais fatores que influenciam esse cenário, já que o setor de serviços “foi o que mais sofreu durante a pandemia e que, de certa forma, acaba levando um tempo maior para se recuperar”.
“No setor agropecuário, o Nordeste oscila muito em função do clima. E, nos últimos dois anos, o índice pluviométrico nos estados do Nordeste foi baixo […] O Sul, mesmo tendo sofrido com o clima no ano passado, já tem um padrão de industrialização, uma economia com uma dinâmica diferente da economia do Nordeste”, explica.