Um dia após o Congresso Nacional derrubar os vetos feitos pelo presidente Lula ao Marco Temporal (Lei 14.701/2023), um evento convocado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), na cidade Novo Progresso, no Pará, subiu o tom numa região de tensão e conflito entre garimpeiros, invasores ilegais e indígenas dos povos Munduruku, Apiaká e Kayapó, que defendem seu território há décadas.
Na manhã de hoje (15), ao menos 100 indígenas desses povos protestaram em frente ao Centro de Eventos Scremin, em Novo Progresso, onde ocorreu o “Encontro Regional de Mobilização em Prol da Ferrogrão”, um projeto de linha férrea que pretende ligar Sinop (MT) ao Porto de Miritituba, em Itaituba (PA), com valor calculado em R$ 25 bilhões.
O convite do Senador Zequinha Marinho para o evento em Novo Progresso cita dados e números positivos sobre a ferrovia, mas não traz o custo ambiental e humano do projeto. O empreendimento prevê 2 mil quilômetros a menos de floresta, que teria de ser desmatada, além de impactar áreas de conservação e ao menos 16 territórios indígenas.
Em agosto de 2022, a Agência Pública já havia mostrado como o senador Zequinha Marinho se movimenta em Brasília para defender madeireiros, grileiros e garimpeiros. Zequinha tem histórico anti-ambiental, e já incentivou perseguição a fiscais do Ibama e da Funai.
Em frente ao local, os indígenas denunciaram os impactos do projeto e alertaram sobre a necessidade de cumprir os protocolos de consulta quando o senador apareceu. Os indígenas empunhavam cartazes contra o projeto, entre eles: “Ferrogrão é a destruição da floresta e dos povos indígenas”; “Vozes do povo Apiaká do Médio Tapajós exigem respeito ao protocolo de consulta”.
Um vídeo obtido pela reportagem mostra a liderança munduruku, Alessandra Korap, frente a frente com o senador Zequinha num debate sobre a Ferrogrão. É possível ver o senador chegando acompanhado de sua comitiva, escoltado por policiais militares. Alessandra diz ao senador: “a gente sabe que o senador é a favor de todos os projetos de morte das nossas terras”. Em outro momento, ela reforça: “Como é que pode o senhor ser a favor da morte do povo?”.
O senador Zequinha, durante o vídeo de pouco mais de três minutos, se limitou a falar: “Conheço você [Alessandra], sei quem é você. O projeto da Ferrovia vai ser bom pra todo mundo”.
Alessandra Munduruku falou à Pública após o ato em Novo Progresso. “A gente tentou barrar a audiência, viajamos mais de 400km pra isso, éramos poucos, mas estávamos lá pelo nosso futuro e estamos preocupados com o futuro dos nossos filhos. Não vamos deixar passar projetos que violam nossos direitos, que não nos consultaram para isso. Nós vamos pro enfrentamento”, afirmou.
A Ferrogrão está acoplada a um projeto de infraestrutura maior chamado Corredor Logístico Tapajós-Xingu, que inclui ainda a pavimentação da rodovia BR-163, hidrovias e a construção de terminais de carga. Dados da PUC-Rio e Climate Policy Initiative estimam que, caso não seja efetiva a mitigação dos problemas derivados do projeto, haja uma perda equivalente a mais de 285 mil campos de futebol de vegetação natural — o que corresponde a emissão de mais de 75 milhões de toneladas de carbono. Além de outros impactos como a diminuição da biodiversidade ou a redução dos serviços ecossistêmicos provenientes do bioma.
Em maio de 2023, o Ministro Alexandre de Moraes autorizou a retomada dos estudos sobre a Ferrogrão, os quais foram incluídos no Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC) publicado em agosto pelo governo federal.