Não faltaram temas polêmicos e votações controversas no primeiro semestre de trabalhos do Congresso Nacional. Para os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no entanto, o desempenho do Legislativo foi exemplar e irretocável, marcado pelo protagonismo das duas Casas. Recentemente, os dois parlamentares gravaram vídeos para fazer um balanço das atividades de senadores e deputados federais. Enquanto o discurso de Cunha foi alvo até de um panelaço, o pronunciamento de Renan teve repercussão menor. Será que o que eles disseram foi realmente o que aconteceu? Na estreia do projeto Truco no Congresso, feito em parceria pela Agência Pública e pelo Congresso em Foco, checamos algumas das frases ditas por Renan e Cunha. E pedimos “Truco!” para afirmações controversas feitas pelos dois.
Truco, Cunha!
“Só recentemente o Judiciário e o Legislativo recuperam sua independência e o equilíbrio entre os poderes.” – Eduardo Cunha
No discurso em que fez um balanço das atividades parlamentares no primeiro semestre de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, lembrou que a ditadura de 1964 acabou com a independência dos três poderes. Afirmou, contudo, que só recentemente o Judiciário e o Legislativo voltaram a ter autonomia.
Perguntamos:
- Quando o Judiciário e o Legislativo voltaram a ter autonomia? Por quê?
- Os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva impediram a independência do Judiciário e do Legislativo?
- Os ex-presidentes do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça não conseguiram fazer valer a Constituição de 1988, garantindo a independência dos poderes?
Truco, Renan!
“Temos uma crise política, uma crise econômica. Temos também uma crise de credibilidade, porque o sistema é presidencialista.”
Renan Calheiros
O senador afirmou que o Brasil vive no momento uma crise de credibilidade, em parte porque o país adota o sistema presidencialista. Ao mesmo tempo, o Congresso tem aprovado projetos que elevam os gastos do Executivo, que tenta realizar um ajuste fiscal no país. Há quem acuse o Legislativo de alimentar a crise.
Perguntamos:
- Por que o presidencialismo provoca uma crise de credibilidade?
- Como o Congresso tem atuado para debelar a crise a que o senhor se refere?
- A população brasileira escolheu por meio de um plebiscito, em 1993, o sistema presidencialista. O senhor discorda dessa decisão?
“Com coragem e maturidade, debatemos a redução da maioridade penal e aprovamos o projeto com 323 votos, ampla maioria.”
Eduardo Cunha
A redução da maioridade penal ainda não está aprovada.
A proposta passou apenas em primeira votação na Câmara em 2 de julho, após uma manobra bastante controversa conduzida pelo presidente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Uma versão do texto não havia conseguido apoio de dois terços dos deputados no dia anterior – necessário para a aprovação –, mas Cunha recolocou o projeto na pauta, usando para isso uma emenda à proposta original. O procedimento foi bastante criticado. Para virar lei, o projeto precisa ser analisado uma segunda vez pelos deputados federais – o que deve ocorrer este mês – e, depois, passar por duas votações no Senado. Se os senadores alterarem o texto, ele terá de ser votado de novo na Câmara. Isso se repetirá até que haja uma versão aprovada sem alterações pelas duas Casas.
Uma rede de interesses está por trás da iniciativa. Um dos parlamentares a favor da redução, o deputado Pastor Eurico (PSB-PE), chegou a expor claramente que “cada caso é um caso”, em entrevista à Pública. “Um cidadão de bem que criou seu filho, deu educação, o menino pega o carro do pai e ‘vou ali’, daí sai, atropela, matou. Esse menino não é bandido, tem educação, testemunho, formação, ele vai ser tratado igual ao cara que sai com um revólver, sequestra e mata? É diferente. Tem que parar pra pensar e analisar”, afirmou.
A Proposta de Emenda à Constituição da redução da maioridade penal (PEC 171/93), apresentada pelo ex-deputado federal Benedito Domingos (PP-DF), está em tramitação na Câmara desde 1993. O texto previa a redução da maioridade penal para 16 anos em todos os casos. Além dela, 36 iniciativas tramitavam em conjunto e estavam paradas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), responsável por analisar a constitucionalidade dos textos. A PEC provocou discussões entre os parlamentares, não necessariamente maduras. Em uma audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, os deputados Laerte Bessa (PR-DF) e Alessandro Molon (PT-RJ) bateram boca.
Em 31 de março, os deputados membros da CCJ aprovaram os aspectos legais e constitucionais da PEC. Foram 42 votos a favor e 17 contra, o que permitiu que a PEC fosse encaminhada para análise do mérito por uma Comissão Especial. O texto da PEC, então, foi modificado e posto para votação no plenário da Câmara. Na madrugada do dia 1º de julho, os deputados rejeitaram a proposta alterada pela Comissão Especial. O texto que acabou aprovado em plenário no dia seguinte prevê a redução para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
“O Congresso, majoritariamente, é refratário a aprovar novos tributos ou aumentar impostos.”
Renan Calheiros
Os parlamentares geralmente não gostam de aumentar a carga tributária, pois isso afeta diretamente os seus eleitores e eles podem perder de votos.
Isso não quer dizer que o Congresso nunca aprove novos tributos ou aumente os existentes, porque essas mudanças, mesmo se tiverem origem no poder Executivo, precisam sempre ser referendadas pelo Legislativo.
Em maio, por exemplo, a Câmara e o Senado aprovaram a Medida Provisória 668, que aumenta o imposto sobre alguns tipos de produtos importados, como cerveja, produtos farmacêuticos e cosméticos. A MP faz parte do ajuste fiscal do governo e deve elevar a arrecadação em R$ 1,19 bilhão por ano. No Senado, a votação foi apenas simbólica. Na Câmara, o placar foi de 273 (58%) a 184 (38%).
“Colocamos em votação o projeto que regulamenta os direitos do trabalhador terceirizado, com o apoio de grande parte das centrais sindicais.”
Eduardo Cunha
O projeto de lei 4.330/2004 não pretende apenas regulamentar os direitos dos trabalhadores terceirizados, como deu a entender o presidente da Câmara.
A proposta foi bastante criticada por ampliar esse conceito, abrindo caminho para que mais funções sejam terceirizadas dentro das empresas – as chamadas atividades-fim. Hoje, apenas funções complementares podem ser ocupadas por outros trabalhadores, conhecidas como atividades-meio. Na prática, há o temor de que pessoas contratadas possam perder os seus empregos e que os salários sejam reduzidos nesse processo.
A votação da proposta teve uma grande rejeição dos sindicalistas, o que é bem diferente do que Eduardo Cunha disse em seu discurso. A maioria das centrais sindicais é contra o projeto. Houve inclusive um grande protesto nacional contra a iniciativa, no dia 15 de abril, com manifestações em cerca de 50 cidades. Apenas a Força Sindical e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) apoiam a proposta da forma como foi aprovada na Câmara. Juntas, as duas contam com apenas 17,97% dos trabalhadores sindicalizados representados por uma central, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego divulgados este ano. É uma parcela minoritária.
Sozinha, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior opositora da ideia, tem 31,73% de representatividade, quase o dobro das outras duas. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) apoia a regulamentação, mas é contra o texto aprovado pela Câmara e tem 10,3% de representatividade. A Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), com 10,36%, e a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), com 7,65%, também condenam o projeto de lei 4.330, que consideram uma ameaça aos direitos trabalhistas. Somadas, essas centrais contam com 60,04% de representatividade.
Clique no link a seguir para ver como os deputados votaram o projeto.
“Este semestre, além do ajuste fiscal do governo, que consumiu boa parte das energias do Congresso, deliberamos e aprovamos mais de 230 proposições. Foram mais de 100 projetos de lei e seis Propostas de Emendas Constitucionais.”
Renan Calheiros
Nem todos os projetos de lei e PECs foram aprovados.
No primeiro semestre deste ano, o Senado apreciou 271 matérias, das quais 237 foram aprovadas. Em relação às PECs, seis foram apreciadas, mas apenas três foram aprovadas. Duas foram retiradas pelo autor, antes mesmo da votação, e uma foi rejeitada pelo plenário. Quanto aos projetos de lei, 97 foram apreciados e, desses, 70 aprovados.
“Aprovamos o Marco Regulatório da Biodiversidade, um inédito instrumento de controle ambiental.”
Eduardo Cunha
A Câmara realmente aprovou o projeto que regulamenta o acesso e a exploração econômica de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados a eles no Brasil.
É a Lei 13.123/2015, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em maio deste ano. O que a fala do deputado Eduardo Cunha não revela são as emendas que a Câmara derrubou quando a lei voltou do Senado.
De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), o Senado apresentou 23 emendas que, de forma generalizada, tinham o objetivo de reduzir prejuízos a camponeses, pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades tradicionais. Onze dessas emendas foram derrubadas na Câmara, em acordo fechado entre líderes ruralistas, o lobby do agronegócio e das indústrias de cosméticos, medicamentos, higiene e alimentação, denunciou o ISA. O órgão ambientalista publicou a imagem do acordo e o comparou ao resultado final das votações das emendas. Com exceção da emenda número 7, que foi derrubada pelo relator Alceu Moreira (PMDB-RS), as outras emendas sugeridas pelo Senado foram votadas exatamente de acordo com o que o documento atestava.
Um grupo formado por 155 organizações representantes da sociedade civil enviou uma carta à presidente Dilma Rousseff, pedindo o veto da lei. A presidente aprovou a lei, com cinco vetos – três deles acatavam as sugestões das organizações e movimentos sociais ambientalistas. A lei ainda é alvo de críticas. Com a exploração de recursos naturais e conhecimentos tradicionais, as empresas e indústrias têm a obrigação de repassar à União e às comunidades tradicionais apenas 1% da receita líquida anual obtida com a venda do produto final fabricado. A lei permite, ainda, que a União rebaixe o royalty para até 0,1% da receita gerada.
“Minhas relações com diretores e presidentes de empresas públicas nunca ultrapassaram o limite institucional.”
Renan Calheiros
O presidente do Senado, Renan Calheiros, não foi condenado a nenhum crime pelos quais já foi investigado no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Contudo, atualmente, ele é alvo de três investigações no Supremo por suposto envolvimento nos esquemas de corrupção da Petrobras, desarticulados pela Operação Lava Jato.
Os inquéritos foram abertos após o ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, e o doleiro Alberto Youssef apontarem o parlamentar como um dos beneficiários do esquema. Segundo Paulo Roberto, Renan agia por meio do deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE), que se apresentava como seu emissário na hora de cobrar propina em troca de contratos fechados por grandes empresas com a Petrobras.
O senador ainda é investigado por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, o que o levou a renunciar à presidência do Senado em 2007. Desde janeiro de 2013, há um parecer da Procuradoria-Geral da República oferecendo denúncia contra o parlamentar no caso. Dois anos e meio depois, o pedido não foi analisado. A PGR sustenta que o parlamentar enriqueceu ilicitamente, forjou documentos para comprovar que tinha recursos para bancar despesas pessoais e teve evolução patrimonial incompatível com o cargo.
Os fatos se referem à denúncia feita por Monica Veloso, com quem tem uma filha fruto de relacionamento extraconjugal, de usar dinheiro repassado por lobista da empreiteira Mendes Junior para pagar pensão e aluguel da ex-amante. Pela mesma denúncia, Renan virou réu por improbidade administrativa na 14ª Vara da Justiça Federal de Brasília em junho.
“Nunca a Câmara trabalhou tanto como agora.”
Eduardo Cunha
De fato, a Câmara dos Deputados nunca votou tanto como agora. O balanço divulgado pela Mesa Diretora da Casa, com o fim do primeiro semestre deste ano, mostra um aumento das aprovações em plenário em comparação aos quatro anos anteriores.
Na primeira metade do ano legislativo, os deputados aprovaram 95 propostas, entre PECs, projetos de lei complementar, medidas provisórias, projetos de lei, projetos de decreto legislativo e projetos de resolução da Câmara. Também aumentou o número de sessões destinadas a votações. Foram 109 no primeiro semestre de 2015. Em 2011, primeiro ano da legislatura passada, foram 84 sessões deliberativas e 89 projetos aprovados.
Levantamento produzido pelo Estadão Dados até maio deste ano revelou que, se considerados os números de votações, o ritmo de deliberações é o mais intenso das últimas duas décadas. Os deputados votaram 121 vezes em plenário. O recorde anterior foi registrado em 2007, quando Aldo Rebelo (PCdoB) foi presidente da Casa. Na época, 73 votações foram realizadas nos primeiros cinco meses do ano.
No entanto, conforme ressalta o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, o grande número de votações não pode ser visto como eficiência da atividade legislativa. “De fato, o ritmo está frenético, mas a quantidade de matérias que foram incorporadas como norma jurídica é igual ou menor que em anos passados”, disse.
Segundo ele, o sentimento de ativismo legislativo se ampliou em decorrência de votações de matérias polêmicas. “A pauta do Eduardo Cunha é excessivamente conservadora e retrógrada a ponto que o próprio Senado, que é uma Casa conservadora, resolveu analisar com cautela, porque achou que estava muito exagerado.”
“Na rumorosa indicação do ministro do Supremo (Luiz Edson Fachin) nos jornais, parecia que estávamos em mundos diferentes. As versões eram contraditórias diariamente. Só não disseram que me pautei sempre pela isenção, como exige o cargo.”
Renan Calheiros
A imprensa não mostrou visões divergentes ou “contraditórias diariamente” sobre a atuação do presidente do Congresso, como insinua o parlamentar.
Não foram poucas as publicações que apontaram que Renan Calheiros atuou contra a indicação de Luiz Edson Fachin ao Supremo Tribunal Federal (STF). A aprovação de Fachin foi vista inclusive como uma derrota de Renan.
O presidente do Congresso trabalhou contra a indicação nos bastidores, como revelam notas e reportagens publicadas por Folha, Veja, CartaCapital e Estadão na época. O parlamentar adiou a votação pelo plenário da indicação de Fachin por uma semana, sendo que havia um acordo dizendo que deveria ter ocorrido no dia seguinte à sabatina pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Isso teria sido feito para aumentar o desgaste do governo.
Apesar disso, o nome de Fachin foi aprovado pelos senadores por 52 votos favoráveis e 27 contrários. Depois de tomar posse como ministro do STF, Fachin tornou-se relator de um inquérito contra Renan. O senador foi denunciado por suposta prática de peculato, uso de documento falso e falsidade ideológica. O escândalo que deu origem ao processo ocorreu em 2007 e resultou na renúncia do parlamentar, que corria o risco de ser cassado.
“Estamos buscando as suas demandas, inclusive em cada Estado, com a Câmara Itinerante, e fazendo delas a nossa luta.”
Eduardo Cunha
O projeto Câmara Itinerante foi lançado com objetivo de ampliar o diálogo entre estados e municípios com a Câmara dos Deputados e, com isso, abordar os interesses e os anseios regionais na agenda legislativa.
Até agora, o projeto visitou dez capitais estaduais (Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, João Pessoa, Natal, Campo Grande, Cuiabá, Belém, Macapá e Belém). Ou seja, ainda falta visitar outros 16 estados. Os encontros produziram cinco cartilhas sobre os seguintes temas: autismo, água, luta contra o câncer, fauna silvestre e trabalho voluntário.
Também resultaram na apresentação de três emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, a fim de destinar recursos para pesquisa e tratamento de autismo. O balanço oficial da Câmara Itinerante sustenta que está em elaboração uma proposta de emenda à Constituição que destina parte dos recursos obrigatórios da educação para a educação especial.
Há apenas vagas referências a demandas históricas dos estados, como a revisão do chamado pacto federativo, com a maior destinação de recursos federais.
“Eu sou presidente do Senado Federal e me comportarei com a isenção que o cargo recomenda. A indicação (de Rodrigo Janot) é uma faculdade da presidente da República e a sua aprovação ou não, uma prerrogativa dos senadores e das senadoras. Não posso, não tenho como, nem vou predizer o que vai acontecer, nem o que não vai acontecer.”
Renan Calheiros
A fala do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), veio a público de forma defensiva. Desde que seu nome foi apontado como um dos parlamentares investigados na Operação Lava Jato, que apura o esquema de pagamentos de propinas em contratos celebrados na Petrobras e outras empresas, Renan tem feito algumas manifestações em relação ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O mandato do procurador termina no dia 17 de setembro e haverá uma nova eleição. Os candidatos ao cargo são eleitos por membros Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e submetidos à presidente Dilma Rousseff. Desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o escolhido pela presidência é o mais votado da lista de três nomes com mais votos, enviados pela ANPR. Depois da escolha da presidente, o candidato deve passar por uma sabatina no Senado.
Em março, Calheiros sugeriu, em debate no plenário sobre a reeleição no Executivo, que a prática de se afastar para se candidatar (como, por exemplo, um governador sair para concorrer a senador ou presidente) deveria “valer para todas as eleições”. “Estamos com o procurador-geral da República em processo de reeleição para a sua recondução ao Ministério Público. Quem sabe nós, mais adiante, não vamos ter que, a exemplo do que estamos fazendo com as reeleições do Executivo, também ter que regrar esse sistema que o Ministério Público tornou eletivo”, afirmou.
De acordo com o Estadão, Calheiros desejava montar uma CPI para investigar Janot e desistiu da ideia. Para ele, a lista dos senadores investigados divulgada pela procuradoria geral da República foi elaborada por influência política do Palácio do Planalto. O clima entre o presidente do Senado e outros senadores era de animosidade com o atual candidato a reeleição para procurador-geral. Em julho, a Folha noticiou que o presidente do Senado estaria estudando segurar a votação que poderia reeleger Janot. Após o término de seu mandato e com a demora na votação de sua indicação (que não tem prazo), o atual procurador-geral poderia voltar para seu cargo anterior e sair do comando da Operação Lava Jato.
“Foi o povo que elegeu cada um dos 513 deputados da Câmara.”
Eduardo Cunha
O presidente da Câmara está certo ao dizer que os deputados federais são eleitos pelo voto popular, mas isso não significa que cada um deles foi escolhido pelo povo.
A eleição para deputado federal é proporcional. As cadeiras são divididas a partir de alguns cálculos, de modo a corresponder ao porcentual de votação de cada uma das coligações ou partidos que concorreram na eleição. Isso significa, na prática, que os parlamentares eleitos não são necessariamente os mais votados num ranking geral.
Primeiro, é necessário saber o número de vagas disponíveis para cada estado. Atualmente, São Paulo, por exemplo, pode escolher 70 deputados federais, enquanto o Amapá tem o direito de selecionar oito. A quantidade de vagas fica definida também por uma conta, que tem como base o tamanho da população, e pode variar a cada disputa. De acordo com a Constituição, um estado não pode jamais ter menos do que oito parlamentares na Câmara ou mais do que 70.
Em seguida, pega-se o número de votos válidos em cada estado – excluindo brancos e nulos – na eleição e divide-se pelo número de vagas. O resultado será o quociente eleitoral, ou seja, a votação mínima que um partido ou coligação deve atingir para conseguir eleger um deputado federal. Em 2014, o quociente eleitoral no Rio de Janeiro foi de 166.814 votos. Ou seja, para eleger um deputado, um partido ou coligação precisaria somar uma quantidade igual ou maior a essa.
No passo seguinte, divide-se a votação do partido ou coligação pelo quociente eleitoral. O resultado é o quociente partidário, que mostra quantas vagas serão destinadas a cada grupo. No Rio, o PV conseguiu 70.945 votos e, por isso, ficou fora da Câmara. Já o PSOL teve 531.415 votos e elegeu três deputados federais. Já a coligação capitaneada pelo PMDB de Eduardo Cunha obteve 16 vagas. Feitos todos esses cálculos, ainda sobram geralmente algumas cadeiras. Isso porque os resultados não são exatos. Aí, faz-se uma nova conta, o número de votos do partido/coligação dividido pelo número de vagas conquistadas mais 1. Quem tiver a maior média consegue ficar com a primeira cadeira disponível. O cálculo é refeito até que todas sejam distribuídas.
Definidos todos os deputados eleitos, os candidatos restantes de cada coligação ou partido que obtiveram uma vaga tornam-se suplentes. Se o parlamentar precisar se ausentar por algum motivo – como um problema de saúde ou para assumir um outro cargo –, são eles que assumem o seu lugar. E isso acontece o tempo todo. O site da Câmara mostra quais são os suplentes em exercício no momento. Até o dia 27 de julho, havia 29 deputados licenciados sendo substituídos, ou 5,6% do total.
A proporcionalidade provoca situações inusitadas, que podem parecer até injustas para os eleitores que não entendem os cálculos usados. O candidato a deputado federal Ricardo Silva (PDT-SP), por exemplo, teve 98.870 votos em São Paulo, mas não conseguiu entrar na Câmara. Tornou-se suplente. Já Marcelo Squassoni (PRB-SP), que recebeu o apoio de 30.315 eleitores paulistas, foi eleito. Ou seja, um candidato com votação três vezes menor ficou com a vaga. Se o que valesse fosse a quantidade de votos recebidos, provavelmente Ricardo Silva estaria na Câmara.
Resumo dos pronunciamentos
O protagonismo do Legislativo no primeiro semestre deste ano foi o tema do pronunciamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O parlamentar iniciou sua fala destacando como a arquitetura de Brasília, em 1960, reforçava a independência entre os três poderes, eliminada quatro anos depois pela ditadura. Segundo Cunha, Legislativo e Judiciário tornaram-se autônomos de novo só recentemente. Em seguida, o parlamentar listou os projetos aprovados ou votados durante o período: a redução da maioridade penal; a transformação do assassinato de policiais em crime hediondo; a regulamentação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas; as mudanças na terceirização; a redução das dívidas de estados e municípios; a reforma política; a PEC da Bengala, que eleva a idade de aposentadoria dos funcionários públicos; e o Marco Regulatório da Biodiversidade. Disse ainda que nunca a Câmara trabalhou tanto como agora. Cunha afirmou que os deputados têm avaliado as medidas do ajuste fiscal buscando tanto garantir a governabilidade como preservar conquistas adquiridas. E encerrou o discurso dizendo que a Câmara continuará a trabalhar com independência, coragem, responsabilidade e eficiência.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) também manteve o foco no protagonismo do Legislativo em seu balanço do semestre. Segundo ele, o Congresso Nacional está apenas se afirmando, numa ampliação do seu papel democrático. Listou em seguida alguns dos temas discutidos, como a independência do Banco Central, a Lei de Responsabilidade das Estatais, a PEC da Bengala, a renegociação das dívidas dos Estados e o fim da participação mínima de 30% da Petrobras no pré-sal. De acordo com Renan, o Congresso tem sido procurado pela sociedade para descobrir saídas para a crise. Ele afirmou que a independência do Legislativo é um caminho sem volta. O parlamentar enumerou a produção do Congresso no semestre e disse que os próximos seis meses terão uma agenda sensível. Renan elogiou ainda a relação com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que impôs um ritmo às votações dos deputados. Em seguida, criticou o ajuste fiscal do governo, cujos resultados classificou como modestos. Defendeu o enxugamento da máquina pública como uma necessidade para se sair da crise e solicitou medidas capazes de garantir o crescimento econômico. No final do pronunciamento, elogiou o vice-presidente Michel Temer e negou envolvimento em esquemas denunciados pela Operação Lava Jato. Disse ainda que sempre se pautou com isenção na indicação do ministro Luiz Fachin ao STF e elogiou as manifestações que ocorreram no país nos últimos anos.