Em uma entusiasmada mensagem para Washington em 13 de novembro de 2007, depois de uma longa conversa com o presidente da Cyrela, Eli Horn, o embaixador americano Clifford Sobel anuncia o início da “lua de mel” dos investidores americanos com a política de financiamento habitacional do governo Lula.
Em meio aos detalhes do crescimento explosivo da empresa em 2007, o ex-presidente operário é descrito como “o melhor presidente para o setor imobiliário que o Brasil já teve”. Horn reporta, e o embaixador americano despacha: “a lua de mel está só começando”.
O interesse dos Estados Unidos no sucesso da empresa brasileira se explica pelo fato de que nada menos que 60% dos acionistas da Cyrela, a maior construtora de prédios residenciais no país, são americanos.
E, naquele ano, seus olhos brilhavam pelo Brasil. Em 2007, o país viveu um boom da construção civil. Só na cidade de São Paulo, anunciava-se um prédio novo por dia, o que significava duas mil unidades por mês – o dobro de lançamentos do ano anterior. O mercado estava tão aquecido que faltava guindastes, era preciso importá-los da China.
A conquista do sonho de milhares de brasileiros em comprar a casa própria, de quebra, alimentava o sonho de um punhado de americanos: as ações da Cyrela subiram 50% ao longo daquele ano.
Os acionistas faturavam com performance recorde na história da empresa. As vendas totais, que somavam 200 milhões de dólares em 2004, estavam previstas para US$1,2 bilhões em 2007. Hoje, só a previsão para construções voltadas à baixa renda, aquelas que recebem incentivos do governo federal, é de até R$ 3,5 bilhões para 2011. Quase a metade do total previsto para esse ano: R$7,7 bilhões.
A mensagem a Washington disseca a origem da pujança: a política de expansão de crédito e financiamento.
“Os financiamentos em 30 anos alteraram o mercado, deixando empresas como a Cyrela menos dependentes da estabilidade da Caixa Econômica Federal, a tradicional financiadora”, reporta o documento.
Para encerrar, Sobel frisa: assim que o Brasil passar a investment grade, as portas do mercado de financiamento do país estarão abertas aos bancos americanos. E cita, como exemplo dos novos tempos, um movimento visionário do Goldman Sachs. O banco, ainda antes de virar um dos bichos papões da crise hipotecária americana, foi o primeiro a colocar dinheiro em uma instituição especializada em financiamento imobiliário no Brasil.
A explosão imobiliária brasileira pode ter sido compreendida como um prenúncio do até então bem sucedido modelo americano.
O deslumbramento em 2007 se explica porque, como Sobel, muitos ignoravam os sinais de que o casamento do governo americano com sua indústria de crédito hipotecário estava entrando na maior crise de sua história – que abriria, em 2008, a maior crise do sistema financeiro mundial desde 1929.
Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana pela agência Pública.