Buscar

Tecnologia produzida por uma empresa americana tem sido usada pelo violento governo da Síria para monitorar e censurar a internet no país

Reportagem
14 de novembro de 2011
16:32
Este artigo tem mais de 13 ano

Por Pratap Chatterjee

Enquanto aumenta a pressão internacional contra o governo da Síria, que tem reprimido violentamente os protestos no país – a União Européia aumentou as sanções e a Liga Árabe decidiu suspender a Síria – uma revelação feita pelo Bureau of Investigative Journalism mostra uma faceta bem menos conhecida da repressão: as empresas que vendem tecnologia para a repressão.

A reportagem feita pelo centro parceiro da Pública mostra que tecnologia produzida por uma empresa americana está sendo usada pelo governo Sírio liderado pelo presidente President Bashar al-Assad para censurar a internet e monitorar os dissidentes.

O equipamento produzido pela companhia Blue Coat, do Vale do Silício, permite que corporações e governos gerenciem o tráfico de dados de suas redes.

A mesma tecnologia pode ser usada para monitorar usuários e bloquear o acesso ao Facebook e ao Skype – ambos foram essenciais durante as revoltas da Primavera Árabe no Egito e na Tunísia.

Agora, ativistas afirmam que o governo da família al-Assad está usando a tecnologia da Blue Coat para reprimir os dissidentes sírios.

Em agosto a  Telecomix, um grupo de ativistas hackers da Suécia que tem apoiado dissidentes do Oriente Médio com tecnologia de criptografia e o fornecimento de sistemas de comunicação locais, obteve 54 gigabites de dados de telecomunicação da Síria.

De acordo com os ativistas os dados mostraram que a tecnologia produzida pela Blue Coat foi usada para filtrar a comunicação por internet de todo o país.

De acordo com regras do governo americano, é proibido a qualquer empresa dos EUA vender produtos para a Síria. Porém, oficiais americanos contatados pelo Bureau afirmaram estar analisando as revelações.

“Essa revelação de que a tecnologia da Blue Coat está sendo usada pela Síria é algo que o Departamento de Estado está levando muito a sério e vê com bastante preocupação”, afirmou um funcionário, que pediu anonimato.

Procurado para comentar o assunto, o porta-voz da empresa Blue Coat, Steve Schick, afirmou que não havia evidências fortes de que equipamentos da sua empresa estivessem sendo usados na Síria.

“A Blue Coat não vende equipamentos para Síria. Nós obedecemos as leis de exportação dos Estados Unidos  e não permitimos que nossos parceiros vendam para países sob embargo”, afirmou. “Além disso, não permitimos que nenhum dos nossos revendedores, independente de onde estejam no mundo, realizem transações com países sob embargo, como a Síria”. Schick não descartou a possibilidade de que o equipamento tenha sido comprado através de um vendedor de segunda mão. E observou que equipamentos da Blue Coat podem ser encontrados até mesmo em sites como o eBay.

Porém, alguns dias depois, a empresa admitiu que seu equipamento estava sendo usado pelo governo da Síria. Segundo a Blue Coat, a empresa enviou o equipamento para Dubai acreditando que ele iria ser entregue ao governo do Iraque.

Outras empresas, outros governos repressivos

Nos últimos 40 anos, a Síria tem sido governada pela família al-Assad. Neste tempo, a liberdade de expressão foi suprimida, bem como a oposição política. Desde o começo deste ano, os protestos da sociedade civil têm sido violentamente reprimidos pelo governo, que já matou mais de 3 mil pessoas, segundo estimativa da ONU.

Essa não é a primeira vez que emergem evidências de que regimes opressivos estão utilizando de forma abusiva tecnologias de vigilância produzidas por empresas americanas e européias.

Documentos encontrados na Líbia depois da derrubada de Gaddafi indicavam que equipamentos produzidos pela empresa francesa Amesys estavam sendo usados pela comunidade de inteligência do regime, enquanto equipamentos da empresa britânica Gamma Group foram encontrados no Egito. O mesmo ocorreu com relação a equipamentos da empresa Trovicor, sediada em Munique, encontrados com o governo do Bahrein.

A empresa Blue Coat foi fundada em 1996 sob o nome de CacheFlow Inc por dois investidores, Michael Malcolm e Joe Pruskowski.  Teve um crescimento vertiginoso e chegou a anunciar em outubro que 85% das 500 empresas mais ricas do mundo são suas clientes.

Além de tecnologia de vigilância e bloqueio de internet, a empresa vende sistemas de “gerenciamento de tráfico” para provedores de telecomunicação.

Em setembro a empresa anunciou que Afribone, um provedor de internet no Mali, havia comprado um dos seus sistemas para ajudar a gerenciar os picos de tráfico.

“Governos podem espionar toda a população”

Em um comunicado institucional, a Blue Coat anunciou que o equipamento vendido à Afribone poderia prover “filtragem de URL de acordo com requerimentos por motivos culturais e legais”.

Em outras palavras, o equipamento vendido poderia ser usado por governos autoritários para garantir que os cidadãos não tenham acesso a determinados sites.

Há alguns anos Blue Coat tem anunciado agressivamente sua capacidade de bloquear tecnologias como Skype, uma ação que, segundo a empresa, ajudaria a reduzir o excesso de tráfico na internet.

Mas Eric King, chefe do projeto Big Brother Inc da ONG britânica Privacy International, que rastreia o uso de equipamentos de vigilância, diz que “se cair em mãos erradas, a tecnologia da Blue Coat pode facilmente ser usada como uma ferramenta de controle político. Ela permite a governos espionar a atividade de toda uma população na internet e monitorar dissidentes, ativistas e opositores políticos com a maior facilidade”.

Em todo o Oriente Médio, governos e provedores de telecomunicações bloqueiam o Skype e outros aplicativos por motivos comerciais e políticos.

A Blue Coat é uma das maiores fornecedoras desta tecnologia – a empresa ganhou o título de “Número 1 em vendas de redes” em Dubai em 2010.

O maior cliente das empresa na região é a Arábia Saudita, mas ela também vende em grande quantidade para os Emirados Árabes, o Qatar, o Kwait, Oman e o Iêmen.

A Blue Coat não é a única empresa que vende produtos de gerenciamento de tráfico da internet.

A Cisco, outra empresa do Vale do Silício, vende um produto equivalente, assim como a alemã Ipoque. Essas empresas também oferecem ferramentas que permitem que os compradores monitorem em detalhes alguns usuários da internet.

“Sitemas de censura na internet como os da Blue Coat estão sendo usados para evitar que os cidadãos sírios de qualquer espectro político, incluindo aqueles que não têm atuação política, acessem sites como o Facebook e o Twitter”, diz Peter Fein, membro do  grupo TeleComix em Chicago, nos EUA.

“A vigilância de Estado através desses equipamentos tem consequências sérias no mundo real – ela permite que governos prendam e torturem dissidentes pacíficos. Em mãos erradas, esses equipamentos são tão perigosas como um taco ou uma arma”.

Clique aqui para ler a reportagem original, em inglês.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Leia também

Com a Copa, Brasil vira mercado prioritário da vigilância

Por , , ,

Gigantes do setor obtêm contratos em diversas cidades para monitorar brasileiros durante os jogos de 2014 - desde scanners de segurança até softwares de rastreamento remoto

Andrew Jennings: Como eu ajudei o FBI a investigar a FIFA

Por

Jornalista britânico revela como auxiliou a polícia americana a apertar o cerco contra a corrupção na organização que comandará a Copa do Mundo de 2014

Notas mais recentes

Do G20 à COP29: Líderes admitem trilhões para clima, mas silenciam sobre fósseis


COP29: Reta final tem impasse de US$ 1 trilhão, espera pelo G20 e Brasil como facilitador


Semana tem depoimento de ex-ajudante de Bolsonaro, caso Marielle e novas regras de emendas


Queda no desmatamento da Amazônia evitou internações por doenças respiratórias, diz estudo


Dirigente da Caixa Asset deixa sociedade com ex-assessor de Lira após reportagem


Leia também

Com a Copa, Brasil vira mercado prioritário da vigilância


Andrew Jennings: Como eu ajudei o FBI a investigar a FIFA


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes