Grajaú, São Paulo. CEU Vila Rubi, março de 2015. Já eram 19h30 da noite e a sala do Telecentro estava cheia de jovens concentrados, atentos e com muita vontade de aprender e produzir. Assim começou o primeiro encontro do Projeto Direitos em Rede, realizado pela Pública com apoio do Edital Redes e Ruas da Prefeitura de São Paulo.
A nossa ideia era ensinar aos alunos como abordar as questões de direitos humanos no fazer jornalístico, compartilhando a experiência da Pública em produção de vídeos. Queríamos fomentar uma produção midiática a partir do olhar de jovens interessados em expor a sua visão da cidade. Um desafio e tanto.
Como responsável pelo trabalho, comecei lendo para os alunos a Declaração Universal dos Direitos Humanos com o objetivo de eleger um tema para investigarmos coletivamente. Mas, para minha surpresa, não foi preciso discutir muito. Em pouco tempo todos já sabiam o que queriam: abordar o genocídio da juventude negra e pobre da periferia.
A pesquisa de fontes e dados não foi um problema. A maioria deles já tinha os números na ponta da língua – além de conhecerem, infelizmente, pessoas que fazem parte dessa triste estatística de violência do Estado. Alguns integrantes do grupo frequentam as reuniões da Comissão da Verdade da Democracia, estavam engajados em campanhas contra a redução da maioridade penal, em coletivos cineclubistas, no Fórum de Hip Hop, no Fórum de Cultura do Grajaú, ou todos esses grupos ao mesmo tempo. Encontrei nos alunos do curso uma juventude politizada e engajada, daquelas de fazer fé na humanidade.
Todos dividiam a mesma preocupação: como fugir das estatísticas e mostrar as pessoas por trás desse drama? A forma encontrada foi contar a história de Wiverson, jovem, negro, morto pela PM aos 23 anos em janeiro deste ano. Wiverson estava foragido da cadeia após o indulto de Natal. Wiverson foi morto suopstamente num confronto com a polícia, mas não se sabe como isso aconteceu. Ele é mais um dentre centenas de casos.
Quem trouxe a sua história para o grupo foi Rodolfo, um vizinho criado com ele quase como irmão. A determinação de Rodolfo em contar a história convenceu a todos. Mas como falar do tema? O grupo queria fugir das coberturas noticiosas em que as mortes de jovens relatadas sempre ressalvam que “a vítima tinha ligação com o tráfico”, tornando, assim, as mortes mais “palatáveis”. E escolheu um caminho diferente: humanizar a vítima, mostrar quem era Wiverson e seus dilemas, iguais aos de tantos outros jovens: as dificuldades de ser jovem na periferia, a difícil escolha da criminalidade.
Foi trabalhoso, mas não foi difícil. O envolvimento da galera facilitou tudo. “Vamos pensar o roteiro!”; “Vamos gravar!”; “Vixe, não vejo a hora!”; “Domingo de manhã? Sem problema!”; “Deixa que eu filmo…”, repetiam com entusiasmo. O resultado está aí. Para além da estatística trata de um tema inadiável e complexo por meio de um testemunho sensível e humano. Assista:
Para além da estatística from Agência Pública on Vimeo.