No último dia 8 de dezembro, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas no Rio de Janeiro lançou a quarta edição do seu dossiê sobre megaeventos e violações de direitos humanos. São 190 páginas de dados, pesquisas e análises produzidas por 28 colaboradores que lutam para dar visibilidade ao impacto negativo que os megaeventos têm tido na cidade.
Para o professor Orlando Santos Júnior, que coordenou o relatório, “o que sintetiza este dossiê é que a política atual é claramente uma política de exclusão”. Não por acaso, a publicação foi nomeada “Olimpíada Rio 2016, os jogos da exclusão” como resposta a um discurso feito por Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, alegando que os Jogos Olímpicos de 2016 serão os “mais inclusivos da história”.
“Esse projeto de cidade é um projeto de mercantilização, é um projeto de tornar certas áreas da cidade em negócios, então é a subordinação da cidade ao capital, e não às pessoas. Isso tem um impacto direto no aumento das desigualdades socioespaciais que já marcam a cidade do Rio de Janeiro”, diz Santos Júnior.
Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro e integrante do núcleo de pesquisa Observatório das Metrópoles, o sociólogo urbano recebeu a Pública para uma entrevista exclusiva na qual apontou a falta de transparência sobre os gastos e diversos “artifícios retóricos” usados pelos governos federal, estadual e municipal para mascarar os dados. Leia abaixo:
O que mudou desde o primeiro dossiê, lançado em 2012? Quais foram os principais avanços e retrocessos em termos da resposta do poder público?
Na verdade, não há respostas do poder público às críticas elaboradas pelo dossiê. Muito pelo contrário. Eu acho que o poder público tem reiteradamente ignorado as críticas feitas não só pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, mas também por outros setores da sociedade. Mesmo com os órgãos internacionais que têm levantado críticas, o poder público tem optado por uma estratégia combinada de ignorar as críticas e propagandear realizações – muitas delas sem consistência. A tentativa do dossiê é exatamente desconstruir o discurso oficial da prefeitura do Rio de Janeiro. Infelizmente não há respostas, muito pelo contrário: as relações que avançam são no sentido de manter as mesmas práticas e até que correspondem a violações de direitos humanos nas mais diferentes áreas.
O dossiê do Comitê estima que houve pelo menos 4.120 famílias já removidas e 2.486 permanecem ameaçadas de remoção por razões diretas ou indiretamente ligadas ao projeto olímpico. O governo do Rio não assume esse dado. Como vocês chegaram a ele?
A gente tenta fazer o trabalho mais sério e mais fundamentado possível. Os dados do próprio governo sobre famílias removidas ou reassentadas no Rio de Janeiro são muito superiores a esse número de 4 mil famílias, contabilizando mais de 20 mil famílias. Mas o governo utiliza um artifício discursivo para negar que essas famílias tenham sido removidas em decorrência das intervenções vinculadas à Copa e à Olimpíada. Eles desassociam essas intervenções da própria Olimpíada. Não consideram, por exemplo, algo como a construção do BRT como uma obra vinculada à Olimpíada. Em vários discursos, o prefeito Eduardo Paes diz que a única remoção que ele considera vinculada à Olimpíada é a da Vila Autódromo, porque ela está vinculada ao Parque Olímpico. Segundo o prefeito, todas as demais intervenções que não estão associadas a equipamentos esportivos não podem ser consideradas decorrentes da Olimpíada. Mas você tem outros casos, como o da favela do Metrô-Mangueira, que está associada à intervenção do Maracanã.
Mas a prefeitura do Rio de Janeiro tem um documento oficial, que não fomos nós que inventamos, que apresenta para a sociedade e para o COI [Comitê Olímpico Internacional] um plano de políticas públicas onde estão listadas várias intervenções. O que nós fizemos? Pegamos o plano de legado e identificamos as remoções vinculadas a essas intervenções. Chegamos então ao número de mais de 4 mil famílias removidas. Mas esse número pode estar subestimado porque é muito difícil ter acesso às informações, porque não são informações transparentes as que são fornecidas pelo poder público.
Qual a situação das famílias que foram removidas hoje em dia? Elas receberam as compensações prometidas? Quais os casos mais marcantes?
Esse é um problema grave. Até pela ausência de informações por parte do governo municipal é muito difícil monitorar os efeitos dessas remoções sobre as comunidades. Há casos e denúncias nos jornais e nos meios de comunicação mostrando famílias expulsas pelas milícias em alguns conjuntos habitacionais, mas não há um monitoramento sistemático que permita uma visão de conjunto sobre o que está acontecendo. É muito difícil ter um balanço na ausência de dados oficiais, e isso, a nosso ver, também deveria ser objeto de preocupação por parte da própria prefeitura. Se a prefeitura promove uma remoção ou um reassentamento, deveria ter como responsabilidade monitorar essa família no sentido de garantir que vai ter uma qualidade de vida satisfatória, já que ela está sendo impactada por uma intervenção que a prefeitura promoveu.
Segundo o dossiê, o Movimento Unido dos Camelôs tem lutado para cadastrar todos os camelôs da cidade como trabalhadores formais, mas a prefeitura emitiu poucas licenças. Sabe-se quantos camelôs foram deixados de fora?
O problema não diz respeito apenas à baixa quantidade de licenças emitidas pela prefeitura, mas à forma como esse cadastramento foi feito. O cadastramento, por exemplo, não levou em consideração os que já trabalhavam nas ruas há muito tempo. Aconteceram sorteios. Com isso, muitos trabalhadores que tinham as suas vidas vinculadas ao trabalho ambulante nas ruas não foram contemplados. Isso leva a grandes distorções: esses trabalhadores passaram a alugar a sua licença ou a trabalhar ilegalmente. Isso leva ao pagamento de taxas ilegais, e isso alimenta a subordinação desses trabalhadores à Guarda Municipal. Então você cria uma série de problemas vinculados à inexistência de um processo de cadastramento que leve em consideração a trajetória daqueles que trabalham na rua. Isso não teria sido tão difícil de fazer desde que você incorporasse as próprias organizações dos camelôs no processo. Outro elemento foi a ausência de uma estratégia para o armazenamento das mercadorias dos camelôs. O Comitê realizou uma missão junto aos camelôs, e nós pudemos constatar que os camelôs são reféns dos grandes depósitos controlados por agentes que exploram o seu trabalho. Esses depósitos são associados à comercialização ilegal de mercadorias e têm uma série de irregularidades relacionadas a eles. A prefeitura precisa organizar depósitos públicos que possam guardar a mercadoria dos camelôs no centro da cidade.
O que impressiona é que as soluções são muito fáceis! O problema é uma ausência de uma política de integração social. O que sintetiza este dossiê é que a política atual é claramente uma política de exclusão. Você vê que agora os camelôs já não trabalham no Maracanã e em diversos pontos da cidade. Então a restrição do espaço de trabalho dos camelôs é muito grande aqui no Rio de Janeiro, e uma boa parte deles depende desse trabalho informal para a sua sobrevivência.
Fale um pouco sobre o Porto Maravilha. Quais os problemas que o Comitê vê no processo? Houve abertura para diálogo?
O projeto do porto ameaçou as famílias que estavam no morro da Providência. Representou uma ameaça no sentido de que aquelas intervenções poderiam gerar uma série de remoções nessa comunidade. Houve um processo e uma luta de resistência que acabaram gerando um recuo do poder público. A luta e a organização também da sociedade civil geraram uma conquista importantíssima, que foi o Plano de Habitação de Social da Área Portuária. Uma confluência de fatores gerou um espaço para diálogo: o clima de mobilização social que vinha desde 2013, a mudança do secretário municipal de Habitação e Direito Social, a articulação com o Ministério das Cidades, que gerou uma instrução normativa exigindo que empreendimentos e projetos que utilizam recursos do fundo de garantia (FGTS) elaborassem como contrapartida um plano de habitação e direito social, o trabalho das universidades etc.
Um dos maiores avanços foi ter conseguido garantir a construção de Habitação de Direito Social na área portuária. Cinco mil unidades já estão mais ou menos identificadas, com a perspectiva de construir mais 10 mil unidades nos próximos 15 ou 20 anos. Outro avanço é o estabelecimento de uma cota de solidariedade que vincula empreendimentos com mais de 200 unidades a investirem em Habitação de Direito Social na área portuária.
Mas eu quero chamar atenção para o fato de que não é apenas isso que está em jogo no Porto Maravilha, mas também a mercantilização do solo. Ou seja, o solo tem que se tornar privado e tem que se tornar mercadoria para esse “negócio” dar certo. Esse processo de mercantilização que nós vemos de forma explícita no caso do Porto Maravilha na verdade é o que nós vivemos no conjunto da cidade. Esse projeto de cidade é um projeto de mercantilização, é um projeto de tornar certas áreas da cidade em negócios, então é a subordinação da cidade ao capital, e não às pessoas. Isso tem um impacto direto no aumento das desigualdades socioespaciais que já marcam o Rio de Janeiro.
Segundo o dossiê, 62,1% do orçamento da Olimpíada vem do setor público, enquanto dados do governo alegam que apenas 42,6% dessa verba é dinheiro público. Como chegaram a essa porcentagem?
Isso é outro artifício retórico da prefeitura que não foi difícil desarmar. Nós constatamos obras vinculadas aos equipamentos esportivos que não estavam orçadas. Constatamos que as contrapartidas das PPPs [Parcerias Público-Privadas] do Porto Maravilha e do Parque Olímpico não estavam contempladas. Só o terreno do Parque Olímpico já muda o equilíbrio. As PPPs são contratos opacos nos quais não há transparência. Uma PPP envolve contraprestações do poder público para o setor privado. Essas contraprestações não estão orçadas no cálculo da prefeitura nem no site do governo federal, que vende essa ideia de que os recursos públicos são inferiores aos recursos privados no caso da Olimpíada.
Além disso, a prefeitura municipal contabiliza os R$ 6 bilhões que são de responsabilidade do Comitê Olímpico Internacional [COI]. Então há recursos que vão contemplar o espaço de escritório usado pelo COI ou os ingressos que são vendidos, ou seja, são recursos que não dizem respeito à gestão da Olimpíada por parte da prefeitura e, portanto, não deveriam fazer parte do balanço.
O dossiê considera a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) o principal programa de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Quais foram essas violações? O comitê notou um aumento com a proximidade da Copa do Mundo em 2014 e agora, com a Olimpíada?
A meu ver, o projeto de segurança pública anterior era um projeto de contenção das classes perigosas, e não de integração. O que a favela conhece no Rio de Janeiro? É a polícia! Quando a polícia entrava na favela era para reprimir e exercer o braço de violência do Estado. Então não se pode dizer que antes a segurança era uma maravilha e agora temos uma segurança ruim por causa dos megaeventos. Não é questão de comprar. Mas a Olimpíada tem servido para promover uma política de segurança que é fundada na guerra, no princípio bélico. Esse princípio bélico está fundado no artifício legal que são os autos de resistência, na qual a polícia entra para matar. O número de pessoas inocentes assassinadas por essa política de segurança é impressionante.
E é fundamental essa política de segurança fundada na guerra para vender a imagem de que o Rio de Janeiro é capaz de promover um megaevento seguro. Ela está associada à venda desse produto. Esse também é um sistema de controle de segurança que aciona repressão aos movimentos de contestação e de protesto, colocando em risco a liberdade de expressão. Sem dúvida nenhuma, os que são mais penalizados são os territórios populares, e dentro destes os jovens negros são aqueles que mais têm sido vítimas dessa política de segurança.
Tem uma dimensão dessa política de segurança que a meu ver é muito, muito perigosa. Esse regime de segurança está fundado no medo e no controle da ordem pública. Como resultado a cidade deixa de promover espaços de convivência entre os diferentes grupos sociais. Isso tem um efeito imediato e direto sobre a tolerância. Nós temos uma sociedade cada vez mais fundada na intolerância. O que acaba ocorrendo é o efeito oposto àquele prometido por essa política de segurança, porque a violência é que acaba explodindo no cotidiano da cidade. O tráfico de drogas e o crime são uma face da violência, mas existe a violência cotidiana que são as pequenas agressões de intolerância que atravessam a cidade.
O Comitê aponta também violações dos direitos da criança e do adolescente que se agravaram com a chegada dos megaeventos, como violência policial, remoções, exploração sexual e trabalho infantil…
O mais fundamental é entender que as crianças e os adolescentes sofrem os impactos de todas as violações que nós mencionamos anteriormente. Sofrem as violações das remoções porque são as suas famílias que são desestruturadas. Sofrem violações decorrentes da segurança porque são seus irmãos e seus familiares que são assassinados. Sofrem violações decorrentes da mobilidade, ou seja, são removidas para um lugar onde não têm acesso à cidade. Elas sofrem violações decorrentes ao trabalho de seus pais no caso dos camelôs, no caso das prostitutas. Eu acho que o Comitê tenta visibilizar isso e mostrar que as crianças e adolescentes fazem parte de um grupo social vulnerável e que obviamente sofrem consequências muito perversas dessas violações.
Notei que no dossiê vocês trataram de uma questão pouco abordada: o papel da mulher. Por que vocês decidiram falar da contribuição feminina?
A meu ver, espaço e tempo são fontes de poder. Ou seja, quem controla o tempo e quem controla o espaço têm poder. Espaço e tempo, diferentemente do que se pensa, têm gênero, têm classe e têm cor. Então a maneira como a gente organiza o tempo e o espaço também reproduz relações de dominação de classe, de gênero, de etnia etc. As múltiplas segregações de gênero, de raça, de classe estão na própria organização do espaço da cidade. Por isso, dá luz visibilizar o protagonismo das mulheres para colocar em discussão a forma como esta cidade se organiza e reproduz a dominação masculina.
As mulheres têm sido uma força social fundamental na contestação desse modelo de cidade. E efetivamente elas estão na frente de muitos desses processos de organização das comunidades. Eu diria, sem medo de errar, que as mulheres são as principais protagonistas nessa organização dessas resistências que nós estamos vendo aqui na cidade do Rio de Janeiro.
Quais foram, ao longo desses anos, as principais conquistas do Comitê Popular do Rio?
A preocupação central do Comitê Popular era organizar as comunidades atingidas diretamente pelos projetos de intervenções que estavam sendo planejados. No início das intervenções, as remoções eram extremamente violentas. As indenizações que as pessoas recebiam para sair de suas casas eram absurdas. Eu lembro que houve famílias indenizadas com R$ 6 mil. Houve vários casos de ordens de despejo noturnas com o horário de despejo marcado para as 0h, para que a família se retirasse do local. Remoções que aconteciam com caminhões de lixo da Comlurb. O processo foi muito violento.
Então o Comitê organizou uma missão junto com a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais e pôde constatar vários desses casos. Isso também foi feito em articulação com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Isso permitiu fazer um retrato de uma denúncia dessas remoções e levou a uma pressão sobre o poder público. Algumas conquistas importantes decorreram dessa pressão – como, por exemplo, o fato de a prefeitura emitir decretos regulamentando o procedimento para a promoção das remoções. O valor das indenizações também foi substantivamente aumentado. Eu considero isso uma conquista. Claro que não resolve o problema da remoção em si porque a reivindicação é permanecer, e não ser removido, mas para as famílias é obvio que o aumento nas indenizações é significativo. Eu diria também que algumas remoções foram suspensas como decorrência dessa mobilização. Por exemplo, diminuiu o número de famílias que estavam previstas para serem removidas no morro da Previdência. Houve outros casos, por exemplo, na favela do Metrô–Mangueira, onde as famílias eram levadas para um local em Campo Grande, que fica bem distante da periferia da cidade. A mobilização, as denúncias e a organização da própria comunidade geraram a construção de dois conjuntos habitacionais próximos da comunidade que estava sendo removida. E isso foi outra conquista importante.
E quais foram, na sua avaliação, os marcos da luta popular contra as violações cometidas em nome da Copa e da Olimpíada?
Eu acho que essa luta tem muitos marcos. As pequenas conquistas que eu citei representam um marco. Mesmo que essas vitórias e conquistas não signifiquem um recuo no projeto de cidade que está sendo imposto no Rio de Janeiro, elas efetivamente têm impactos para as comunidades.
Acho também que as manifestações de 2013 são um marco nesse processo de organização. Claro que tomou uma dimensão muito maior do que o Comitê Popular e do que a luta contra as remoções. Mas eu também avalio esse processo de organização [que o Comitê Popular faz] como parte da construção desse movimento que tomou as ruas em 2013.
Outro marco é o próprio Comitê. É um marco em si ter uma organização que existe há um bom tempo e permanece se mobilizando, produzindo denúncias e realizando missões junto às comunidades atingidas. Chegar em 2016 com uma experiência como essa, eu acho muito significativo na cidade do Rio de Janeiro. Agora o grande desafio que o Comitê enfrenta, a meu ver, é não se extinguir após agosto de 2016.
Segundo o dossiê, o orçamento da Olimpíada supera em mais de R$ 10 bilhões o orçamento da Copa do Mundo. Com mais dinheiro na jogada, por que, na sua opinião, os brasileiros foram para a rua em 2013 para se manifestar contra a Copa e já não estão mais se mobilizando contra a Olimpíada?
Eu acho que a conjuntura da Copa é muito diferente. Neste caso, você tem um esporte que é o futebol e um estádio em cada cidade. Ou seja, ele é em si um megaevento aglutinador. Já a Olimpíada tem elementos fragmentadores. Para começar, os eventos acontecem em uma única cidade, não é nacional. Segundo, a Olimpíada é um conjunto de intervenções dispersas. Não existe um equipamento único que simbolize a Olimpíada, como um estádio de futebol, e sim uma diversidade de equipamentos que estão sendo construídos. Mas claro que isso não vai impedir o Comitê de promover atividades agregadoras durante a Olimpíada. O Comitê está discutindo a organização de um evento paralelo e de manifestações, mas ainda não está decidido o que será feito.
Por outro lado, manifestações contra o governo e pedindo o impeachment se ampliaram durante este ano. Qual a sua visão sobre essas manifestações?
Além do fenômeno da grande manifestação de massa que ocorreu no Brasil em 2013, essa experiência também trouxe um aprendizado. As instituições políticas no Brasil parecem tão distantes do cotidiano das pessoas e tão incapazes de representar a sociedade em sua multiplicidade de valores e agendas, que isso gerou uma politização. Eu não acho que essas novas manifestações são um efeito direto do movimento de 2013, mas acho que existe um contexto de perda de legitimidade dessas instituições políticas nos dois casos. E isso é um contexto favorável à repolitização das ruas.
Há outro ensinamento pós 2013: as ruas não são espaços públicos somente das bandeiras progressistas. Ou seja, as ruas também são disputadas pelas bandeiras mais conservadoras. Nesse sentido, eu vejo com grande preocupação as manifestações que contestam as próprias liberdades democráticas. Como, por exemplo, as manifestações que pedem o retorno do regime militar, as manifestações de viés autoritários e opressivos que ameaçam o funcionamento das próprias instituições democráticas. Se você olhar a lei de terrorismo e a agenda em torno da diminuição da maioridade penal, você vai entender que são agendas perigosíssimas para os direitos humanos e as liberdades democráticas. O que está em jogo não é, ao meu ver, a contestação ou o apoio ao governo Dilma ou o governo do PT, mas sim o respeito à democracia e às instituições democráticas.
Nesse cenário conflitivo em relação ao impeachment de Dilma, qual a estratégia que o Comitê pretende utilizar para protestar em relação à Olimpíada?
Não há um posicionamento político oficial do Comitê em relação ao impeachment, mas eu diria que muitas das organizações que fazem parte do Comitê estão engajadas na defesa das instituições democráticas. Esse é o primeiro ponto fundamental. O segundo ponto é que o Comitê vai estar, sim, nas ruas contestando esse modelo de cidade, que para nós não se limita à Olimpíada, que vai permanecer depois da Olimpíada. A intenção do Comitê é mobilizar a sociedade para contestar esse modelo de cidade e reivindicar um outro projeto de cidade capaz de integrar socialmente, capaz de promover a democracia, de promover a justiça socioambiental e socioespacial, capaz de quebrar essa dinâmica de segregação urbana.