Entrevistava a deputada Érika Kokay (PT-DF) para uma matéria sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra enquanto percorríamos o caminho entre a ala das comissões e o plenário da Câmara dos Deputados. Notei uma figura barbuda que passou por nós com detida curiosidade. Concentrado, não dei muita atenção. Próximo ao Salão Verde, encerradas as perguntas, agradeci à parlamentar e me dirigi ao Comitê de Imprensa. Fui então chamado por uma voz grave, que se elevou para me impedir de entrar no espaço reservado aos jornalistas. Virei e vi aquela mesma figura de barba espessa que nos observara.
– Você já ouviu o outro lado?, perguntou.
– Oi?
– Eu vi você entrevistando a deputada, que lhe falou sobre a bancada do Boi e da Bíblia. Você já ouviu o outro lado?, insistiu.
– Ouvi Nilson Leitão, Alceu Moreira, Tereza Cristina e Osmar Serraglio. Acho que o outro lado está bem representado, né? Mas quem é você?
– Edward Luz. Eu sou antropólogo.
Só aí saí da porta do Comitê, dei meia-volta e me dirigi à figura, intrigado.
– Eu sei quem você é, respondi.
Desligado da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) pelos posicionamentos radicais e contrários aos direitos dos povos indígenas, Edward Luz é bem conhecido entre as pessoas que acompanham os debates sobre a questão. O que aquela polêmica figura estaria fazendo na Câmara?
– Vamos procurar um local para bater um papo. A ala das comissões deve estar vazia, disse a ele.
Foi assim que entramos no plenário 1 do Anexo II da Câmara, onde ordinariamente se reúne a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, para uma entrevista de cerca de uma hora. Ao final, como seguiríamos para a mesma direção, continuamos conversando informalmente. Já próximos à Chapelaria do Congresso Nacional – entrada comum à Câmara e ao Senado –, Luz se encontrou com um assessor do relator da CPI da Funai, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), destino final da caminhada dele.
Mas, afinal, quem é Edward Luz? “Antropólogo lutando pelo resgate do projeto nacional da nação brasileira”, diz a sua descrição no Twitter. No microblog, em meio a muitos posts sobre a questão indígena, ele compartilha também manifestações de apoio aos grupos que acamparam no gramado em frente ao Congresso pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Vamos Juntos @MBLivre força nesta luta democrática por um projeto de país livre, porque esse projeto atual já faliu!”, disse em um dos posts.
Desde muito antes de defender o impeachment, Luz se tornou conhecido em meio aos antropólogos brasileiros por outras militâncias. Primeiro, por não aceitar teses estabelecidas há décadas e de forma praticamente unânime no meio acadêmico que debate a questão indígena – e por sustentar outras rejeitadas praticamente com a mesma força. Segundo, por ser filho de um pastor evangélico de mesmo nome, proibido de voltar a promover missões evangelizadoras em meio aos índios Zo’é, na Amazônia, como contou o repórter Felipe Milanez na revista Rolling Stone em 2010 e 2011.
Luz se define como “principal depoente” da CPI da Funai e do Incra. Tanto que se recusou a aceitar os cinco minutos que lhe foram ofertados, na terça-feira (1º), quando, após outras três tomadas de depoimento, a comissão corria contra o tempo para evitar o choque de horário com a sessão do Congresso – que daria fim regimental aos trabalhos do dia. “Tenho 32 denúncias”, disse, por telefone, quando liguei para confirmar que ele não falaria naquele dia.
Com as denúncias, ele promete acabar com a “boquinha” de ONGs que atuam junto aos indígenas e com a legitimidade da ABA, e também quer chamar atenção dos parlamentares para um complô internacional que sobrepõe interesses estrangeiros aos nacionais, financiando demarcações de terras indígenas. Algumas das bombas que Luz promete soltar já foram tornadas públicas por ele mesmo, como mostra o longo perfil publicado no blog Questão Indígena. O site, que deixou de ser atualizado no início do ano, ganhou notoriedade por acusar populações de se passarem por índios – como faz Luz – e por atacar demarcações de terras indígenas que envolvam disputas com agricultores.
Laudos contestatórios
“Sou antropólogo e consultor independente. Tenho uma empresa que presta consultoria antropológica para comunidade, empresas, municípios, prefeituras, cooperativas. Ou seja, para qualquer cidadão que sinta que seu direito à propriedade esteja sendo ofendido, diminuído ou até mesmo subtraído em um processo de demarcação de terra indígena”, disse Luz, no início da nossa entrevista no plenário 1. “Não contesto qualquer demarcação, só aquelas onde entendo que está havendo um abuso, um exagero, ou onde, talvez, até mesmo uma possível fraude possa estar acontecendo.”
Ele nega que produza laudos contestatórios. “Eu vou a campo e faço laudos, produzo, interpreto a realidade de acordo com os fatos que eu encontro. O fato de ele ser contestatório é um mero resultado dos fatos que encontrei em campo, e é uma contestação do fato de que alguém está mentindo”, assevera. “Atuei em Morro dos Cavalos, em Santa Catarina [um dos casos que merecem a atenção da bancada ruralista na CPI]. Sobre Mato Preto [no Rio Grande do Sul, outro caso emblemático para aqueles parlamentares], eu tomei ciência, mas não fui eu que fiz a contestação – o que, aliás, já prova por si só que contestar não é uma implicância minha.”
O antropólogo ressalta ser a favor da demarcação de terras para os índios desde que não afete os setores produtivos nacionais, os interesses nacionais e sobretudo a sociedade regional. Questionado se concorda com a versão final da PEC 215, que inclui o Congresso Nacional nos processos demarcatórios, Luz responde com um pensamento atribuído a Winston Churchill. “Você sabe o que ele falou sobre a democracia, né? É o pior de todos os sistemas de governo, excetuando-se todos os outros. A PEC 215 é mais ou menos isso. Não gostaria que ela fosse aprovada da forma como está sendo colocada, porque eu queria que esse debate acerca da formação de identidade e da proteção de terras indígenas não viesse maculado pelo nome de uma PEC ruralista, nem que fosse monopolizado pelos políticos. Defendo um debate cívico com toda a sociedade.”
Luz diz que estreitou laços com deputados da bancada ruralista entre 2012 e 2013 por iniciativa própria e que, de certa forma, alguns deles incorporaram no debate do Congresso as teses por ele defendidas. “Na verdade, é praticamente isso. Não é bem um motivo de orgulho, mas eu me sinto satisfeito com o trabalho da minha assessoria parlamentar, individual, às vezes remunerada, outras não.” Segundo ele, um dos primeiros a dar atenção às suas ideias foi o ex-deputado federal do DEM e atual vice-governador de Roraima, o arrozeiro Paulo César Quartieiro, que se diz dono de 12 mil hectares de terra na TI Raposa do Sol.
“Eu descobri que a Convenção 169 da OIT pode ser contestada a cada dez anos”, diz. Ratificado pelo Brasil, o texto da Organização Internacional do Trabalho estabelece direitos como a consulta prévia aos povos indígenas em caso de empreendimentos que incidam sobre as suas terras. “Mandei e-mail para mais de 50 deputados que achei que estariam mais ou menos interessados. O único que atendeu foi o Paulo César Quartieiro, que convocou uma audiência pública para debater o tema.”
A partir daí teria começado o contato com outros parlamentares. “Comecei a conversar e percebi que há uma articulação: a esquerda etnicizou a luta de classes, como se todos os pobres do Brasil fossem agora convidados a ou serem indígenas ou quilombolas. Se os deputados da esquerda quiserem defender os direitos indígenas, eles que não utilizem esses direitos como pretexto para atacar a capacidade produtiva do país. Ao fazê-lo, eles dão carta na manga desses deputados que são identificados como ruralistas.”
“Catequese etnogênica”
Autor de oito laudos para a Funai, dos quais três já se tornaram terras indígenas homologadas, ele acusa diversas instituições e ONGs indigenistas de inventar índios e até mesmo de receber dinheiro de outros países para promover a demarcação de terras no Brasil. “Nós estamos de olho. Se ninguém entendeu ainda o que isso quer dizer, é o seguinte: a legislação brasileira e o processo demarcatório de terras indígenas é obscuro o suficiente, é um campo pantanoso o suficiente para permitir a ingerência de outras nações no nosso território nacional.”
E qual seria o interesse dessas nações? “A resposta honesta e correta é: eu não sei. Agora existem hipóteses, e elas fazem muito sentido. A desculpa que eles dão é proteção da fauna e flora amazônica, das árvores.” Interrompo: “E das populações também?”. “Não sei de qual população”, responde. Luz explica então a sua teoria de que existe hoje no Brasil um processo de “catequese etnogênica”, que ele descreve com um hipotético diálogo. “Eles chegam para um cara como você – que inclusive tem uns olhos assim meio asiáticos – e falam, ‘Vem cá, você é índio?’. E o figura: ‘Não, eu não sou índio, eu sou caboclo da Amazônia’; ‘Mas por que você não é índio? Você tem todo o jeito, tem a cara, tem o cabelo de índio’; ‘Não, mas o meu avô veio do Ceará, eu não posso ser índio’; ‘Não, você é índio, você que não sabe, é porque tem um sangue indígena no seu interior. E você sabe o que você ia ganhar? Você ia ganhar Bolsa Família pra ser índio, você ia ganhar saúde especial. Veja bem, seu filho vai poder entrar por cotas indígenas’; e o cara fala: ‘Mas rapaz, sabe que é verdade? Eu vou passar a ser índio’. Eles estão criando terras indígenas dessa forma, na cara aberta.”
Luz passou a ser um antropólogo contestador quando percebeu que boa parte dos antropólogos estaria envolvida ou calada diante desse tal processo de “etnogênese”. “Comecei a oferecer os meus serviços quando percebi que havia motivos para a contestação, não porque havia um mercado de trabalho. E se os antropólogos estão nervosos com o meu trabalho, se eles querem me ver desempregado, eles que não mintam, eles que não forcem a realidade, que não chamem caboclos ribeirinhos de indígenas, porque aí eu não terei como contestar.”
Questiono se a bancada ruralista também não angaria votos com o discurso contestatório das demarcações e incitando em alguns casos o ódio racial e a violência. Afinal, o discurso de Luz acaba se alinhando com o deles. “Sim. Se eu pudesse escolher, eu preferiria que isso não estivesse acontecendo. Mas o fato de a bancada ruralista se apropriar da minha fala, do meu trabalho, só mostra que infelizmente alguém está fazendo alguma coisa errada”, responde.
Movimento isolado da antropologia
“Catequese etnogênica, essa é muito boa. Ora, quem faz catequese é missão – e quem aqui é de família de missionários que fazem todo o possível para agir em terras indígenas e recrutar adeptos para a doutrina cristã pentecostal? Isso é que é catequese”, critica o antropólogo Spensy Pimentel. “O que muitos grupos indigenistas fazem é apoiar os índios na construção política da luta por seus direitos. Isso faz parte da democracia”, completa o professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Para ele, as ideias de Luz – presentes na boca de muitos dos ruralistas – sobre a transferência de índios paraguaios para o Brasil, por exemplo, são contraditórias e preconceituosas. “Por um lado, subestimam a inteligência dos indígenas, como se fossem manipulados pela vontade alheia; por outro, acusam-nos de matreiros, mentirosos.” Autor da tese de Doutorado Elementos para uma teoria política kaiowá e guarani, defendida em 2012, Pimentel diz que, no Mato Grosso do Sul, por exemplo, algumas igrejas pentecostais têm sido acusadas pelos indígenas de praticar extorsão contra fiéis e de promover ódio contra a religião tradicional indígena. Ele lembra ainda que algumas instituições, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), têm sido perseguidas desde a ditadura militar, sem que jamais houvesse prova que sustentasse os discursos contra elas.
Pimentel destaca ainda que, do ponto de vista científico, são poucos os que defendem as teses apresentadas por Luz. “É um movimento isolado, que só tem alguma visibilidade por questões políticas. O debate acadêmico sobre essas questões da identidade étnica já gerou consenso há várias décadas. Na prática, o que nós temos é um debate político – até porque a identidade étnica é resultado de um embate político. Por sinal, foi no período da ditadura militar que o governo queria que os antropólogos emitissem ‘laudos’ para reconhecer se uma comunidade era indígena ou não. A antropologia brasileira recusou esse papel e o fez a partir de um fundamento científico muito claro, que é resultado de todo um debate ocorrido nessa disciplina ao longo do século 20.”
A identidade étnica é resultado da autodeclaração e de um reconhecimento da pessoa por uma comunidade. “Não é o antropólogo que poderá dizer se uma pessoa é um ‘falso índio’ ou um ‘falso branco’. O problema é que o brasileiro não recebe uma educação que o capacite a entender esses temas. Assim, as pessoas seguem pensando que o que define o índio é o cocar ou a tanga que ele usa, quando a questão é muito mais profunda que isso – esses são apenas marcadores para uma diferença. E os marcadores mudam com o tempo: afinal, somos brasileiros que usamos calça jeans e tênis americanos, mascamos chiclete, ouvimos música estrangeira – deixamos de ser brasileiros por isso?”, pondera Pimentel.
Ele explica que cabe ao antropólogo a tradução para a sociedade não indígena dos motivos e das justificativas que embasam a demanda de um grupo indígena por um território ou por outros direitos. “E repare que os próprios índios já estão preparando pessoas para que possam também assumir esse papel. Em breve, até mesmo os antropólogos brancos serão intermediários desnecessários nesse processo”, comenta.
Na contramão do que diz Pimentel, Luz vê uma “doença” que se apropriou das causas dos índios – o indigenismo. “Há um conjunto de propostas e iniciativas, há uma agenda política que não parte dos indígenas, mas do indigenismo e de quem comanda os indígenas. Muita coisa é feita em nome deles, como se fossem eles os beneficiários finais, quando na verdade não são”, alega, apontando o caso da Raposa Serra do Sol, em Roraima – exemplo muito utilizado pelos ruralistas, que alegam estarem os índios morrendo de fome após a retirada de agricultores de seus territórios. “Os indígenas tinham emprego. Claro, não era o melhor dos empregos, eles plantavam arroz. Mas eles tinham interesse na permanência dos agricultores ali.”
Direitos originários e marco temporal
Chama atenção a coincidência de algumas de suas ideias com a dos ruralistas, especialmente em dois pontos que são centrais nas discussões sobre terras indígenas e a PEC 215: os direitos originários e o marco temporal de 1988. “Não deveria haver direitos originários no Brasil”, diz, sobre o conceito consolidado na Constituição. “Essa foi uma interpretação preconceituosa, portanto errônea, acerca dos indígenas que aqui estavam. Ao chegarem aqui, os portugueses relataram aos reis que havia habitantes e se supôs que eram originários. A esquerda de hoje nem é tão culpada assim, ela só se apropriou de um preconceito que já estava estabelecido. A raiz etimológica da palavra indígena é de ‘endógena’, de alguém que nasceu naquele local. Ninguém que habite as Américas é indígena daqui”, analisa. Questiono o argumento e pergunto se não é exagerado levar a discussão para 10 mil anos atrás. “Onze mil e quinhentos anos, aproximadamente. São colonos asiáticos que vieram migrando, assim como os nossos avós vieram. Mas tá, eles chegaram aqui há mais de 11 mil anos. Como alguém já me disse, é um ótimo usucapião – mas também são migrantes”, explica.
Luz segue o raciocínio e critica a Convenção 169 da OIT. “Ela não é de todo ruim, mas tem alguns problemas complicados, como a autodeclaração da identidade sendo entendida como válida para a legitimação de uma coletividade. Ela pode ser válida para a legitimação do seu ser. Vamos dizer que você queira se dizer japonês”, prossegue, atento aos meus olhos puxados. “Tem alguma coisa do Japão que você gostou muito, você até se sente uma reencarnação de um samurai japonês. Tudo bem, cada um com a sua loucura. Mas daí pro Japão reconhecer os seus direitos como cidadão japonês é outra coisa. Você tem que obedecer a determinados critérios, e a nossa Constituição tem critérios, e um deles é estar na terra em 5 de outubro de 1988.”
A data da promulgação da Constituição como marco temporal foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da Raposa Serra do Sol – julgamento sem efeito vinculante, como definiu a Corte, mas cujas premissas foram incorporadas no texto da PEC 215. A interpretação literal do artigo 231 – no qual estão reconhecidos os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente “ocupam” – tem levado a um processo de contestação de demarcações de terras nas quais não havia presença indígena comprovada em 5 de outubro de 1988.
“Faz sentido estabelecer essa data, mesmo sabendo que essa época marcou o final de um período ditatorial de muita perseguição, de um genocídio contra os povos indígenas?”, questiono, lembrando que a Comissão Nacional da Verdade encontrou fortes evidências da morte de cerca de 8 mil índios no período militar. “Então que outro momento nós deveríamos reconhecer, ou porque não estabelecer como marco temporal 14 mil anos atrás, por exemplo? Eu posso concordar que 1988 talvez não seja o melhor momento, mas há uma Carta que rege esse país, que é a Carta de 1988”, responde Luz. “Se a gente não tem um marco temporal, ou se ele for 1600, 1500, o país acabou”, completou, mais uma vez no exato tom utilizado pelos ruralistas. Só faltou dizer que a ausência de um marco temporal levaria à devolução de Copacabana aos índios – uma das frases feitas mais ouvidas nas discussões sobre os direitos indígenas na Câmara.
O que diz a Constituição
Segundo Christian Teófilo, professor do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac) da Universidade de Brasília (UNB), a tese do marco veio à tona, em parte, devido à ênfase dada, durante muito tempo, à imemorialidade como legitimadora de direitos. “Antes de 1988, a Funai promovia a delimitação de áreas e a demarcação apoiada em estudos documentais, etno-históricos, fundiários, tentando assegurar que a localização de um povo numa região seria fundamentada em uma antiguidade. Com a Constituição, esse não é mais o fato originador do direito.” Segundo Teófilo, a Carta Magna – que não fala em imemorialidade, mas em tradicionalidade – estabeleceu o entendimento de que não é necessária a comprovação da antiguidade na terra para legitimar o direito dos povos à sua ocupação. “A Constituição entendeu que muitas das terras que os índios ocupam são resultado de expulsões, fugas; eles foram obrigados a ir para alguns locais.”
Teófilo compara a adoção de um marco temporal à Lei de Anistia, promulgada pela ditadura militar em 1979. “Você apaga todos os crimes e violações históricas de direitos em nome de um apaziguamento, na letra da lei, dos conflitos e das contradições que a sociedade engendrou. É uma tentativa de botar um limite numa conflitualidade que, no fundo, tem responsáveis.”
Membro da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Teófilo acredita que as ideias de Edward Luz “caíram como uma luva” para a bancada ruralista. “A tentativa de colocar essas teses num contexto judicializado como é uma CPI tem por intenção simplesmente retirar a argumentação científica do modelo demarcatório, mas também da antropologia – retirar a sua autoridade explicativa e metodológica. O que se quer é ventilar falsas suspeitas, calúnias e teorias conspiratórias, tudo com o intuito de menosprezar a disciplina enquanto fundamental para a operacionalização de direitos socioculturais no país. É uma coisa inédita, atacar uma disciplina científica por conta de interesses políticos e econômicos de determinados parlamentares.”
O professor do Ceppac critica ainda a tentativa de criminalizar o trabalho de ONGs e instituições que atuam pela efetivação dos direitos indígenas. “Há uma inversão e um desconhecimento histórico proposital de atribuir o protagonismo político de indígenas a agentes externos. A ideia de ‘catequese etnogênica’ é uma falsa tese elaborada por interesses que visam a esvaziar o protagonismo indígena.”