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Em entrevista à Pública, jornalista e professor Eugênio Bucci diz que mídia convencional pende para o PSDB e que jornalismo brasileiro "deixa muito a desejar" mas não vê viés pró-impeachment na cobertura da mídia

Entrevista
18 de março de 2016
09:42
Este artigo tem mais de 8 ano

Professor doutor da Escola de Comunicações e Artes da USP,  Eugênio Bucci causou polêmica ao defender o valor jornalístico das informações obtidas através dos vazamentos da lava-jato logo depois da publicação, pela revista IstoÉ, de trechos da delação do senador Delcídio Amaral, ainda não homologada pela Justiça. “É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles”, diz o professor, explicando que foi em defesa dessa prerrogativa que escreveu o artigo. “Na história da democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que realmente e de interesse público”, pondera.

O jornalista que presidiu a Radiobrás no primeiro governo Lula declarou-se “perplexo” com a divulgação da gravação de telefonemas entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mas afirmou que o ex-presidente não pode se colocar no papel de vítima da imprensa e da Justiça porque não é mais um operário, mas um homem poderoso. Para o colunista do jornal O Estado de S. Paulo e do site Observatório da Imprensa, a imprensa convencional tem afinidade ideológica com o PSDB, mas não há elementos para afirmar que a mídia está fazendo uma cobertura pró-impeachment.

A entrevista à Pública foi realizada em dois momentos: na semana passada, quando a crise política esquentou com a divulgação da delação de Delcídio pela “Isto É” e a condução coercitiva do ex-presidente Lula; e na quarta-feira passada, quando a presidente Dilma Rousseff anunciou Lula como seu ministro-chefe da Casa Civil e o juiz federal Sérgio Moro suspendeu o sigilo da investigação e divulgou grampos telefônicos de ligações entre o ex-presidente e Dilma, incluindo uma conversa ocorrida depois de o juiz já ter mandado a Polícia Federal encerrar o monitoramento telefônico de Lula.

Como você vê a decisão de Lula de assumir a Casa Civil e a divulgação das gravações de conversas entre ele e a presidente Dilma Rousseff feitas pelo juiz Sérgio Moro, que comanda a operação Lava Jato?

Com as informações de que disponho no momento, tenho uma estranheza em relação a isso. Não entendo como um juiz pode tomar a iniciativa deliberada de divulgar conteúdos de escuta telefônica que, por definições da lei, devem ser mantidas em sigilo e sob a responsabilidade da Justiça. Também não entendi se as escutas divulgadas, inclusive no dia de ontem (quarta-feira, 16 de março), estavam devidamente autorizadas. Estou um tanto perplexo. Quanto a Lula [assumir a Casa Civil], isso é uma decisão que cabe a ele e à presidente da República. Não é da minha conta, e ainda bem que não é. Há contestações na Justiça, mas isso é matéria que cabe aos magistrados. Do ponto de vista político, poderemos ter uma distorção hierárquica no Planalto. Há uma possibilidade forte de que Lula passe a atuar como um super primeiro ministro, função para a qual ele não tem mandato e que, aliás, nem está prevista na Constituição.

E como analisa a cobertura da imprensa tanto sobre esse episódio como sobre o desdobramento das ruas?

Há muita irresponsabilidade nisso aí. Irresponsabilidade das autoridades  – de um lado (oposição) e de outro (governo). A fala da presidente Dilma agora há pouco, hoje mesmo, chamando os brasileiros à serenidade, foi positiva nesse sentido. As lideranças não podem estimular a polarização. Se episódios de violência começarem a acontecer, piora tudo.

Você escreveu um artigo recentemente criticando o governo por se queixar do que ele chama de vazamentos da operação Lava-Jato. Na sexta-feira, o ex-presidente Lula foi levado a depoimento sob uma condução coercitiva que já havia sido anunciada na madrugada por jornalistas no Twitter. O que você pode falar sobre isso?

Há· rumores de que teria sido vazado ao próprio presidente Lula também. Mas são coisas diferentes. Deixa eu tentar explicar. Eu escrevi um artigo contra uma nota da presidente da República condenando os vazamentos porque, no meu entendimento, o que motivou aquela nota foi a publicação pela imprensa, pela revista Isto É em reportagem de Débora Bergamasco, da delação premiada do Delcídio, com as acusações que ele fazia. Quer dizer: O que levou a nota pública contra o vazamento não foi o ato do vazamento, ou pelo menos não foi o ato do vazamento apenas, mas a publicação do teor do vazamento. Era um documento do governo assinado pela presidente Dilma, embora não fizesse menção explícita à reportagem, foi a única reação do governo à publicação da reportagem; um protesto contra o vazamento; e eu fiquei bastante incomodado. É  uma cortina de fumaça que se joga sobre a opinião pública porque acaba sendo lido como uma condenação indireta à reportagem.

Um funcionário público que lida com algo legalmente considerado sigiloso, ele tem a responsabilidade funcional de zelar por esse sigilo. Se ele negligenciar seu trabalho, precisa ser investigado, deve ser responsabilizado, responder pelo seu desvio de conduta. Outra coisa é o comportamento da imprensa. A imprensa não é alcançada pelos dispositivos que regulam o sigilo do funcionalismo. É garantido aos jornalistas que divulguem sigilos desde que tenham acesso a eles.

“Eu só quero dizer que o Lula pode ser vítima de preconceito de um setor ou de outro, mas ele não é prejudicado pelo preconceito como ele já foi quando era um líder operário e estava começando a sua carreira política” (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Isso já está pacificado pela Justiça, não é? O Supremo julgou essa questão e garantiu aos jornalistas o direito de divulgação de informação de interesse público.

Isso, exatamente. O entendimento, eu não diria que está pacificado,  mas vem sendo consolidado nessa direção, que é a correta. Obtendo uma informação que seja de interesse público, o jornalista e o veículo jornalístico devem, sim, considerar a pertinência da sua publicação. Eu não digo que eles devem ser obrigados eticamente a publicar. Eu digo que eles têm a prerrogativa de, se for imprensa, avaliar e, se for o caso publicar. O jornalista não deve praticar um crime para obter sua informação. Mas não é disso que estamos falando.

O jornalista ouviu essa informação, recebeu essa informação e ela interessa para o país. Então a democracia deve assegurar essa possibilidade. E vou lembrar que a figura do sigilo da fonte, garantida pelo artigo quinto da Constituição, existe exatamente por causa disso. Porque algumas informações chegam ao jornalista, ou o jornalista as encontra junto a fontes que, por segurança, não poderiam ser identificadas. E essa é uma matéria que gera controvérsias no mundo inteiro.

Há casos recentes. Em Londres, por exemplo, as autoridades foram ao Guardian e saíram de lá com discos, com arquivos que teriam sido passados pelo Edward Snowden. O Guardian guardou cópias, mas as autoridades foram lá numa intimidação claríssima. Nos Estados Unidos deu-se uma intimidação monstruosa, não apenas em relação ao Snowden, mas com relação a jornalistas  e não há dúvida nenhuma de que as informações vazaram, entre aspas, porque eram do mais alto interesse público. Havia garantias individuais sendo violadas por uma prática de Estado inaceitáveis.

No caso do WikiLeaks também, mas toda a documentação foi divulgada integralmente, você pode consultar todo o material, toda a troca de telegramas e fazer a busca online.

Sim. O material foi divulgado com toda a transparência, integralmente, mas foi hierarquizado.

Os jornais que fizeram o acordo de publicação aqui no Brasil divulgaram por temas, em reportagens que consideramos de interesse público e esclarecemos os critérios de publicação.

Perfeito, nada contra isso. Não há reparo com relação a isso, só que a notícia não é a publicação integral. A notícia ilumina uma linha, um aspecto, um grupo de palavras. É isso que vai pra manchete. É isso que grita na esfera pública. Depois a pessoa interessada pode ir lá e encontrar milhões de documentos acessíveis. Mas a notícia decorre de uma edição. Decorre de uma escolha, de uma hierarquia e, pra usar a palavra, uma seleção. O jornalista seleciona o que é realmente gritante.

Mas, voltando à delação, há um conjunto de 400 páginas e, sem fazer juízo de valor de nenhuma publicação, cabe aos veículos prestar contas ao leitor dos critérios da publicação? Porque a denúncia abarca um conjunto de parlamentares e outros políticos. O veículo deve dizer: tivemos acesso ao conjunto das páginas ou a parte delas?

Acho que é relevante, acho que é necessário que se preste este tipo de informação. Mas antes de entrar nisso, eu queria concluir um arco que eu tinha esboçado. Gostaria de lembrar os documentos do Pentágono, que foram essenciais pra que se conhecesse o grau de violência da incursão americana no Vietnã e é um documento que muda a história da guerra. Também foi vazamento. O Watergate também foi vazamento. O vazamento  é movido por interesses. Dilma usa um termo que é o uso de vazamentos como arma política. Aquilo confunde a opinião pública porque cria a ilusão de que alguma informação de alguma fonte que tenha se julgado acuada, prejudicada, negligenciada ou rebaixada possa ser passada a um jornalista sem que exista nenhum grau de ressentimento.

Toda informação vazada de um âmbito do poder mais interno ou menos interno, ela vem junto com algum ressentimento, com algum desejo de vingança. Não há nenhum vazamento que tenha se originado da caridade, não é assim que funciona. A política não se faz com boas intenções e o jornalismo sobre política se abastece de fontes que não são um poço de boas intenções. Como democracia, dependemos de um jornalismo livre, crítico; e o jornalismo livre e crítico escuta fontes que têm desejo de vingança. Não é esse o problema.

O problema é a responsabilidade com que essas coisas são colocadas. É isso que eu gostaria de deixar claro. Na história da democracia, não só do Brasil, a imprensa prestou seus grandes serviços quando teve fontes que vazaram informações e muitas dessas fontes vazaram com desejo de vingança. Agora, a responsabilidade do jornalismo é ouvir essas coisas, selecionar essas coisas, escolher, hierarquizar e publicar o que realmente e de interesse público.

Mas não vai balizar, não vai buscar fatos para comprovar?

Mas é evidente que vai. Mas essa é a primeira parte do raciocínio. Essa primeira parte do raciocínio precisa ficar muito clara. Não podemos fazer a sociedade acreditar que exista um mundo em que a imprensa não se abasteça de vazamentos. A imprensa precisa dos vazamentos, que não é só documento. Pode ser uma inconfidência de uma fonte, uma informação que deveria estar guardada e não está mais. A imprensa se abastece disso. O problema acarretado pela publicação do documento de delação premiada do senador Delcidio do Amaral não foi o vazamento, e isso é o que me chamou a atenção. O problema é o que está escrito lá, as acusações da mais alta gravidade. E essas acusações, se forem todas verdadeiras, são um desastre. Se elas forem parcialmente verdadeiras, o que há de falso nelas também é um desastre porque estamos falando do ex-líder do governo no Senado por vários anos, que desfrutava, frequentava o círculo mais restrito do poder do Palácio do Planalto, conversava com os principais líderes do PT, e da base e tudo o mais e é uma figura central. Se aquilo que ele disse é mentira trata-se de um escândalo tão grande quanto se aquilo for verdadeiro. A resposta que o governo dá pra esse problema, isso que é espantoso, não é a discussão do que está escrito lá. É um protesto contra o vazamento. Foi uma reação muito ruim.

Agora, como publicar um vazamento? Como deixar transparente os critérios que orientaram a sua decisão de publicar? Que nível de acesso aquela reportagem teve aos documentos a que ela se refere? Foi integral? Não foi integral? Não foi parcial? Por que foi parcial? Os lados que foram acusados, por exemplo, agora, parece que está aparecendo o nome do Aécio Neves (senador, presidente do PSDB).

Pela quarta ou quinta vez contando outras delações.

Ele está aparecendo na delação do Delcídio. Se o nome do Aécio aparece, ele precisa ser noticiado com destaque, sem dúvida nenhuma.

Você usou a expressão “cortina de fumaça”, a mesma expressão usada pelos procuradores da Lava Jato para rebater a crítica à condução coercitiva de Lula, dizendo que a polêmica tentava anuviar as investigações. O jornalista Elio Gaspari disse que não é por que ele acredita que a investigação seja correta que eles não sejam passíveis de cometer erros. Como você avalia a condução coercitiva do ex-presidente Lula e a forma como isso está sendo tratado pela imprensa?

Vamos demarcar uma separação. Uma coisa é a publicação da matéria do Delcídio. Outra coisa é a condução coercitiva do presidente Lula. Se há uma relação entre esses dois fatos, ainda está por ser esclarecida. Ou seja, se há uma relação calculada, premeditada por alguém entre a publicação de uma reportagem na quinta e a ida da Polícia Federal na sexta contra o ex-presidente Lula essa relação ainda está pra ser mostrada. É possível que haja uma relação? E possível. Nós a conhecemos? Até agora não. O que vou falar parte da premissa de que não há uma relação entre uma coisa e outra, pelos dados disponíveis. Pois bem, então vamos tratar da ida da Polícia. Houve excesso?

Eu não sou competente para dizer isso. Eu não estudo essa questão. E não disponho de todas as informações que me permitiriam dizer se houve abuso ou não. Essa é uma matéria para juristas. Vários juristas responsáveis  e até ministros do Supremo disseram que não haveria necessidade da condução naqueles termos. Parece que há gente de muita credibilidade falando que pode ter havido um erro ali. Uma dose a mais, um excesso. No entanto, mesmo que tenha acontecido um erro, esse erro não invalida o conjunto da Lava Jato. Se houve um erro, esse erro tem de ser corrigido. As autoridades responsáveis vão ter que responder por ele.

É importante levar em conta que o ex-presidente da República não é uma figura desprotegida, frágil, uma parte vulnerável. Ele não foi agredido na sua integridade. A imagem dele resiste mais do que esse episódio. Não estou minimizando as possíveis consequências se um erro tiver sido cometido. Mas eu estou dizendo que os erros judiciais no Brasil produzem vítimas em circunstâncias muito mais graves.

Há pessoas que estão presas sem condenação. Há pessoas que estão presas por erro de nome. Há tortura nas delegacias brasileiras e nas instalações da polícia e há pessoas que são baleadas no meio da rua, sem proteção alguma. Há muitas vítimas fatais, entende? Pessoas que perderam a vida por causa do funcionamento insatisfatório da Justiça, do sistema prisional, das condições do sistema prisional. Essas vítimas sofreram agravos, males muitas vezes irreparáveis. Essas são as verdadeiras vítimas.

Quero dizer que, se houve excesso na ação do presidente Lula, e não descarto essa possibilidade, ele sofreu um agravo, ele terá sofrido uma ação desmerecida, mas ele não é uma vítima. Ele não é alguém desprotegido, alguém de baixo, vamos dizer. Objetivamente, o Lula hoje é um milionário pelos valores declarados que ele recebeu alegadamente por palestras. É um milionário, é alguém da elite brasileira, que desfruta de todas as regalias de uma vida de gente muito rica. É uma pessoa de poder, uma pessoa que, enfim, não tem mais nada a ver com alguém oprimido, de baixo, desprotegido.

Janio de Freitas fez um artigo em que, ironicamente, comparou essa fase da Lava Jato com a Operacão Bandeirantes (Oban), falando que se tratou de um ato político. Embora você diga quem não tenha havido efeitos físicos, nem levado a tortura ou prisão efetiva, você vê um efeito político nisso?

Eu vejo. E vou repetir. Se houve um excesso ali, ele precisa ser esclarecido e os responsáveis devem ser, sem trocadilho, responsabilizados. Não descarto isso. Ele tem um efeito político? Tem. Mas ele não é unilateral. Mancha a imagem do presidente Lula. Eu concordo com essa caracterização. Nenhum cidadão, mesmo quando ele é poderoso e rico,  precisa sofrer uma ação policial, desproporcional e indevida. Ninguém merece isso. Não descarto esse efeito politico. Se há um desgaste da imagem dele e isso pode ser uma propaganda anti-PT. Pode ser parte de uma propaganda pró-impeachment, de uma estratégia de construção de uma imagem de que o PT é irreversivelmente corrupto. É uma linha de argumentação plausível.

Mas não podemos esquecer que há um outro lado. Aos seguidores do Lula e do PT, a imagem do presidente Lula como líder da esquerda saiu fortalecida do episódio. Ele também soube capitalizar o acontecimento e recrudesceu seus discurso como candidato em 2018. Convocou as pessoas pra irem para as ruas. Então, nesse sentido, teria havido também uma ação de propaganda pró-Lula.

O ex-presidente Lula, agora de forma muito mais forte, se queixa do trato dado a ele por meios de comunicação. A reclamação é justa?

Eu acho que olhando um horizonte mais largo é justa, sim. Os editoriais, os espaços de opinião pendem, se nós fizermos uma análise matemática, medindo espaço, tempo, ênfase, nós vamos entender que ha uma identificação mais tucana que petista nessa média. E aí eu estou falando de uma média, porque há exceções, há articulistas de esquerda, que são mais próximos do PT, e aí há um parêntese porque o PT não é um partido de esquerda e o governo Dilma não é um governo de esquerda, mas vamos ficar na superfície. Há articulistas, há posições editoriais muito corajosas que desafiam esse establishment tradicional. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, mereceu muito destaque na Folha de S. Paulo, por causa da história envolvendo a ex-amante que alega que ele é pai do filho dela.

A gente não pode lidar com isso como se fosse um universo chapado e binário porque ele não é. Mas podemos dizer que, na média, e estudos que eu oriento e participo me autorizam a dizer isso, esse conjunto de veículos que eu estou listando pende para uma identidade mais próxima do cerne ideológico do PSDB do que do PT. Isso é real. Dentro disso, existe manifestação de preconceito. É claro que há momentos em que não há uma indignação como deveria ser com o que há de preconceito racial no Brasil. Então, há preconceito na imprensa? Há. Lula ja foi vítima de preconceito na imprensa? Já foi. Eu mesmo já escrevi sobre isso. E não retiro uma vírgula do que eu escrevi.

“Um juiz politico é uma contradição em termos e é muito perigoso” (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Mas neste momento?

Nesse momento não. Ele não é uma pessoa fragilizada pelo preconceito. Nesse momento ele é um ex-presidente da Republica que ficou oito anos no poder, ele e o principal líder do partido que está na Presidência da Republica. É alguém que detém muito poder, muito mais poder do que o jornal. Então ele não é o lado fraco. Quando falamos de preconceito, do preconceito que gera efeitos, estamos falando do lado mais forte contra o lado mais fraco. Não teria cabimento.

Então, um grande grupo de mídia é mais fraco do que ele. É isso que o sr. está dizendo?

Lula comanda um poder que é mais poder do que alguns veículos. O Lula tem mais poder do que a Carta Capital, o Lula tem mais poder do que a revista Época.

Mas ele tem mais poder que o Grupo Globo, por exemplo?

Não. Aí…

Tem mais poder do que 40 minutos de TV?

Não, não tem. Mas ele não é uma pessoa frágil. Veja só. Não teria sentido eu falar que o Brasil tem preconceito contra milionários. Um dos conceitos, aliás, de crimes contra os direitos humanos envolve a mobilização do Estado como máquina contra o cidadão desprotegido. Eu só quero dizer que o Lula pode ser vítima de preconceito de um setor ou de outro, mas ele não é prejudicado pelo preconceito como ele já foi quando era um líder operário e estava começando a sua carreira política. O poder do presidente da República Lula a gente nota hoje nas cifras envolvidas. Então não estamos falando de um pobretão.

Então esse discurso que ele faz: “Eles não querem um operário no poder”. Ele cola?

O Lula não é um operário. O discurso até cola, mas não se sustenta nos fatos.

E o discurso de que “Não querem o Lula no poder” é verdadeiro?

É. Acho que tem muita gente no Brasil que não quer o Lula no poder.

Hoje o senhor diria que a cobertura de algum veículo está tendenciosa, pró-impeachment, contra impeachment, pró-Lula, anti-Lula?

Eu não vejo uma cobertura orientada pró-impeachment, mesmo no Jornal Nacional, que tem sido duro com relação ao governo e não tem economizado nas notícias negativas. Eu não vejo esses elementos e sempre que vi apontei porque não podemos perder de vista que o governo objetivamente não é uma maravilha. Achar agenda positiva num governo que não consegue nomear um ministro da Justiça é muito complicado. Nas eleições O Estado de S. Paulo apoiou publicamente o candidato Aécio Neves, em editorial. Não tenho nenhum problema com isso. Mas eu não tenho elementos pra dizer que exista uma cobertura intencionalmente orientada pra construir o impeachment. Me parece que não. Eu acho que o desempenho do governo é que é desastroso e, no meu caso, infelizmente, porque eu, pessoalmente, sou contra o impeachment.

Professor, o jornalismo independente está ganhando bastante volume e espaço no país. Vocês têm estudado sobre isso em suas pesquisas?

Estamos começando um estudo sobre conceito da imprensa, com a participação do Bruno Paes Manso, que é um dos idealizadores da Ponte, uma dessas novas alternativas. Eu tenho acompanho o trabalho do Bruno Torturra, acompanho um pouco o trabalho da Pública. Eu edito a Columbia Journalism Review (CJR), pela ESPM. O que eu consigo avaliar porque acabo tendo contato com isso, é que nunca o jornalismo foi tão lido. Nunca as matérias jornalísticas circularam tanto. Artigos de opinião e artigos de informação, de reportagem. E o modelo de negócio vive uma crise. É muito possível que a gente encontre novas soluções. Eu torço por isso.

Em sua opinião o jornalismo dos meios convencionais, dos veículos maiores, está bem? O jornalismo brasileiro vai bem em termos de apuração, reportagem?

É claro que não. Poderia ser muito melhor do que é. E acho que até já temos os ingredientes necessários pra torná-lo melhor. Mas eu acho que o nosso jornalismo teria que se esmerar na internacionalização, se dedicar mais a estudar as realidades da sua cobertura. Acho que o jornalismo brasileiro deixa muito a desejar.

A cobertura do mensalão do PSDB deveria ter tido muito mais destaque. É verdade que os valores do mensalão tucano são dinheiro de pinga comparados aos valores do mensalão do PT e principalmente do petrolão. Mas a imprensa deveria se preocupar em transmitir para a opinião pública a ideia de que ela não trata ninguém com favor. Nosso jornalismo é melhor agora do que era nos anos 70. Pega o Jornal Nacional nos anos 80, nos anos 90. Pega o Jornal Nacional agora. É melhor agora.

Nó temos um jornalismo melhor e temos um jornalismo que é muito renovador, que é o das novas iniciativas jornalísticas, a exemplo do Pro Publica dos Estados Unidos, que é a Pública no Brasil. Isso está arejando muito nosso jornalismo, dando vazão pra muitas coisas que antes não apareciam. É muito mais difícil hoje o nosso jornalismo não chegar ao público. A margem de manipulação ficou mais restrita. É mais difícil hoje alguém esconder uma notícia. Isso fala a favor, mas seria muito melhor que tivéssemos mais qualidade.

O Judiciário está se transformando em salvador da pátria, sobretudo na figura do juiz Moro?

Deus me livre de Judiciário salvador da pátria.

Mas é isso que esta acontecendo?

Alguns podem estar jogando lenha nessa fogueira, mas é uma bobagem, estrategicamente. É um fetiche, uma mistificação. Primeiro, a ideia de salvador da pátria é um perigo. E juiz salvador da pátria é pior ainda. Juiz é juiz, não é um governante. Ele é treinado, desenvolvido, preparado e a carreira já o vai moldando para julgar as coisas e autorizar investigações. É aí que está a excelência. Um juiz politico é uma contradição em termos e é muito perigoso. O juiz não deve ser político, deve olhar a lei. Eu não acho que Joaquim Barbosa seja salvador da pátria e não acho que Sérgio Moro seja salvador da pátria. E espero que nem um nem outro embarque nisso.

(Crédito da imagem destacada: Damião Francisco/CPFL Cultura)

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