O “Senhor dos Anéis” está chegando, cercado por histórias de corrupção, compra de votos e milionários negócios à sombra do mundo olímpico. Quem quiser saber como funciona o lado B das Olimpíadas, as conexões brasileiras, o esquema de venda de ingressos, ou entender a razão das dificuldades para conseguir um bom lugar para ver as competições, guarde bem este nome: Sead Dizdarevic.
É o todo-poderoso que detém a chave das melhores relações com o Comitê Olímpico Internacional (COI) e com o Comitê Organizador Rio 2016 (CoRio); o dono da Jet Set Sports e da CoSport; personagem-chave por trás de um dos maiores negócios que envolvem o esporte brasileiro: a Tamoyo Internacional, que, detentora do monopólio da venda dos milionários pacotes de hospitalidade que negociam os combos de ingresso/hospedagem da Olimpíada no Brasil, foi a agência oficial do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) desde a ascensão de Carlos Arthur Nuzman à presidência até 2012, e parceira em contrato de passagens do CoRio, que tem o mesmo Nuzman na presidência. É a agência responsável pelas milionárias transações das vendas de passagens aéreas para boa parte das confederações esportivas nacionais, turbinadas por verba pública vinda das leis de incentivo e convênios com o Ministério do Esporte.
Muitos dos nomes de pessoas físicas e jurídicas que você vai ler aqui como a parte da conexão nacional de Dizdarevic são personagens em comum de outro rumoroso enredo do esporte nacional, encontráveis no “Relatório de Auditoria 201407834” da Controladoria-Geral da União (CGU), que auditou a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). São peças importantes da engrenagem mostrada na série de reportagens “Dossiê Vôlei”, que, publicada em 2014-2015 na ESPN, gerou a investigação da CGU.
A “trilha interna”
Comecemos pelo topo. Sead Dizdarevic vai desembarcar por aqui discretamente e longe dos holofotes, como faz desde sua primeira visita ao Rio de Janeiro, em 2009, ano em que a cidade foi escolhida para ser sede olímpica dali a sete anos e em que começou o súbito interesse pelo Brasil desse croata naturalizado americano, 65 anos. De lá para cá, esteve aqui 13 vezes, geralmente a bordo de seu jato particular. A cada dois anos é assim: viaja várias vezes aos locais das Olimpíadas de inverno ou de verão. E sai com milhões de dólares a mais na conta – amparado nas relações locais, em cartolas e em comitês.
A porta de entrada de Dizdarevic no mundo olímpico é uma típica história que comprova o ditado segundo o qual a ocasião faz o cidadão. A pequena agência de viagens com a qual tentava construir o sonho americano em Staten Island, condado mais esquecido de Nova York, atendia preferencialmente os compatriotas imigrantes da então Iugoslávia. A vitória de Sarajevo como local dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1984 foi o salto. Com um pé nos Estados Unidos e a raiz na terra natal, movia-se com desenvoltura entre os dois mundos, abrindo caminho para conquistar um terceiro muito maior e com possibilidades infinitas: o universo olímpico. Era 1984, antes da queda do Muro, com uma Cortina de Ferro burocrática separando os eventuais visitantes. Foi nessa fresta que Dizdarevic conquistou seus primeiros punhados de dólares, sendo a ponte entre esse turista olímpico e o outro lado da Cortina. Oferecer hospedagem, ingressos, desenrolar burocracias, ligar as partes, estava tudo no seu pacote.
Os jogos de inverno e verão ainda eram no mesmo ano. Em 1994, já com uma agenda de contatos olímpicos enriquecida, Dizdarevic deu um salto mais alto. Na pequena cidade norueguesa de Lillehammer, sem quartos suficientes para a família olímpica, ousou fazer um hotel temporário. Já estava com os dois pés naquele mundo fechado, comandado então por Juan Antonio Samaranch.
Em 1996, só uma força muito poderosa poderia destronar Atenas da condição de anfitriã no ano em que os jogos completavam 100 anos. Nos bastidores olímpicos, corria a lenda de que Dizdarevic foi uma dessas forças, um dos pesos fundamentais no prato americano. A lenda se confirmou quando o Seattle Times entrou com pedido na Justiça americana e conquistou o direito de quebrar o sigilo do processo sobre subornos olímpicos em que Dizdarevic era um dos protagonistas. Entre os papéis arquivados no processo, estavam as pegadas dele, atestadas em um memorando de Bill Payne, com data de 1988, apreendido nas investigações, em que o líder da candidatura de Atlanta indicava a necessidade de aliança com o homem da Jet Set. “Ele tem sido muitas vezes altamente recomendado para nós como alguém que tem a trilha interna. E também conhece e tem amizades com muitos membros do Comitê Olímpico Internacional (COI).”
O processo mostra mais, segundo o Seattle Times. Antes da votação, enquanto o mundo e mesmo os mais informados sobre os labirintos do COI davam Atenas como barbada, Dizdarevic garantiu com todas as letras a Payne que Atlanta seria vencedora. Sua palavra era respaldada: entregou uma lista a Payne com o nome dos candidatos que poderia influenciar. Pouco tempo depois, o mundo inteiro se surpreendeu com a maior zebra da história dos conclaves olímpicos: Atlanta tinha derrubado a mais do que favorita Atenas, em eleição realizada em Tóquio, no ano de 1990. Certamente apenas um cidadão no mundo não se surpreendeu. Aquele que já tinha antecipado a fumaça branca para Bill Payne, o carmelengo olímpico – Sead Dizdarevic.
Para a sede americana, a conta de tão alto qualificado lobista veio ainda no mesmo ciclo olímpico. Em 1994, Payne anunciava que aprovara um acordo tripartite entre o Comitê Organizador Local (COL), o Comitê Olímpico Americano (USOC) e o Senhor dos Anéis: a Jet Set abocanhou a exclusividade dos pacotes de hospitalidade para patrocinadores dos jogos. Pelo acordo, 3% das vendas da empresa seriam a comissão do COL e do USOC, com saldo final de US$ 28 milhões para Dizdarevic e resíduo de US$ 844 mil para as outras duas partes.
Se a aprovação do acordo tinha sido de Bill Payne, a assinatura final foi do seu vice no COL, John Krimsky. Em 1995, um ano depois da assinatura do contrato entre Krimsky e Dizdarevic, este último compra, por US$ 225 mil, uma empresa ligada a membros do comitê local. A Cooperative Sports, pertencente à mulher de Krimsky. “Um esquema de propina clássico”, como está nos autos relatados pela reportagem do Seattle Times.
Vale a pena fixar o modus operandi de Dizdarevic: primeiro ajuda a amealhar votos para a vitória da sede olímpica; depois da vitória da nova sede, conquista a exclusividade para os pacotes de hospitalidade e compra uma empresa ligada aos dirigentes locais. Tão engenhoso quanto simples.
O esquema se repete
A traição a Atenas não impediu que Dizdarevic, quando esta por fim se saiu vencedora em 2004, tivesse lucros exorbitantes ali. Resolveu o problema de quartos para os mais abastados transformando luxuosos transatlânticos em hotéis de ocasião atracados no Pireu. Sempre casando habitação e ingressos. A cada edição, o Senhor dos Anéis tem com ele, mais do que qualquer outro mortal, um número maior de ingressos na mão e quartos bloqueados. Para pessoas físicas ou jurídicas. Sem distinguir regime de governo ou sistema político, é sempre o grande vencedor, compartilhando partes de seus lucros com locais, subornos e afins. Em Pequim 2008, pela estimativa da reportagem do Seattle Times, é que tenha tido em mãos 74 mil bilhetes; em Vancouver, no inverno de 2010, 63 mil ingressos.
Ainda mais relevante é a porcentagem dos melhores lugares, os bilhetes mais VIP. Em Sydney 2000, um escândalo que explodiu pouco antes da competição também tinha Dizdarevic como protagonista. Novamente aqui se tem um caminho seguro para entender o conhecido modus operandi do chefão olímpico: uma investigação do governo australiano mostrou que funcionários do Comitê Local tinham desviado ingressos para a Jet Sports e a CoSport. Os números impressionam e certamente frustram quem perdeu horas tentando comprar ingressos via internet, sem êxito, para as provas principais: dos 24 mil lugares considerados VIP nas principais competições, Dizdarevic e os seus tinham 20 mil tíquetes na mão. Também na sede australiana não fez por menos, fiel a seu modo de agir a cada edição: contratou para a Jet Set, com bom salário, a namorada de Phil Coles, homem com chaves importantes na organização de Sydney e membro do COI.
Jim Moriarty, advogado de Houston, Texas, contrariado com os problemas que teve ao virar turista para ver os Jogos de Pequim, resolveu litigar contra o homem da Jet Set, questionando o monopólio dos ingressos e pacotes. Nos autos, diz que o absoluto controle na mão de um só e seus parceiros de empreitada afeta diretamente o preço das entradas e a disponibilidade. Sua definição para a competição que será vista no Brasil em mais alguns dias é cortante, dando a dimensão de quanto o Rio será apenas a locadora de uma bela paisagem e sua população, apenas um elenco de apoio que paga a conta para alguns poucos desfrutarem: “Dizdarevic transformou os Jogos Olímpicos em um playground de ricos e poderosos”.
Em entrevista para esta reportagem, Moriarty dá bons caminhos para entender como alguns ingressos olímpicos são estabelecidos com preços relativamente baixos, mas depois somem e só são encontráveis em pacotes. “Há um conflito inerente relativo às vendas de ingressos para as Olimpíadas: o país anfitrião e o COI estipulam bilhetes baratos, mas a demanda por bons ingressos impulsiona o valor de mercado para o céu. Em Pequim, o “preço de tabela” para os melhores bilhetes para a cerimônia de abertura foi cerca de US$ 750, mas as pessoas estavam dispostas a pagar US$ 10 mil para bilhetes de menor qualidade. E Dizdarevic aprendeu há muito tempo como converter esse valor da diferença para pôr o dinheiro no bolso. Décadas atrás, ele aprendeu que, nas mãos gananciosas de pessoas que têm o poder para fornecer ingressos para a Olimpíada, o dinheiro iria gerar uma grande riqueza para ele e seus amigos”, afirma Moriarty.
Sem fazer nenhuma analogia fácil com o esporte, Dizdarevic invariavelmente nada de braçada a cada edição dos jogos, sem enfrentar maiores problemas, a despeito das práticas controversas. Um histórico que torna possível projetar que a Rio 2016 será um agradável passeio tropical para o milionário.
Salt Lake City
A exceção dessas águas sem tormentas ficou com Salt Lake City, em 2002 – o maior escândalo da história dos Jogos Olímpicos e do COI. Como sempre, Dizdarevic teve um lugar de protagonista em todas as tramas que vieram a ser reveladas. Como sempre, saiu ileso. E com posição mais forte no mundo olímpico. Depois de ter perdido o direito a sediar as competições de inverno duas vezes seguidas, a cidade que fica no estado de Utah resolveu tomar caminhos pouco ortodoxos. Mais uma vez, Dizdarevic entrava em cena. De acordo com os processos judiciais americanos descritos pelo Seattle Times, dois altos funcionários do COL de Salt Lake, David Johnson e Thomas Welch, recorreram ao Senhor dos Anéis para ajudar na compra dos votos em 1994, um ano antes da votação. Dizdarevic iniciou ali uma manobra para viabilizar a operação. Como consta nos autos, começa com uma série de saques rotineiros de US$ 10 mil, limite para não chamar atenção do Internal Revenue Service (IRS), o equivalente à Secretaria da Receita Federal brasileira. Assim como no Brasil, saques acima de determinado limite devem ser notificados à Receita Federal. O produto dos saques foi armazenando em um cofre, até que chegou a hora da distribuição. O próprio Dizdarevic assumiu em depoimento que entregava as quantias para suborno à dupla de dirigentes do COL. Quando o escândalo explodiu, Dizdarevic ficou como patriota. “Era meu dever. Sou um cidadão americano naturalizado, e esse é meu novo país”, na torta explicação publicada na imprensa para justificar sua participação. Já os membros do COL foram punidos com o desligamento. Marca de seu pragmatismo, Dizdarevic chegou a depor contra os dois antigos cúmplices com a promessa da Justiça de arquivar o seu caso. Livrou-se. Já contra os dois ficaram 15 denúncias de fraude e conspiração. Para salvar os jogos, assumiu o comando, como gestor, Mitt Romney, que acabou mais uma vez fortalecendo a posição de Sead no movimento olímpico e como vendedor exclusivo dos pacotes de hospitalidade de Salt Lake City.
Por e-mail, Moriarty confirma a versão sobre como Dizdarevic ganhou o selo de agente oficial do COI para comercializar os pacotes dos jogos ao entregar apenas alguns e preservar outros em delação premiada. “Inicialmente, esse comércio foi feito às escondidas, com propinas sob a mesa, mas, quando seu papel como o provedor do plano para trazer ilicitamente os Jogos Olímpicos para Salt Lake City foi descoberto por uma investigação criminal do governo dos Estados Unidos, Dizdarevic tornou-se testemunha para o governo. Ele jogou seus antigos parceiros ‘debaixo do ônibus’ ao fechar um acordo de delação premiada. Em seguida, com um flash de insight brilhante, negociou um acordo com o COI para se tornar o patrocinador de hospitalidade dos Jogos Olímpicos e, ao fazê-lo, legitimou o que tinha anteriormente sido feito com propinas e subornos. Ao controlar tanto a habitação quanto o melhor acesso a bilhetes, ele criou um monopólio de acesso significativo às Olimpíadas para quem não vive na comunidade anfitriã. Agora, quando os ricos e poderosos necessitam de bilhetes olímpicos, transporte VIP e quartos cinco-estrelas, eles chamam Sead e tudo está bem no mundo.”
Em fevereiro de 2012, poucos meses antes do início da edição dos Jogos Olímpicos de Londres, uma câmera secreta do programa Dispatches, da TV inglesa, conseguiu gravar uma conversa de um funcionário da Jet Set, que oferecia, como mais uma das facilidades do pacote de hospitalidade, o acesso ao privilégio de circular pelas rotas de tráfego exclusivas para atletas e poucos credenciados com direito ao conforto.
Jim Moriarty vai além: “Há muitos que acreditam que o COI, e na verdade toda a empresa olímpica, é um pouco mais do que uma empresa criminosa, em muitos aspectos como a Fifa. A ‘marca’ olímpica é a marca mais valiosa do mundo, com bilhões de dólares em direitos de TV e outras receitas. Poucos benefícios chegam aos atletas e suas famílias, e a maioria dos benefícios fica com as pessoas no topo, que vivem vidas que deixariam Gordon Gekko com vergonha”, diz, referindo-se ao personagem de Michael Douglas em Wall Street: Poder e Cobiça, um investidor inescrupuloso e ganancioso.
Quatro décadas depois, o Senhor dos Anéis pôs o mundo olímpico no bolso. Sua agenda de contatos, conchavos, licitações que sempre vence e toda sorte de artimanhas capazes de demolir quem ainda acredita no discurso do “olimpismo” e do “espírito olímpico” dos organizadores, está sendo entregue aos poucos ao filho Alan Sead Dizdarevic, 36 anos, nascido nos Estados Unidos, que será o próximo dono do mundo olímpico. Já entra com a herança garantida de ser o patrocinador e agente de vendas para os Comitês Olímpicos – os oficiais – da Austrália, Bulgária, Canadá, Grã-Bretanha, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos.
E assim ele chegou ao Brasil
Se essa história toda do Senhor dos Anéis olímpicos fosse conhecida no Brasil em 2009, a assembleia do COI em Copenhague, no dia 2 de outubro daquele ano, que escolheu o Rio para sede em 2016, provavelmente não teria sido cercada de tanta expectativa e suspense. Afinal, as pegadas de Sead Dizdarevic sempre avisam para onde o vento olímpico está indo. Direção confirmada na goleada do Rio em Madri, na última rodada de votos, por 66 a 32.
É que cinco meses antes do conclave, o homem da Jet Set desembarcou no Brasil pela primeira vez. Os registros de imigração informam que no dia 12 de maio de 2009, com visto de turista, ele andou por aqui. Tiro rápido, breves seis dias de estada. Como em todas as outras vésperas de eleição de sede, mesmo quando está contra todos os prognósticos, seu radar não errou. Não se sabe ao certo se naquela passada rápida Dizdarevic pôs em prática o modus operandi de sempre, repetiu Salt Lake e bancou a certeza da vitória, dando ainda listinha com votos a ganhar. Do que se pode ter certeza é que, logo depois daquele breve flerte da primeira visita, entrou com os dois pés no Brasil. Confirmada a vitória, era hora de estruturar o caminho verde e amarelo para buscar aqui os imensos lucros que fazem dele o verdadeiro Senhor dos Anéis, aquele que só ganha.
Como de hábito, sabia bem onde pisava e foi às portas certas depois da confirmação da sede carioca. No dia 8 de novembro de 2011, de acordo com os registros da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerja), abriu a Jet Set Sports Brasil Serviços (veja aqui).
Poucos dias depois, em 20 de dezembro, estabelecia a conexão certa no país da vez para ficar tudo dominado no controle dos ingressos da Rio 2016: a recém-aberta Jet Set assume o controle de 75% da Tamoyo Internacional Agência de Viagens e Turismo (confira aqui), para em 2015 ter o controle total.
A Tamoyo é a senhora das viagens, ingressos e pacotes de hospitalidade em grandes eventos do COB desde o primeiro ciclo olímpico de Carlos Arthur Nuzman, e lá se vão duas décadas de monopólio, enriquecido substancialmente com dinheiro público em seu volume de recursos com o advento da Lei Piva de Incentivo ao Esporte (16/7/2001). Uma lei que Nuzman se empenhou para que passasse a ser chamada Agnello/Piva, em deferência ao ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz, condenado em primeira instância por improbidade administrativa e presente na deleção premiada da Andrade Gutierrez, no caso petrolão, por propina no Estádio Mané Garrincha.
A relação estreita do COB na gestão de Nuzman e da Tamoyo é alvo de questionamentos há mais de uma década. Em 1º de agosto de 2004, em entrevista para a Folha de S.Paulo, ao garantir que existia licitação para escolher a agência do COB, Nuzman explicou assim a razão de não mudar nunca a agência: “Porque ela ganha”. Os anos se passaram e a Tamoyo seguiu ganhando, sendo a agência do COB para viagens e pacotes olímpicos. Até 2012, quando o COB troca de agência e passa a ter como contratada a Promotional Travel Viagens e Turismo, de Luiz Antônio Strauss de Campos e Flávio Alves da Costa.
Luiz Antônio Strauss de Campos é cunhado da deputada estadual Cidinha Campos (PDT), titular da Secretaria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Seprocon) e forte aliada do governo do estado do Rio de Janeiro sob Sérgio Cabral Filho, então parte importante da aliança entre os provedores dos jogos. Curiosamente, Strauss era o mais ferrenho crítico da relação entre Nuzman e a Tamoyo. Em 2005, chegou a entrar com recurso contra a licitação de contratos entre o Comitê Organizador do Pan 2007 e a Tamoyo. Na ocasião, a Promotional Travel perdeu a concorrência para a Tamoyo e Strauss questionou as regras, afirmando que elas beneficiavam a vencedora. A Promotional tem vencido também, na maior parte das vezes com dispensa de licitação, concorrências para venda de passagens na área federal como Eletrobrás e UFRJ. A reportagem tentou falar com Strauss, sem retorno.
A saída da Tamoyo do COB ocorre em paralelo à conquista pela agência de contrato de viagens no CoRio 2016 e à diminuição de convênios entre o COB e o Ministério do Esporte, como mostra o Portal da Transparência, que registra o último acordo entre ambos, assinado em 10 de maio de 2012.
Em 9 de janeiro 2012, a Tamoyo, já sob controle de Dizdarevic, assina contrato (nº 026/2012) com o CoRio, com duração de um ano, de “serviços de agência de viagens e de turismo em geral para atender a demanda de viagens do Comitê Rio 2016”. Por mais três vezes, o contrato entre CoRio e Tamoyo recebe aditivos de prazo e valor, até 30 de setembro de 2013. O acúmulo de cargo por Nuzman na presidência dos comitês olímpico e organizador do país, algo inédito na história olímpica, foi duramente criticado por entidades de controle.
Por meio da assessoria de imprensa, o CoRio afirmou sobre os contratos com a Tamoyo: “Tivemos contrato com três agências de viagem no decorrer dessa jornada: Primeiro com a Tamoyo e depois com a Flytour e agora com a Alatur. O procedimento aqui é que todos os contratos acima de R$ 1 milhão passem por uma concorrência pública e depois sejam aprovados pelo conselho de diretores. Os valores que você encontrou no balanço do Comitê representam o total de despesas com viagens e foram sempre distribuídos em mais de uma agência. A agência que ficou com a principal parte das nossas despesas de viagem foi a Alatur JTB”.
Os lucros de Dizdarevic com o CoRio foram além de tíquetes. Através da Jet Set, ganhou também um contrato (nº 312/2014) com o CoRio para “fornecimento de software customizável (Sistema), para o gerenciamento das operações de chegadas e partidas, transportes e reserva de acomodações (inventário de apartamentos e quartos) dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016”, assinado em 14 de agosto de 2014 e válido até 30 de setembro de 2016. Valor: US$ 545.300, aproximadamente R$ 1.884.000. A justificativa, de acordo com a resposta do CoRio, é por se tratar de “um software de gerenciamento das operações de chegadas e partidas (Concorrência C690) que eles venceram no preço e também na qualidade, o produto é o melhor do mercado global”.
A reportagem perguntou ainda ao CoRio se o histórico de Sead Dizdarevic, noticiado na imprensa internacional em escândalos de corrupção relacionados às edições dos Jogos Olímpicos, não inibiria a entidade de fazer negócio com empresa encabeçada por ele. “Não temos operações de ingressos com a Jet Set talvez pelos motivos que você citou. Não recebemos um centavo de recursos públicos na organização dos Jogos e portanto podemos trabalhar com empresas nacionais ou estrangeiras, desde que os contratos sejam aprovados pelo Conselho. Preferimos, óbvio, trabalhar com empresas locais, mas os critérios principais seguem sendo custo e capacidade de entrega”, respondeu o CoRio.
No entanto, encontramos ainda o contrato nº 1559/2015 entre CoRio e Jet Set Sports Holding, de “Acordo entre Comitês para a venda e distribuição de tickets, pela outra Parte, a determinado público”, assinado em 30 de setembro de 2015 e válido até 31 de dezembro de 2016. E um anterior com a Tamoyo (nº 034/2011), assinado em 31 de março de 2011, para “compra de ingressos em Londres”.
A reportagem procurou o COB para falar sobre as relações com a Tamoyo, sobre as repetidas contratações da agência e processos de licitação. O COB limitou-se a responder que “a Tamoyo não é a empresa contratada pelo COB desde 2012. A agência contratada pelo COB, atualmente, através de processo público de licitação, é a Promotional Travel Viagens e Turismo. As questões colocadas com respeito à venda de ingressos dos Jogos Olímpicos Rio 2016 são de responsabilidade do Comitê Organizador Rio 2016”. Procurada diversas vezes, a Tamoyo não respondeu aos questionamentos.
Um rosto brasileiro: Cícero Augusto Oliveira de Alencar
A já citada abertura da Jet Set Sports Brasil na Jucerja, em novembro de 2011, e o ato seguinte da empresa ao assumir alguns dias depois o controle acionário da Tamoyo têm um personagem-chave que conecta Jet Set e Tamoyo a entidades e dirigentes do esporte brasileiro. Mais um rosto absolutamente desconhecido do grande público neste relato de conexões e relações: Cícero Augusto Oliveira de Alencar, 62 anos, nomeado diretor de operações e administrador no ato em que Jet Set Sports Holdings e CoSport Australia, ambas de Sead Dizdarevic, formam um braço brasileiro, a Jet Set Sports Brasil, que alguns dias depois assumiria a Tamoyo.
Cícero Alencar, morador da Ilha do Governador, bairro de classe média do Rio de Janeiro, é um dos personagens do “Relatório de Auditoria 201407834”, da CGU, cuja área fazendária auditou a CBV e foi minuciosa ao lançar luz sobre ele – um homem com 136 “Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas”, o conhecido CNPJ. De acordo com o relatório da CGU, além de constar como sócio em 136 empresas, Alencar é contador de 279 outras. Questionado pela reportagem sobre o número, ele respondeu: “A legislação societária brasileira exige um mínimo de 2 sócios para cada entidade local incorporada. Como temos mais de 300 clientes estrangeiros atendidos por nossa firma, uma grande parcela deles nos contrata para figurarmos como segundo sócio nas subsidiárias locais. É uma prestação de serviço (sempre com uma participação nominal de 1 quota de capital – apenas para cumprir a legislação e ter 2 sócios)”. A reportagem apurou também a participação dele nos registros da Forecast Corp, na Flórida, sobre o que respondeu: “Não só nesta sociedade mas em uma centena de outras empresas no exterior, prestando serviços de administrador nomeado dos investidores em tais sociedades”.
A lente de aumento da CGU pousou especialmente sobre uma das 136 empresas em que aparecia o nome de Alencar, o diretor de operações e administrador da Tamoyo, que, de acordo com o relatório, também constava como sócio-administrador da Acal Auditores Independentes, responsável pela auditoria de convênios da CBV. Boa parte dos convênios auditados pela Acal na CBV era relativa a recursos destinados à Tamoyo.
Assim, como mostra a CGU, quem auditava as contas da CBV representava um dos beneficiários dos convênios, a Tamoyo. A CBV pagou R$ 154 mil pelo serviço da Acal. As auditorias foram realizadas a partir de maio de 2013. Antes, eram feitas pela PS Contax, cujo sócio Nelson Fernando Marques Plaltzgraff passa a ser da Acal também a partir de maio de 2013, de acordo com a CGU, que encontrou ainda pagamentos da CBV para a Acal e PS Contax sem previsão contratual. O órgão destaca que a PS Contax aparecia com o mesmo número de telefone da “Universidade Corporativa do Voleibol” (UCV), onde Ary Graça, ex-presidente da CBV, aparecia como responsável.
Além do sócio em comum e das relações com entidades do esporte brasileiro, a Jet Set Sports Brasil tem outro elo com a Acal Auditores: na Jucerja, o endereço que consta para a Jet Set Sports Brasil é também o da Acal. Indagado pela reportagem sobre o eventual conflito de interesses, Cícero Alencar negou. “Baseado em que regulação isso pode ser caracterizado como conflito de interesse? Primeiro que não sou sócio – nem consto do Contrato Social da ACAL Auditores Independentes S/S e portanto não tenho conflito algum com os contratos que esta firma mantém com seus clientes”. No entanto, segundo o relatório da CGU, Cícero era sócio-administrador da Acal Auditores Independentes S/S e se retirou, e segue como sócio-administrador (com 98% das cotas) da Acal Consultoria e Auditoria S/S, que tem três sócios em comum com a anterior. Diante disso, o relatório da CGU afirma: “o que demonstra que elas mantêm um vínculo. Assim, a empresa contratada pela CBV para, inclusive, prestar serviços relacionados a convênios, tinha como ex-sócio e possivelmente parte interessada Cícero Augusto Oliveira Alencar”.
No relatório em que destaca o possível conflito de interesses entre o representante da Tamoyo e o auditor dos contratos que envolviam passagens compradas na empresa, a CGU expõe um quadro em que demonstra que 56% das passagens contratadas pela CBV foram emitidas pela Tamoyo, em um negócio de R$ 2.970.121 só em 2013. O relatório observa ainda que de 2011 para 2013 houve um aumento expressivo na despesa nesse transporte aéreo, com crescimento de 96%.
O comitê presidido por Carlos Arthur Nuzman também teve contrato com a PS Contax. Em 14 de fevereiro de 2011 o Comitê Rio 2016 (CoRio) assinou contrato (nº 04/2011) de auditoria contábil e financeira com a empresa. A reportagem perguntou a Nelson Plaltzgraff se a auditoria da PS Contax estaria disponível e por que, depois de 2011, não voltou a prestar o serviço. O responsável pela PS Contax limitou-se a dizer: “Nós declinamos da prestação de serviço”. Já o CoRio afirmou: “A PS Contax prestou serviços de auditoria financeira entre 14/2 e 20/5 de 2011. Depois disso as auditorias do Comitê têm sido lideradas pela KPMG e Grant Thornton auditores independentes”.
Cícero Alencar aparece também em processo do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2002, assinando a prestação de contas da Petrobras Netherlands ao lado de Almir Guilherme Barbassa, ex-diretor financeiro da Petrobras e da Petrobras Netherlands, afastado após o início da Operação Lava Jato. A reportagem buscou contato com a estatal, via assessoria de imprensa, para saber sobre o vínculo de Cícero Alencar com a empresa e entender por que ele consta na prestação de contas. A empresa informou: “Não consta em nossos sistemas da Petrobras Holding empregado ou ex-empregado com o nome Cícero Augusto Oliveira de Alencar. Adicionalmente, informamos que também não localizamos registros do Sr. Cícero como empregado de empresa prestadora de serviços”.
Já Cícero Alencar respondeu: “De 1999 a 2006 a firma ACAL Consultoria e Auditoria S/S prestou serviços à Petrobras, no Brasil e no exterior, incluindo toda a reestruturação de ativos internacionais que pertenciam à PIFCO – Petrobras International Finance, com sede em Cayman, e que foram conferidos para o patrimônio da PNBV”. Sobre a relação com Almir Guilherme Barbassa, afirmou: “Me encontrei com ele 2 ou 3 vezes nos 7 anos que servimos a Petrobras para discutir resultados de nossos serviços”.
A reportagem perguntou por fim a Cícero Alencar se ele representava alguém na sociedade da Jet Set. E, caso fosse positiva a resposta, a quem? Ele respondeu: “Meu nome foi usado para a posição e administrador da sociedade local, como prestador de serviço – posição que ocupo em outra centena de clientes que necessitam de um brasileiro residente para a posição e que não possuem quadro de empregados no país”.
Bolinha da sorte
Os imensos tentáculos da Jet Set contam também com a sorte. Em 10 de abril, reportagem do “Dossiê Vôlei” mostrara que, entre os 56% de passagens compradas pela CBV na Tamoyo, até a bolinha do sorteio brilhava para a empresa de Sead Dizdarevic – como na licitação de 13 de abril de 2012. Convocadas pelo edital 003/2012 da CBV para “aquisição de hospedagem e passagens aéreas nacionais e internacionais [para] os atletas e membros da comissão técnica das seleções de vôlei de praia adulta feminina e masculina” (verba contemplada no convênio 761160/2011 com o Ministério do Esporte), três empresas entregaram suas propostas: a Master Turismo, a Tamoyo e a BB Turismo (BBTur, agência de viagens do Banco do Brasil, patrocinador da CBV).
Quando os envelopes foram abertos, a Master Turismo foi desclassificada por “ter apresentado proposta sem assinatura e com diversos percentuais de desconto”. Ficaram a BB Turismo e a Tamoyo. Ambas apresentaram o mesmo percentual de desconto: 3%. Como previsto no item 5.1 do edital, sobre “critério de julgamento”, em caso de empate, a decisão é feita por sorteio. Num golpe de sorte, venceu quem leva a absoluta maioria das licitações da CBV e de boa parte das confederações do esporte olímpico brasileiro, incluindo o COB: a Tamoyo, de Sead Dizdarevic e seus sócios brasileiros. A bolinha da sorte representou um contrato de R$ 1.374.390. O ato foi realizado no escritório da CBV pela “Comissão Especial de Licitação” da entidade com os representantes das empresas envolvidas. No mesmo dia, o contrato foi assinado.
Na ocasião, a Tamoyo afirmou ao repórter não ter conhecimento do volume de passagens aéreas e hospedagens, “mas participamos de alguns processos licitatórios da Confederação Brasileira de Vôlei e fomos vencedores de alguns destes”.
Já a CBV afirmou que “consta nos registros da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) que, até o ano de 2012, as agências de viagem que atendiam a CBV foram selecionadas ou por meio de processo licitatório e de compra direta. Entre essas agências estavam a Tamoyo e a BBTUR. A partir de 2013, todas as agências foram escolhidas por meio de licitação, seguindo a Portaria Interministerial 507/2011 /Decreto Federal 6170 e Lei 8666/93”.
O Rio de braços dados com a Tamoyo
As ações da Tamoyo no esporte brasileiro não se restrigem apenas às confederações, COB e convênios do Ministério do Esporte. Em 12 de junho de 2012, o Diário Oficial da União (DOU) publicou que a Autoridade Pública Olímpica (APO), ligada ao Ministério do Esporte, comprou da Tamoyo R$ 100.000 em ingressos para os Jogos Olímpicos de Londres. A dispensa de licitação se dá porque é a única a ter direito de vendas no Brasil dos ingressos olímpicos.
Não importam partido, matiz ideológico ou o poder que está sendo representado. Dizdarevic e seus sócios brasileiros estão sempre bem. Também em 2012, o então governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral pôs o estado para pagar à Tamoyo R$ 2,2 milhões entre ingressos e passagens para que sua turma estivesse na Olimpíada de Londres. No estado que viria a quebrar, sem dinheiro para pagar o funcionalismo, até a primeira-dama estava contemplada, mas a divulgação da reportagem no site UOL fez com que as despesas de Adriana Cabral, de R$ 32 mil, fossem devolvidas. Treze membros do governo foram agraciados com o mimo e desfrutaram Londres.
O prefeito Eduardo Paes não fica atrás em compras na Tamoyo. Desde 2012 até aqui, R$ 3.338.233 dos cofres da cidade olímpica foram para a Tamoyo. Também sem licitação, como os R$ 323.362 pagos à Tamoyo por “prestação de serviços de apoio logístico a ser prestado à prefeitura do Rio de Janeiro por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres 2012”. Nas asas da Tamoyo, diferentes divisões do governo Paes viajaram ou gastaram: Companhia Municipal de Limpeza Urbana, Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro, Controladoria-Geral do Município do Rio de Janeiro, Empresa Municipal de Informática S.A. (Iplanrio), Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe), Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S.A. e Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro.
Embora todas as esferas de poder gastem com a Tamoyo, a empresa foi mais comedida em financiamento de campanhas eleitorais. Limitou-se a abrir o bolso para o PCdoB – que então dominava o Ministério do Esporte e era grande provedor de verba para convênios de confederações que incluíam compra de passagens –, ajudando com R$ 25 mil a candidatura sem êxito de Márcio Marques dos Santos a deputado estadual pelo partido nas eleições de 2010.
Lá fora, Dizdarevic também é generoso com seus candidatos. Mitt Romney, depois de ter salvado Salt Lake City dos escândalos, como já se contou aqui, se cacifou para voo mais alto. Ousou tentar a Casa Branca em 2008, sem sucesso. Mas, na dúvida, a campanha do fiel amigo desde os jogos de Salt Lake City, em 2002, contou com U$ 9 mil da parte do Senhor dos Anéis, que costumeiramente também ajuda o chapéu do Partido Republicano.
Em 2009, o TCU apontou vícios na relação entre o COB e a Tamoyo, em particular para uma licitação de 2008. O relatório falava em “ausência de publicidade e de demonstração dos critérios para avaliação da exequibilidade da proposta”, “não concessão de oportunidade ao licitante para demonstração da viabilidade de seu preço”, “vício no edital” e “prejuízo à seleção da proposta mais vantajosa”, entre outros apontamentos. Em sua defesa, o argumento principal do COB foi a não utilização, nesse pregão, de recursos públicos, aceito pelo TCU, que arquivou o processo, embora com ressalvas, como a recomendação de adoção de algumas medidas para licitações.
Em 14 de julho de 2014, a Jet Set Sports Holding e a CoSport, capitalistas da Jet Set Sports Brasil, por sua vez majoritária da Tamoyo, dão o passo que precisavam para legalizar seu monopólio olímpico por aqui também e alteram o contrato social da Jet Set Sports Brasil para “incluir a atividade de venda de ingressos para eventos esportivos e de pacotes de serviço de hospitalidade” (clique aqui para ver).
Além de passar de Jet Set Brasil Participações para Jet Set Brasil Serviços (veja aqui), a empresa promove a substituição de quem a representa. Cícero Alencar sai de cena na Jet Set e é substituído por Neemias dos Santos Araújo, funcionário da Jet Set. Na Jucerja, o endereço de Neemias também é o da Acal.
As conexões rumorosas da Jet Set no Brasil seguiram. O procurador que representava a Jet Set Sports Holdings e a CoSport na abertura, em 2011, Eduardo Bezerra de Menezes Carreirão, dá lugar a George Pikielny na representação de ambas junto com a mudança no contrato social. Brasileiro, administrador de empresas bem-sucedido, morador de São Paulo, Pikielny é citado em um barulhento e ainda sem solução caso que envolve uma morte misteriosa e a dilapidação do patrimônio do desaparecido. A história foi contada no jornal Centro Oeste Popular, do Mato Grosso do Sul, em dezembro de 2015.
De acordo com a reportagem, em 19 de junho de 2012, Guma Leandro Kaplan Aguiar, carioca radicado nos Estados Unidos, de 35 anos, saiu para passear de lancha e desapareceu. A justiça da Flórida já o reconheceu como morto. Era dono de uma fortuna estimada em US$ 100 milhões. Um ano depois do desaparecimento, de acordo com a reportagem do jornal, as propriedades foram vendidas e as ações, transferidas pelos ex-sócios e administradores à revelia da viúva e dos quatro herdeiros. Pikielny é citado como um desses beneficiados. Esta reportagem enviou perguntas para Pikielny, sem resposta.
Os mistérios e as conexões que envolvem Sead Dizdarevic e seus movimentos no Brasil, transformando seus negócios sempre em um intrincado cipoal, remetem à ação de Jim Moriarty, que correu na Corte da Califórnia sob o número “3:08-cv-03514-jsw”. Nela, o autor descreve algumas características que, segundo ele, compõem o modus operandi de Dizdarevic e conexões: “Os arguidos ocultam ao público suas verdadeiras identidades e informações de contato, em um aparente esforço para permanecer no anonimato e fugir de processo por sua conduta ilícita”.
Outra conexão de Dizdarevic revela o que pode acontecer aqui durante a Olimpíada. Para a Copa do Mundo de 2014, a Jet Set se associou à Match, revendedora oficial dos pacotes de hospitalidade da Fifa, para revenderem os conjuntos de ingressos/hospedagem do certame brasileiro na Austrália, Noruega, Rússia, Estados Unidos e Suécia. Todos se lembram do fim da história: o executivo da Match Raymond Whelan foi preso, assim como o argelino Mohamadou Lamine Fofana, por integrarem uma quadrilha internacional de cambistas. Com Fofana foram encontrados ingressos em nome da Jet Set.
Sead Dizdarevic não aparece por aqui desde sua 13ª vinda, em 5 de novembro de 2015. Em duas dessas ocasiões, geralmente para períodos curtos, de cinco dias, veio com visto temporário e, nas outras 11 vezes, como turista. Não se sabe ao certo como irá desembarcar para os Jogos Olímpicos daqui a algumas semanas. Se vem na condição de turista ou com permissão de trabalho para colher em definitivo os dólares olímpicos que vem semeando nesta terra desde 2009, alguns meses antes da própria escolha da sede – , embora a Jet Set prefira dizer (leia entrevista do porta-voz da empresa) que iniciou suas conversas com a Tamoyo em 2011, ano em que na verdade já incorporou parte da empresa – ainda não está claro.
Pela primeira vez, no dia 14 de agosto, Dizdarevic vai passar um aniversário em meio aos jogos, dos quais continua sendo o maior senhor. Provavelmente brindando com sócios locais de cada edição e as vastas e complexas conexões com comitês organizadores e olímpicos. O Senhor dos Anéis está chegando, com motivos de sobra para festejar seus 66 anos. Salvo eventuais imprevistos no negócio do megaevento, como durante a Copa de 2014, quando homens poderosos a serviço de um esquema milionário acabaram vendo o Mundial no xadrez de uma pequena delegacia policial na Praça da Bandeira.
Entrevista: Jet Set Sports
Michael Kontos é responsável pela comunicação da Jet Set Sports nos Estados Unidos. Nesta entrevista, ele explica a relação da empresa com a Tamoyo, entre outras coisas.
Qual a razão da escolha da empresa Tamoyo para ser a parceira da Jet Set no Brasil?
A Jet Set tem escritórios e operações em dez países, dos quais alguns são resultados de aquisições, como no Brasil. Cada decisão para adquirir uma companhia local foi baseada em estratégia empresarial. A liderança da Jet Set conheceu a Tamoyo como Revendedora Autorizada de Tickets dos Jogos de Londres 2012 (ATR) no Brasil. Impressionada com os serviços e as operações deles naqueles jogos, a Jet Set iniciou discussões com a Tamoyo em 2011, o que eventualmente nos levou a um investimento em operações e depois à aquisição completa da empresa, em setembro de 2015.
A Jet Set tem um histórico de sociedades em empresas ligadas a pessoas com relações aos Comitês Organizadores Locais. Isso se repetiu no Brasil?
Ainda não estou seguro da intenção desta pergunta. A Jet Set tem sido um patrocinador oficial, fornecedor ou provedor de dez dos 11 últimos Comitês Organizadores de Jogos Olímpicos de Verão ou Inverno desde Atlanta 1996. Mas não temos esse tipo de relação com a Rio 2016.
Entre as críticas que a Jet Set sofre, está a de monopolizar os melhores tíquetes e associar estes à hospedagem, encarecendo o preço dos ingressos olímpicos e tornando-os inacessíveis ao público em geral. Como veem essas críticas?
As críticas não levam em conta como os programas de tíquetes funcionam. São desenvolvidos pelos Comitês Organizadores, Rio 2016, aprovados pelo COI. Este programa determina que porcentagem será posta para o público brasileiro em geral, que porcentagem será distribuída para os Comitês Olímpicos de cada país (NOCs) e que porcentagem vai para a família olímpica, autoridades, patrocinadores, mídia etc. É importante lembrar que os melhores lugares são reservados para a mídia, então eles podem transmitir para o público de todo o mundo com os melhores ângulos.
Só a Rio 2016 vende tíquetes para o público geral brasileiro, com o Comitê Organizador determinando que ingressos serão vendidos para o público em geral, o preço e como são oferecidos. A Jet Set não está envolvida com ingressos para o mercado brasileiro em geral.
A Rio 2016, depois, distribui/vende ingressos internacionais para os NOCs, muitos dos quais confiam em Revendedores Autorizados de Tíquetes (ATR) para revender esses tíquetes a seu público. A lista desses revendedores pode ser acessada aqui.
É importante notar que, depois dos direitos de transmissões e patrocínios, bilheteria é a terceira maior fonte de receita do Comitê Organizador. Assim, cada Comitê Organizador, como Rio 2016, precisa dos NOCs para vender o máximo de tíquetes possível, atingindo assim seus objetivos de receitas e diminuindo a pressão sobre o governo local.
Os revendedores não apenas apoiam os NOCs, assim como os Comitês Organizadores, com expertise em vender tíquetes para o público internacional, como também se comprometem em comprar certo número de tíquetes na frente, ajudando assim numa muito esperada receita para os NOCs e os Comitês Organizadores e assumindo alguns riscos, no lugar dos destes, de tíquetes não vendidos, antes que qualquer um seja vendido. As revendedoras, incluindo Jet Set e sua companhia irmã CoSport, então fazem tíquetes individuais/tíquetes e passagens/tíquetes mais passagens mais pacotes de hospitalidade acessíveis de acordo com as demandas e necessidades dos públicos com os quais lidam. Nos 30 anos em que forneceu hospitalidade olímpica, a Jet Set e seus sócios ajudaram mais de 1,2 milhão de torcedores a estar em Jogos Olímpicos de Verão e Inverno, e o nível de satisfação dos clientes consistentemente está acima de 90%.
Gostaria que comentasse os casos de participação em compra de votos para candidaturas olímpicas pelo Sr. Sead Dizdarevic, como amplamente citado na imprensa internacional, o que já o levou a responder na Justiça americana.
O sr. Dizdarevic forneceu informações para as investigações sobre a candidatura de Salt Lake para os Jogos de Inverno de 2002. Isso foi noticiado várias vezes. De fato, desde aquele incidente, a Jet Set foi escolhida como patrocinadora, provedora ou fornecedora por meio de processos competitivos conduzidos pelos Comitês Organizadores de Atenas (2004), Turim (2006), Pequim (2008), Vancouver (2010), Londres (2012) e Sochi (2014), somando ainda Atlanta (1996), Nagano (1998), Sydney (2000) e Salt Lake City (2002). Todas as maiores decisões desses Comitês Organizadores, alguns deles incluindo participação governamental, foram tomadas após passarem por vasta investigação, e todos eles escolheram a Jet Set como seu melhor sócio. Ainda, desde então, a Jet Set e a CoSport foram escolhidas para ser revendedoras de mais de uma dúzia de NOCs, incluindo Austrália, Bulgária, Canadá, Grã-Bretanha, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos. Com exceção do comitê americano, todos os outros são organizações “quasi-governmental” (nota: apoiadas pelo governo, mas de gestão privada). A Jet Set não seria selecionada por todas essas organizações se suas alegações fossem precisas.
A Pública enviou diversas perguntas sobre os temas abordados na reportagem também para a agência Tamoyo, no Brasil, e tentou contato diversas vezes para obter as respostas, sem sucesso. Posteriormente, duas das perguntas enviadas para o escritório brasileiro foram respondidas por Michael Kontos, da Jet Set americana:
Era de conhecimento que Cícero Augusto Oliveira de Alencar também era sócio da Acal, que auditava convênios da CBV e do Ministério do Esporte que envolviam compras de passagens na Tamoyo?
Não. Entramos em contato com a Acal com base em uma recomendação de alguém com quem costumávamos trabalhar aqui nos Estados Unidos. A empresa nos foi recomendada porque tanto tinha a experiência e a capacidade de conduzir nosso projeto como nossos prazos. Não tínhamos conhecimento de todos os outros negócios que a empresa tinha conduzido ou com que estava trabalhando.
Qual a razão para que uma empresa de turismo como a Tamoyo tenha feito uma doação de campanha para a candidatura de Márcio Marques dos Santos a deputado estadual nas eleições de 2010?
Isso antecede o nosso investimento e a eventual aquisição da Tamoyo, por isso não temos informações sobre esse tópico.