“Ninguém no Quênia conseguiu acreditar que uma pessoa que passou a vida toda escrevendo sobre esporte ganha uma bolsa para ir até o Brasil na Olimpíada e não vai cobrir nenhuma partida”, diz Roy Gachuhi, jornalista esportivo queniano. Sentado no escritório do salão principal da Casa Publica, Gachuhi está à vontade. Ele foi o jornalista que mais vibrou quando soube que participaria do programa de Residências da Agência Pública que começou em meados de julho e terminou com o fim da Olimpíada – pelo telefone, gritava “eu vou para o Brasil”!
O programa distribuiu bolsas para 6 jornalistas estrangeiros ficarem no centro cultural da Agência Pública cobrindo violações de direitos humanos ligadas ao megaevento.
Desde os 16 anos, quando conheceu Pelé em uma visita que o craque fez ao Quênia, Gachuhi sonhava em vir ao Brasil. O repórter premiado, que trabalha atualmente para a publicação Content House em Nairobi, se tornou um dos maiores jornalistas esportivos do Quênia. Ex-editor de jornais nacionais como Nation Media Group e The Standard Group, ele também chegou a fundar em 2010 a Escola de Jornalismo da África do Leste.
Agora com 57 anos de idade, a bolsa da Pública finalmente trouxe o jornalista esportivo para o país do futebol.
“Eu passei minha vida escrevendo matérias que tinham um enfoque no lado corporativo do esporte. Graças a essa bolsa, eu pude ver o outro lado dessa história. E dar luz a isso virou minha obsessão” explica.
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Durante o mês que passou na Casa Pública, Gachuhi escreveu para as publicações Content House, Daily Nation e The East African 13 matérias sobre os mais variados temas, desde as remoções forçadas até problemas envolvidos na reforma do Maracanã.
Gachuhi não foi o único a abraçar o desafio. No total foram 27 histórias produzidas pelos participantes.
Em “La Massacre de Costa Barros”, Jorge Rojas e Alejandro Olivares, do semanário The Clinic, investigaram casos de violência policial na cidade Olímpica. Eles relatam a história de cinco jovens assassinados por quatro policiais militares um ano antes da Olimpíada. Os PMs dispararam 111 tiros no automóvel em que se encontravam as vítimas.
A dupla de jornalistas chilenos escreveu também sobre remoções na Vila Autódromo e os protestos que aconteceram antes da cerimônia de abertura dos jogos.
Houve também um intercâmbio de ideias e matérias entre os próprios bolsistas do programa. Rojas e Olivares convocaram a equatoriana Desiree Yépez, outra participante das residências, para escrever um perfil sobre Luana Muniz, uma Travesti conhecida como a Rainha da Lapa para o jornal chileno The Clinic.
Entre as mais diversas pautas sugerida nas 177 inscrições recebidas para o programa de residências, Desiree Yepéz foi a única que propôs escrever sobre a comunidade LGBT carioca. Para a sua matéria “Transexuales en Brasil o el derecho a existir”, ela explorou como o Comitê Olimpíco Internacional (COI) deu visibilidade para a população transexual durante os jogos – e como, ao mesmo tempo, seus direitos continuam sendo violados. A reportagem foi publicada no site Plan V, um portal novo de notícias equatoriano pautado pela independência em relação ao governo e grupos tradicionais de mídia.
“A matéria foi muito bem recebida no Plan V por conta da diversidade de temas que sobressaíram em paralelo a investigação principal como violência policial, direitos humanos e a crise policia no Brasil. Estes tópicos geraram um debate nas redes entre os leitores e foram até abordados em outros espaços digitais como na Rádio Rayuela”, diz.
A italiana Caterina Clerici e a francesa Diane Jeantet também se prontificaram para conhecer a população esquecida pelos jogos. Em matérias produzidas para o jornal italiano La Stampa e a revista americana Time Magazine, a dupla conta como empreendimentos milionários no Porto Maravilha afetaram a vida dos residentes da área, muitos dos quais moram dentro de cortiços em condições precárias. Veja como ficou o vídeo publicado no site da revista TIME:
Como jornalistas estrangeiros observando uma nova realidade, os participantes do Programa de Residências disseram ter se surpreendido com o que encontraram.
Durante a sua investigação sobre as obras da Olimpíada que levaram a expulsão de mais de 2,500 famílias de suas casas, Roy Gachuhi esperava que as pessoas se posicionassem contra o esporte. “Se tornou claro para mim que as famílias que foram vitimas de remoções não odeiam os Jogos. Eles não condenaram o atletismo, e sim, o fato do governo e das empreiteiras terem se aproveitado disso para desestruturarem as suas vidas”, conta.
Despedindo-se da Casa Publica o jornalista africano leva consigo uma lição ainda maior. “Todos os dias eu penso como eu posso criar um espaço em Nairobi igual a Casa Pública, onde um escritor, um documentarista possa receber o estimulo criativo que precisa para realizar seu trabalho”, diz.