Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Entrevista

“O pacto de silêncio continua, os estupros continuam”

Em entrevista à Pública, a médica Ivete Boulos fala de seu afastamento da coordenação do núcleo que acolhe denúncias e vítimas de violência sexual na Medicina da USP enquanto lutava por punição de aluno acusado de estupro

Entrevista
8 de novembro de 2016
11:07
Este artigo tem mais de 8 ano

Na segunda-feira, 17 de outubro, a médica Maria Ivete Castro Boulos chegou ao trabalho pensando na reunião que teria com uma jurista. Queria discutir as possibilidades de uma nova punição para o aluno Daniel Tarciso da Silva Cardoso, acusado pelo Ministério Público de dopar e estuprar estudantes da universidade, e suspenso pela Faculdade de Medicina da USP depois da CPI dos Trotes (dezembro de 2014 a março de 2015).

Como coordenadora do Núcleo de Estudos e Ações em Direitos Humanos (Neadh) da Faculdade de Medicina da USP, que acolhe acolhe denúncias de violações de direitos humanos, a professora havia conseguido a anulação de uma prova que ele havia feito durante o período de suspensão – seis meses iniciais, depois estendido para mais 12 meses. Mas esse prazo havia acabado de se encerrar, e logo ele estaria livre para se formar e se tornar médico apesar da gravidade dos crimes a ele imputados.

Era nisso que Ivete pensava quando foi surpreendida pela comoção dos colegas, motivada por um e-mail comunicando seu afastamento da coordenação do núcleo, cargo que ocupava desde o início do ano. A médica, que também é coordenadora do Navis (Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual) e consultora técnica da Organização Mundial de Saúde (OMS) para assuntos relacionados a violência sexual, foi então checar seus e-mails e encontrou o comunicado. “Eu me senti muito desrespeitada no momento porque não houve transparência, isso não havia sido conversado comigo”, conta, em entrevista à Pública.

(Foto: Reprodução/Facebook)
Há dois anos, em novembro de 2014, alunas da FMUSP fizeram protesto após virem à tona denúncias de estupro e abuso sexual entre alunos da Faculdade (Foto: Reprodução/Facebook)

Em seu lugar, assumiria o professor emérito de cirurgia Dario Birolini. “Quando eu vi o nome dele me surpreendi porque pensei: ‘ele está aposentado há tantos anos, é uma pessoa de mais idade, um professor emérito que merece seus louros e aplausos por seu trabalho mas não tem nada a ver com a coordenação de um núcleo de violação de direitos humanos”, lembra.

Como exemplo da inadequação do professor emérito para o novo cargo, colegas e alunas da USP divulgaram nas redes sociais que Birolini havia compartilhado em sua página do Facebook um meme chamando de “bruxas” a ex-presidente Dilma Rousseff, a ex-secretária de direitos humanos, Maria do Rosário, e as deputadas Jandira Feghali e Benedita da Silva. A Rede Não Cala de Professoras e Pesquisadoras da USP pelo fim da violência sexual e de gênero divulgou nota pública repudiando o afastamento de Ivete Boulos e a possível diplomação de Daniel Tarciso da Silva Cardoso.

“A omissão da Universidade tem sido justificada pelo receio de se cometer injustiça com os possíveis agressores. Questionamos por que a universidade não teme cometer injustiça com as possíveis vítimas. Do ponto de vista institucional, precisamos também indagar o que compromete mais o nome da Faculdade: revelar tais casos ou proteger quem cometeu uma agressão? Além deste caso, muitos outros tramitam na Universidade ou acontecem e não são denunciados, por diversas razões – por medo, descrença na efetividade da ação institucional, predomínio da impunidade em casos de violência no país. Nesse cenário, foi com espanto e indignação que soubemos que a coordenadora do NEADH (Núcleo de Estudos e Ações em Direitos Humanos) da FMUSP, Dra. Maria Ivete Castro Boulos, foi destituída de seu cargo, por e-mail, em 14 de outubro de 2016, sem maiores justificativas ou razões, o que configura um afastamento arbitrário. O Núcleo, quando coordenado pela Dra. Ivete Boulos, realizou atividades importantes para enfrentamento da violência sexual e de gênero na Universidade de São Paulo, uma instituição que não raras vezes age como se as mulheres valessem menos, as vítimas fossem culpadas por situações de assédio e estupro e não merecessem respeito e nem justiça. Dra. Ivete Boulos estuda e trabalha com situações de violência sexual há vários anos e conquistou a confiança de alunas, funcionárias e professoras para que as situações de violência sexual e de gênero vividas por elas fossem levadas ao NEADH” diz um trecho da nota.

Durante a entrevista à Pública, realizada ontem, a médica falou da relação entre seu afastamento da coordenação (que está sendo reavaliado, segundo ela) e o caso de Daniel. “Me disseram que foi só coincidência mas o que me impressiona é que o aluno acabou a punição, imediatamente fez a prova e teoricamente pode colar grau”. E acrescenta: “A universidade por si só não vai nunca colocar ninguém atrás das grades porque não é o papel dela. Mas é o papel dela saber se quer ou não um aluno com esse perfil dentro do seu campus. Ou recebendo um diploma”.

Daniel Tarciso da Silva Cardoso foi policial militar entre 2004 e 2008. Segundo matéria do Brasil Post, em fevereiro de 2004, ele discutiu com um homem na região da Rua Augusta, no centro da capital paulista que teria “se insinuado” pra ele e o matou com oito tiros. Foi condenado a 1 ano de reclusão mas houve recurso e o Tribunal de Justiça decidiu extinguir a pena em 2012. Em maio de 2015, Daniel se tornou réu no processo em que é acusado de dopar e estuprar ao menos uma estudante. O processo corre em segredo de justiça.

A senhora foi afastada de um cargo extremamente importante por e-mail e colocaram um homem no seu lugar…

Sim. Eu me senti muito desrespeitada no momento porque não houve transparência, isso não havia sido conversado comigo. E nós temos homens muito sensibilizados aqui, da área de violência inclusive. É claro que em algumas situações as mulheres tem uma abertura muito maior, mas é interessante dizer que, nessa luta, muitos homens dizem que a violência sexual é problema dos homens também. O professor Dario Birolini é bastante respeitado, saiu daqui aposentado e com méritos pelo seu trabalho em traumas físicos, era um excelente cirurgião. Mas quando eu vi o nome dele me surpreendi porque pensei: ele está aposentado há tantos anos, é uma pessoa de mais idade, um professor emérito que merece seus louros e aplausos por seu trabalho mas não tem nada a ver com a coordenação de um núcleo de violação de direitos humanos. As coisas já se modificaram um pouco desde então, eu já fui chamada para uma reavaliação porque entendeu-se que, de fato, houve pouca transparência. Está tudo em banho-maria por enquanto. Querer modificar o olhar e as atitudes que estão enraizados há muito tempo dentro da instituição não é fácil. Esse ano a gente trabalhou muito as consequências, em cima do mapeamento que fizemos em 2014, que foi importantíssimo. Quando os casos vieram à tona, houve esse trabalho feito por docentes do hospital, funcionários – era um grupo aberto que se reunia uma vez por semana para trocar informações e os alunos foram muito atuantes. No começo, quando eu ia falar como representante do núcleo de violência sexual, as pessoas falavam ‘nossa, lá vem…’ e com o passar do tempo, quando o grupo sobre assédio moral se fortaleceu, as pessoas começaram a se chocar ainda mais. Quando chegou na homofobia, os meninos falavam das coisas bizarras que estavam acontecendo, um padrão de comportamento que não aceita qualquer diversidade na universidade. Nós precisamos quebrar não só a cultura do estupro mas a da violência e da intolerância. E houve essa conduta de formar um núcleo de estudos e ações em direitos humanos, colocar uma ouvidoria que foi importantíssima. Nunca antes nessa Casa de Arnaldo (a faculdade de Medicina da USP) como eles gostam de dizer, um professor havia sido chamado por ter uma conduta inadequada em aula. Esse ano, sete professores foram chamados, só aqui da FMUSP. Eu sempre pergunto o que é proteger a instituição? A instituição só no nome não existe. Ela não existe se não tiver pessoas, todos os funcionários, professores, estagiários, estudantes fazem a instituição. Então se você quer proteger uma instituição, você proteja os direitos das pessoas.

Mas nem todo mundo pensa assim né?

É difícil porque as vezes acham que é preciso só dar uma nova pintura na casa, na fachada. E não é assim. Por isso nós sempre trabalhamos com muita transparência em tudo no núcleo, ele cresceu…

E acabou tomando uma dimensão talvez inesperada, acabou incomodando.

É… Mas nós estamos formando um grupo novo, com mais pessoas, com diversos profissionais, com uma pessoa do jurídico que entenda de direitos humanos, das normas institucionais, das normatizações da universidade com relação a seus alunos, seus professores, seus cursos. Tem uma professora nossa que está ligada ao NEADH (Núcleo de Estudos e Ações dos Direitos Humanos) que está fazendo junto com um aluno um novo código de ética, já que nosso código de ética interno é da época da ditadura, nele o termo direitos humanos não existe, possivelmente porque era proibido, então eles estão fazendo um código de ética da comunidade da faculdade de medicina da USP que vai englobar os direitos de todos.

Tudo que a senhora está dizendo mostra uma ampliação dessa história para além do caso do aluno acusado de estupro. Seu afastamento foi diretamente associado a este caso. Qual a sua percepção?

Foi muito próximo à minha insistência por uma nova punição para ele. Porque isso aconteceu na mesma semana. Eu havia pedido uma reunião com a jurista que vai integrar o núcleo na manhã daquela sexta-feira, com a ideia de saber o que poderíamos fazer pra que ele tivesse uma nova punição já que a dele estava acabando. Me disseram que foi só coincidência, mas o que me impressiona é que o aluno acabou a punição, imediatamente fez a prova e teoricamente pode colar grau. Mas eu gostaria de acrescentar uma vírgula: desde que não houvesse uma nova avaliação de sua pena. Era isso que eu estava perseguindo. Eu sempre falo que há exemplos de fora e mesmo aqui – a Unesp teve um caso de estupro e uma professora de lá disse em um congresso: “nós temos vergonha de ter tido um caso de estupro mas temos orgulho de ter expulsado o estuprador”. A universidade por si só não vai nunca colocar ninguém atrás das grades porque não é o papel dela. Mas é o papel dela saber se quer ou não um aluno com esse perfil dentro do seu campus. Ou recebendo um diploma. Saiu um livro recentemente no Brasil chamado Missoula, que fala de uma cidade pequena e universitária em Nevada que tem um número absurdo de estupros. Eles têm um time de futebol americano que levou a faculdade a ter uma classificação melhor entre as outras. E esses alunos são heróis na faculdade. O livro conta vários casos de estupros de alunas no campus ou em festas universitárias dentro de alojamentos e alguns feitos por esses alunos que ninguém tem coragem de acusar, que a própria comunidade não quer aceitar, e defende o agressor. Quando comecei a ler eu parei e disse ‘acho que fui eu que escrevi’. É um déjà vu. O medo das alunas de falar… Eu lembro sempre pras pessoas que o estupro é um crime contra a dignidade sexual. Não é roubar uma bolsa na rua que você corre atrás dizendo pega ladrão. Ninguém sai gritando assim depois de um estupro. É um crime que leva à vergonha, humilhação, até à culpa, e a sociedade fortalece essa culpa por essa questão grave de gênero de achar que pode julgar por onde [a vítima] estava, em que horário, com quem, vestindo o quê. É comum que a vítima não fale na hora. As alunas têm medo de contar e as famílias querem que elas voltem pra casa quando são de outra cidade, têm medo de sofrer represália, inclusive ameaças do agressor. E a gente tem essa situação de impunidade, essa situação de colegiados acharem que foi sexo consentido. Acho que a gente precisa fazer uma cartilha para as pessoas entenderem o que é consentimento e o que é vulnerabilidade.

E quando as alunas chegam para fazer essa denúncia na universidade imagino que além dessa carga tem o medo da reação da universidade.

‘Por que não contou antes? Você veio para a escola, eu vi você andando aqui, conversando com suas amigas, agora você está dizendo que está se sentindo tão mal? Você tem mais de 18 anos!’ Teve uma aluna que disse que procurou uma professora e ela disse ‘mas você tem mais de 18 anos, não é estupro’! Não tem conhecimento nenhum! É um assunto realmente colocado debaixo do tapete, por isso que as condutas saem assim. Porque as pessoas não têm experiência pra resolver e talvez não chamem as pessoas que sabem resolver…

Porque essas pessoas não vão jogar pra debaixo do tapete.

Exatamente. Fica na banalização, em coisas extremamente inadequadas como interrogatórios repetitivos, questionando ‘mas será que você estava bêbada, você tem certeza? Você disse não de verdade?’ colocam a vítima diante do agressor, isso não existem em lugar nenhum do planeta! É uma revitimização. Eu falo que 2014 é o ano que não acabou.

Somente esse aluno foi responsabilizado nessa sindicância de 2014?

Sim, porque só algumas garotas tiveram coragem e falaram desse. Tem outros, mas as meninas não tem coragem de falar. São muitas, e não vão falar nunca. Eu recebo garotas de outros cursos, as nossas que trabalham aqui, que estão estagiando, que fazem aulas, mas as daqui ficam mais constrangidas. Elas não tem coragem de formalizar a denúncia. Jamais irão a uma promotoria. Elas me procuram pela parte médica. Já recebi telefonema de aluna às 2 da manhã dizendo que tinha sido estuprada na festa e queria saber o que fazer de imediato. Às vezes atendo alunas em dias diferentes do público. São muitos casos e elas são silenciosas. Recebi aluna esse ano com caso de 2014, de 2015, do começo de 2016. O pacto de silêncio continua. Os estupros continuam a acontecer. Os assédios continuam a acontecer. A homofobia continua a acontecer. A intolerância continua a acontecer. Mas o medo é maior. Não esqueça que tem os veteranos, os calouros, e tem uma relação de poder durante todo o curso de medicina, uma hierarquia. Os mais novos têm medo não serem aceitos nos grupos, de sofrer bullying como as meninas que falaram sofrem até hoje. A violência sexual é sempre crime. Ela não é um desafio, não é uma brincadeira de festa, não é um ritual de passagem. É crime, e tem que ser tratada como crime.

E a universidade não tem tratado como um crime.

Pois é. Eu lutei. Fui atrás desse caso com força, pela punição isolada, pelo exemplo que daria a outros agressores, e pelo reforço de confiança às alunas porque é um aluno que tem processos de estupro, adulteração de bebidas em festas, são todos de coisas graves. E quando ele entrou na universidade, já tinha um homicídio. Isso não o proibiu de fazer um vestibular ou uma escola médica. E dentro da universidade ele teve uma penalidade próxima a de uma garota que foi pega colando na prova, que teve 12 meses de suspensão. Que balança é essa? Que valores são esses? É isso que eu tenho questionado. Como o doutor Dráuzio Varella falou tão bem em um vídeo, nunca vi um aluno homem beber muito e ser estuprado. Então é questão de gênero mesmo, né? É poder. Estou aqui com todo o meu poder e você vai sofrer. Ninguém bebe e vai agredir aquele colega grandão, mais forte. O grandão pode cair bêbado e ninguém mexe com ele. Tem a ver mesmo com força e poder.

Ele [o aluno acusado] é uma pessoa importante?

Não. Não é isso. É essa estrutura que precisa ser modificada. E não a do núcleo, mas a estrutura básica de professores antigos que não tem experiência em nada. Ele passou por algumas avaliações e tiveram sindicâncias. Ele tem bons advogados, o processo está em sigilo. A promotoria deu uma penalidade de 6 meses, depois outra de 12 meses e encerrou. Como não teve outra penalidade, por direito legal ele pode colar grau. Mas ora, a universidade tem autonomia! Não pode por atrás das grades mas pode dizer ‘não vai colar grau, não vai entrar no nosso campus nunca mais. Você está isolado do campus’. Eventos graves pedem penalidades graves. Por que não acontece isso? Eu acho que tem um machismo muito importante a ser considerado. Um menino que tem boas notas, ‘coitadinho, não vamos acabar com a vida dele, tava na festa, essas meninas bebem mesmo’. Os processos passam por muitas instâncias e nós temos pouco acesso a todas elas. A suspensão dele acabou no começo de outubro. A minha preocupação era essa, de acabar e a gente levar o caso para uma nova discussão e uma nova penalidade. Quando os primeiros seis meses encerraram, a justificativa da universidade para estender por mais 12 meses foi de que não tinha encerrado o processo dele lá fora. Passados os 12 meses, ainda não encerrou. Poderíamos segurar o processo por mais um tempo. Esse era meu desejo. E o de levar o caso a uma instância maior, que é o conselho universitário.

Quais são essas instâncias? Porque isso é confuso para quem é de fora…

Até pra quem está aqui. Passa por uma sindicância inicial, que manda pra congregação, que manda pro reitor e vai pra procuradoria geral da USP. A procuradoria tem um papel importantíssimo. As maiores decisões são tomadas lá. Ele estava suspenso e conseguiu fazer uma prova! Eu estava no NEADH e fui saber três meses depois que os advogados dele tinham conseguido uma liminar pra ele fazer a prova que faltava pra se formar. Entrei com um ofício e mandei para a procuradoria, para os Direitos Humanos, para a reitoria, para o Não Cala e para a ONU Mulheres. E, esperei bastante tempo, mas aquela prova foi anulada. Em outubro, quando encerrou, ele fez a prova de novo. Em 25 de outubro ele acabou os créditos. Mas ainda não se formou porque não colou grau.

E existe alguma chance de ele não colar grau?

Não sei, porque se não houve nenhuma penalidade, como a procuradoria vai proibir ele de colar grau? Estou achando que perdemos o bonde, entendeu? Porque poderia ter sido feita uma nova sindicância para uma nova penalidade. Estupro é um crime hediondo, contra a dignidade sexual, inafiançável. Não precisa de testemunha. Você parte da premissa que a mulher é sempre culpada, com um olhar de dúvida. Esse livro fala disso, sobre como as vítimas tem medo de falar, como elas acabam sendo julgadas e não os agressores.

E qual foi a explicação que te deram quando te chamaram agora?

Me chamaram e disseram que realmente faltou uma conversa, uma reunião, e que tinha sentido mesmo ampliar o núcleo como era nosso desejo. E eu espero que de fato que venham mais pessoas. Desde que entrei para o NEADH peço uma assessoria jurídica especializada. E me disseram que viria uma jurista de fora, fiquei muito contente, mas nem cheguei a conversar com ela. E eu tinha pedido a reunião porque queria conversar antes do aluno se formar, pra ela poder me orientar juridicamente. Porque eu sou médica, queria saber até onde poderíamos ir juridicamente, até onde poderíamos recorrer para chegar a uma penalidade adequada para o tipo de crime. Insisti muito nisso. Mas acho que agora ela virá e as pessoas do núcleo terão mais participação na escolha de quem fará parte. Serão escolhidas pessoas, não com uma ideia de dar méritos, aplausos ou recompensas porque foram professores conhecidos, mas para o assunto que vai ser trabalhado. O trote violento e humilhante tem que acabar, as ‘panelas’, esses agrupamentos de alunos nos últimos anos, que são muito graves. Antes existia uma ‘panela’ chamada ‘lixão’ que não existe mais na prática, porque se fez todo um sistema pra isso não acontecer, mas os alunos ainda conseguem fazer essas exclusões.

O que é o lixão?

É quando um aluno é recusado, nenhum grupo de colegas aceita ele. As meninas que falaram foram recusadas das ‘panelas’. Isso é uma violência gravíssima. Aí essas pessoas ficam juntas no que eles chamam de ‘panela do lixão’.

Professora, então com relação a este aluno não há mais o que fazer?

Estamos na expectativa do que vai acontecer. Por enquanto ele é considerado um aluno que encerrou seu curso, fez a última prova que tinha feito enquanto suspenso e foi cancelada. O certo seria rediscutir o fim dessa suspensão tão leve em relação a um crime tão grave. Em respeito às alunas, aos colegas, à classe médica, a todas as pessoas que podem ser pacientes dele.

Então com seu afastamento se ganhou tempo para não revisar essa suspensão e ele fazer a prova. E como está a sua situação agora?

Eu vou voltar a fazer parte do núcleo, vamos formar um grupo novo, maior, vamos chamar outros especialistas. E depois dessa tempestade vou confiar que ele seja ampliado e funcione com transparência.

Mas por enquanto ainda temos o dr. Birolini na coordenação do núcleo.

Eu não acredito que o doutor Dario apareça. Acho que ele considerou isso como uma homenagem, mas no fim foi tudo muito tumultuado. Eu não acredito que ele venha porque ele não está dentro do contexto, dos estudos e nem do planejamento para a ampliação do grupo.

E a Universidade justificou o convite a ele como?

Como professor emérito, como uma honra. Os outros professores também docentes, da faculdade de medicina da USP, acatariam melhor…

Um homem.

E eu sou do Hospital das Clinicas. Nós somos PHD, ‘peões ha décadas’ aqui dentro, trabalhando bastante com muito orgulho. E minha formação não foi aqui. Eu dei aulas durantes décadas na USP, mas não sou uma professora emérita, estou em atividade. A congregação tem muitas pessoas de mais idade que valorizam muito isso. Eu continuo porque recebi muito apoio e pedidos para que ficasse, que continuasse o trabalho, recebi e-mails das mulheres funcionárias que me deixaram emocionada, alunos, coletivos, colegas, me fortaleceram muito. A USP tem mulheres fortes, que fazem um trabalho muito importante.

Crédito da imagem destacada: Reprodução/Facebook

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Leia também

"A fogueira está armada pra nós"

Por ,

Negras são as principais vítimas do crime que mata as mulheres por serem mulheres; legislação específica ajuda, mas falhas na aplicação reduzem sua eficácia entre a população mais vulnerável

A condenação das vítimas

Por

Para além da polêmica do BBB: todos os dias, mulheres brasileiras sofrem todo tipo de abuso. Como no caso de Monique, ainda levam a culpa por isso.

Notas mais recentes

Brasil Paralelo gastou R$ 300 mil em anúncios contra Maria da Penha


Kids pretos, 8/1 e mais: MPM não está investigando crimes militares em tentativas de golpe


Investigação interna da PM do Maranhão sobre falsos taxistas estaria parada desde julho


Semana tem reta final do ano no Congresso, Lula de volta a Brasília e orçamento 2025


Ministra defende regulação das redes após aumento de vídeos na “machosfera” do YouTube


Leia também

"A fogueira está armada pra nós"


A condenação das vítimas


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes