“Em 2016, (…) nós tivemos um déficit desse sistema [da seguridade social] de R$ 258,7 bilhões, uma ampliação de 55,4% em relação a 2015.” – George Soares, secretário do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, durante a divulgação do Balanço da Seguridade Social, em 14 de março.
A afirmação de George Soares, secretário do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, sobre o tamanho do rombo do sistema da seguridade social baseia-se em dados do último Balanço da Seguridade Social divulgado pelo governo. O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – verificou a afirmação do secretário e classificou a fala como discutível. A contabilidade feita pelo governo para provar que existe um rombo é questionada por várias organizações. Segundo especialistas independentes, essas entidades usam outra metodologia de cálculo, com argumentos igualmente válidos. Por isso, não é possível determinar que um lado está mais certo do que o outro.
De acordo com a Constituição, a seguridade social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Para concluir que existe um déficit, o governo federal subtrai receitas e despesas destinadas a essas três áreas. De fato, segundo o balanço, houve aumento de 55,4% no déficit da seguridade entre 2015 e 2016, quando teria passado de R$ 166,5 bilhões para R$ 258,7 bilhões. O secretário de orçamento da pasta usou os dados corretos. Não há um consenso, no entanto, sobre que tipos de gastos devem ser considerados – o que coloca todos esses números em xeque.
A contabilidade do Planalto é questionada por diversas organizações da sociedade civil, como a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), além de profissionais independentes das áreas de economia e direito previdenciário. Os críticos baseiam-se em relatórios que demonstram existência de superávit no conjunto da seguridade social e afirmam que o governo não contabiliza receitas importantes, como as originárias de contribuições sociais, além de desfalcar o sistema com desonerações e desvinculações de receita, as chamadas DRUs. A sobra teria chegado a R$ 658 bilhões de 2005 a 2015.
Já Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, defende a contabilidade do governo e alega que muitos dos argumentos contrários à reforma da Previdência Social são “falaciosos”. Em evento recente, ele citou como exemplo de argumento falso as afirmações de que não haveria déficit no sistema previdenciário. Não há consenso entre os especialistas consultados pela reportagem sobre qual contabilidade é mais correta. Para entender melhor os detalhes desse debate, leia a checagem “Reforma da Previdência: sobra dinheiro na seguridade social?”.
Conteúdo parcial
O relatório do Ministério do Planejamento é incompleto e não detalha todas as receitas e despesas que compõem o rombo. As despesas que constam no documento são citadas genericamente. Muitas delas não estão descritas em valores nominais, mas em porcentagem do PIB, o que dificulta a comparação entre diferentes anos. Entramos em contato com o ministério e solicitamos informações mais detalhadas, para verificar qual o peso de cada despesa e receita na composição do déficit. A reportagem não teve resposta dentro do prazo estipulado.
Uma das rubricas presentes no balanço engloba, por exemplo, todos os benefícios concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que pagou, em dezembro de 2016, mais de 33,7 milhões de benefícios. O RGPS inclui aposentadorias por idade, tempo de contribuição e invalidez, Benefícios de Prestação Continuada (BPC), auxílios-doença e pensões por morte, por exemplo. No entanto, o relatório do Ministério do Planejamento não mostra qual foi a despesa do RGPS em valores nominais, apenas em porcentagem do PIB.
Foi possível verificar estes números em outros arquivos, compilados pela Previdência Social. Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social, houve déficit de R$ 149,7 bilhões no resultado de 2016. O déficit alegado pelo Ministério do Planejamento em todo o sistema de Seguridade Social para o mesmo período é de R$ 258,7 bilhões. Portanto, a Previdência Social seria responsável por 57% do déficit do conjunto no ano passado.
Segundo os Boletins Estatísticos da Previdência Social, em especial o último, divulgado em fevereiro, o valor gasto com pagamento de benefícios não está aumentando vertiginosamente. A despesa registrada pelo INSS em 2016 com benefícios emitidos foi de R$ 485,2 bilhões, número 15% maior que o registrado em 2015, quando foram gastos R$ 421,8 bilhões na rubrica. De 2014 para 2015, o aumento foi de 10,8%.
No entanto, o resultado da Previdência Social, que é o valor da arrecadação do INSS subtraído da despesa com benefícios emitidos e manutenção do órgão, é negativo. Isto ocorre desde 2003, quando têm início os registros do Relatório de Resultado do RGPS. Mas, de acordo com o relatório, de 2015 para 2016, o déficit do RGPS aumentou 74%. Vale notar que, de 2015 para 2016, o déficit de todo o sistema de seguridade social, segundo o próprio governo, aumentou menos: 55,4%, como afirmou Soares.
Já a arrecadação do INSS continua subindo, apesar da crise econômica, mas agora com um ritmo bem lento. O boletim mostra a evolução do valor arrecadado pela Previdência Social desde 2006 e demonstra que, desde o início da série histórica, registra-se aumento na arrecadação. Entretanto, seu crescimento já não acompanha a ascendência nos gastos com benefícios. De 2015 para 2016, por exemplo, o aumento na arrecadação foi de apenas 2,2%.
Dívidas das empresas
Outro dado não informado no balanço do Ministério do Planejamento é o valor das dívidas das empresas com a Previdência Social. A contribuição previdenciária dos empregadores é uma das principais fontes de receita da seguridade. O Truco entrou em contato com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e solicitou dados atualizados referentes ao valor da dívida e também informações sobre o grau de possibilidade de pagamento estimado para cada parcela do débito.
Segundo o órgão, em março deste ano a dívida previdenciária ativa totalizava R$ 433,8 bilhões. A lista dos 500 maiores devedores previdenciários, disponível na íntegra, relaciona entre os 50 primeiros lugares algumas empresas falidas, como as companhias aéreas Vasp e Transbrasil, mas também diversas empresas que ainda operam no país, como os frigoríficos JBS e Marfrig, os bancos Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil e gigantes como Volkswagen e Vale.
A Procuradoria não respondeu, dentro do prazo do Truco, qual seria o percentual da dívida considerado de recuperação remota. À reportagem da Repórter Brasil, publicada em fevereiro deste ano, a Procuradoria afirmou que, dentre as 32.224 empresas que mais devem, que apenas 18% são extintas, enquanto a grande maioria, 82%, são ativas. Segundo a mesma matéria, o órgão classifica que apenas 4% do montante da dívida têm alta probabilidade de recuperação, 38% têm média chance, 28% tem baixa chance e 30% tem chances remotas.
Mansueto Almeida e Marcos Mendes, que fazem parte da equipe econômica do Ministério da Fazenda, afirmam, em artigo publicado na Folha de S.Paulo dia 26 de março, que “dos R$ 433 bilhões inscritos em dívida ativa, R$ 52 bilhões já foram renegociados e estão sendo pagos”. Para eles, “outros R$ 221 bilhões são de recuperação remota, a maioria devida por empresas falidas”. Restaria, portanto, um valor de R$ 160 bilhões que, segundo os autores do artigo, já está em cobrança – a quantia supera o déficit registrado no Boletim Estatístico da Previdência Social de fevereiro.
Conclusão
O Truco avalia que, apesar de incluir um número que é confirmado por relatórios do Ministério do Planejamento, a frase de George Soares traz um dado controverso, já que diversas entidades questionam a contabilidade do governo em relação à existência de um déficit da seguridade social. Por isso, classificamos a frase como discutível, já que a conclusão sobre o seu conteúdo varia de acordo com a metodologia adotada.