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Reportagem

Quem matou e quem mandou matar Jairo de Sousa?

A morte do radialista é o segundo caso investigado pela equipe da Abraji dentro do Programa Tim Lopes

Reportagem
21 de setembro de 2018
09:00
Este artigo tem mais de 6 ano

O assassinato do radialista Jairo de Sousa, de 43 anos, em Bragança, no nordeste do Pará, completa 3 meses nesta sexta-feira, 21 de setembro, sem que nenhum suspeito tenha sido apontado. Para pedir celeridade nas investigações, Jairo José Sousa Jr., de 18 anos, filho do radialista, disse que está programada para hoje uma manifestação na cidade. Junior, como é chamado, ajudava o pai na rádio e nutre o sonho de ser radialista: O espírito de luta dele está em mim. O que está errado tem de mudar. Medo, a gente sempre tem, mas a luta não pode parar.”

O assassinato do radialista Jairo de Sousa, de 43 anos, em Bragança, no nordeste do Pará, completa 3 meses nesta sexta-feira, 21 de setembro

Os dois tiros que mataram seu pai levantaram um véu que encobre transações de negócios públicos e privados na região. O crime espalhou medo em outros colegas de profissão e revelou a existência de uma lista de quatro alvos marcados para morrer – o radialista era o segundo nome na lista. Há 12 anos, ele usava colete à prova de balas por conta das ameaças recebidas ao longo de sua carreira em emissoras de municípios vizinhos e em Bragança. Naquela madrugada, estava sem o colete.

Em seu programa, que começava às 5h, Sousa fazia denúncias, como obras realizadas por empresas que pertencem a parentes de prefeitos e secretários, falta de merenda escolar, editais com licitações direcionadas e oferta de emprego feita por secretário a vereadores em troca de votos e apoio político. Horas após a sua morte, uma força-tarefa foi montada em Belém e iniciou a investigação, que está sob sigilo.

O caso está a cargo da equipe do diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Pará, Fernando Bezerra, que recebeu os áudios dos últimos dois meses do programa de Jairo, onde ele cita pelo menos duas dezenas de pessoas ligadas às denúncias. Essas pessoas já foram ouvidas pelos policiais, que continuam em diligência pela cidade.

A rotina do radialista era conhecida por seus ouvintes. Ele não escondia os horários de chegada, dez minutos antes de começar o programa, e de saída da rádio, quatro horas mais tarde. A polícia investiga quem seria o mandante e o atirador, que estava em um carro estacionado em uma rua próxima. Em um vídeo, o assassino sai do carro, caminha na direção ao prédio onde fica a rádio e depois volta correndo para o veículo, onde estariam outros dois homens.

A investigação do delegado Dauriedson Bentes da Silva já identificou a existência de um segundo carro que ficou parado próximo ao portão que dá acesso a uma escada no antigo prédio sem elevador, onde a rádio está instalada, no quarto andar. Além de dar cobertura ao assassino, a função dos ocupantes do carro seria a de identificar o radialista.  

Programa Tim Lopes

A morte de Jairo de Sousa é o segundo caso investigado pela equipe da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) dentro do Programa Tim Lopes, financiado pela Open Society Foundations. O primeiro foi o de Jefferson Pureza, de 39 anos, em Edealina, no interior de Goiás, executado com três tiros na cabeça quando descansava na varanda de sua casa, em 17 de janeiro de 2018. Seis pessoas estão detidas.

A morte de Jairo de Sousa é o segundo caso investigado pela equipe da Abraji dentro do Programa Tim Lopes

O vereador José Eduardo Alves da Silva (PR), acusado de ser o mandante, e outros dois homens que participaram da negociação do crime, esperam o julgamento. Três menores cumprem medidas socioeducativas: um atirou, o outro pilotou a moto e o terceiro recrutou os dois para a realização do crime que custou R$ 5 mil mais um revólver 38.

Os dois casos mostram uma realidade do chamado Brasil Profundo, onde o trabalho de comunicadores encontra-se sob risco, na medida em que aumentam o tom das denúncias contra as autoridades locais.

Sousa denunciava autoridades não só de Bragança, como de outros municípios: “Ele era uma bomba atômica ambulante. Batia forte, sem dó. Usava palavras pesadas como ‘vagabundo’, ‘ladrão que rouba dinheiro de povo’. Isso cria um certo ódio”, conta Gerson Peres Filho, diretor-geral da Rádio Pérola FM.

A viagem antes da morte

No programa na véspera de sua morte, Jairo de Sousa avisou que, no dia seguinte, iria revelar o nome do vereador que estava negociando a distribuição do Cheque Moradia. O benefício de R$ 15 mil seria entregue a moradores que perderam suas casas na inundação de maio de 2018.

Algumas lacunas ainda precisam ser preenchidas para reconstituir o que aconteceu depois que ele saiu da rádio, pouco depois das 9h. De lá, ele percorreu 103 quilômetros de Bragança até Igarapé-Açu, passando por Capanema, Peixe-Boi e Timboteua. No entanto, esse trajeto levou mais tempo do que o habitual. Segundo o delegado Dauriedson da Silva, há um intervalo entre 9h e 15h no qual ainda não se sabe onde o radialista esteve, já que teria chegado a Capanema, que fica a 53 km de distância de Bragança, depois das 15h.

Tanto na ida, quanto na volta, o radialista fez ligações para sua ex-mulher Cristina Sousa, de 33 anos, com quem viveu 18 anos e teve dois filhos. Mesmo depois do outro casamento de Jairo, cinco meses antes de sua morte, os dois mantinham uma boa relação. O radialista almoçava todos os dias com Cristina e os filhos, de 17 e 13 anos, além de manter o ritual de ligar para ela quando iniciava e terminava o programa.

Cristina também acolheu um outro filho do radialista, de 20 anos, de um casamento anterior. Ao todo, Jairo casou três vezes e teve 14 filhos, dentro e fora dos casamentos. Além do hábito de usar colete, também tomava outra precaução: mudava de carro constantemente. De acordo com Cristina, não ficava nem seis meses com um veículo: Ele recebia telefonemas com número desconhecido. Dizia para eu não atender, nem abrir a porta para quem não conhecesse”.

Sousa, que já trabalhara na Rádio Pérola FM, em Bragança, duas décadas antes, voltou para o microfone daquela rádio oito meses antes de sua morte. Antes, ficou uma década em Capanema, na Rádio Princesa, do deputado federal Wladimir Costa (SD), com o programa Patrulhão 106. O radialista foi candidato a vereador em Tracuateua, em 2012 pelo PRB, teve 286 votos e não foi eleito.

Na viagem na véspera de sua morte, ele disse, em telefonema a Cristina, que fora a Igarapé-Açu “buscar um dinheiro”, mas sem dar mais detalhes. Segundo ela, o radialista saiu daquela cidade com R$ 1.300. Toda sexta-feira, ele entregava R$ 400 para manutenção dela e de seus filhos, além de levar compras para a semana.

A lista e o medo

Para quem está na lista dos quatro alvos, o medo é presente, e todo cuidado é necessário. O repórter Ronny Madson, da Rádio Educadora, disse que ele integrava um “grupo investigativo” ao lado de Sousa, do advogado e vereador Rivaldo Miranda (PMDB) e do empresário Gleidson Veras. Eles coletavam provas e documentos e faziam denúncias de corrupção que eram veiculadas nas rádios, nas redes sociais e na tribuna da Câmara. Veras saiu com a família da cidade e ficou longe por 15 dias. Miranda buscou autorização para comprar um colete à prova de balas e obter porte de arma.

O vereador é autor de várias representações contra a gestão municipal. Em uma delas, de 17 de julho de 2017, pede ao Ministério Público de Bragança providências para os crimes de corrupção ativa, condescendência criminosa, prevaricação e improbidade administrativa por conta de oferta de trabalho em troca de possível apoio político.

Em uma ação popular, de 2 de abril de 2018, o vereador conseguiu suspender uma licitação para pavimentação de ruas em Bragança, no valor de R$ 2,9 milhões, alegando edital viciado. No item de qualificação técnica, a empresa licitante deveria ser proprietária ou arrendar uma usina de asfalto na região. Na área da chamada microrregião bragantina, onde estão 13 municípios, apenas a empresa da família do prefeito tem uma usina de asfalto. A licitação suspensa voltou meses depois, sem o item questionado na ação.

O prefeito Raimundo Nonato (PSDB) foi procurado na cidade pela equipe da Abraji por três vezes e cancelou um encontro marcado. Seus assessores alegaram que ele estava muito ocupado com atividades na prefeitura e lamentavam não poder atender ao pedido.

Negócios em família

Algumas denúncias que estão nos áudios dos programas e serão analisadas pela polícia tratam de obras em Bragança e nos municípios vizinhos, onde os nomes de duas empresas se repetem: Rodoplan Serviço de Terraplenagem, criada em 2004, e a Rodoterra Ltda-EPP, criada em 1995. Documentos a que a equipe da Abraji teve acesso mostram que, no DNA dessas empresas, aparece o atual prefeito, Raimundo Nonato de Oliveira. Na ciranda de alterações de contrato social, a Rodoterra está atualmente nas mãos dos filhos do prefeito: Adriana Katie Lobato de Oliveira, Arcângela da Silva Oliveira do Rosário e Charles Williams Lobato de Oliveira, mais conhecido como Charlão, que também bate ponto na Câmara de Bragança como vereador do PSDB.

Já a Rodoplan abrigou como primeiras sócias a mesma Arcângela e a irmã Patrícia da Silva Oliveira. Em documento de 3 de setembro de 2004 consta que, na época, Arcângela tinha 20 anos e Patrícia 22, ambas estudantes e moradoras de Ananindeua. A empresa, com capital social de R$ 400 mil foi registrada com sede em Bragança, no bairro Vila Cururutuia, no ramal Benjamim Constant, 156, no que terreno que fica ao lado da casa do prefeito.

Dez anos depois, Patrícia doou sua parte ao próprio pai, na época com 68 anos. A irmã Arcângela, antes de deixar a sociedade, passou suas cotas para o pai e para Eliena Caroline Ramalho Dias, de 24 anos, qualificada no documento como empresária e solteira, mas que já vivia com Raimundo.

De olho nas eleições de 2016, Raimundo se retirou da sociedade, em maio de 2015, onde detinha 90% das cotas no valor de R$ 2,7 milhões e dividiu sua parte igualmente entre três pessoas: a mulher, Eliena, o neto Lucas de Oliveira Lima e Moisés Batista de Oliveira Junior, ambos com 19 anos e qualificados como empresários. Eliena passou a ser a sócia majoritária e administradora.

Em 12 de junho de 2017, o capital da empresa estava em R$ 5 milhões e Eliena continuava na sociedade, apesar de o marido ocupar o cargo de prefeito e ela, o de primeira-dama e secretária de Promoção Social. A situação só mudou três meses depois, quando ela passou todas as suas cotas para Luiz Otavio Maia Costa, de 58 anos. Essa mudança ocorreu pouco depois de a Rodoplan ganhar a licitação de R$ 16,9 milhões do governo estadual para pavimentar 35,5 km da PA 458, no trecho Bragança/Vila Ajuruteua.

Os parentes do prefeito se alternam no quadro de sócios das empresas e, quando necessário, o sócio de uma representa a outra. Em 20 de abril de 2017, a Rodoplan assinou um contrato com o governo do Pará para recuperação e pavimentação de 40 km de vias, ao custo de R$ 14,9 milhões. No documento, Adriana Katie Lobato de Oliveira assina o contrato como procuradora da Rodoplan. A filha do prefeito é sócia da Rodoterra, ao lado de dois irmãos, e também é mãe de um dos sócios da Rodoplan, Lucas. O rapaz tem 22 anos e mora com ela num condomínio no bairro Coqueiro, em Belém.

*Angelina Nunes é mestre em Comunicação pela Uerj (RJ). Ela recebeu prêmios internacionais de jornalismo, como Rey de España, IPYS e SIP, e nacionais, como Esso, Embratel, Vladimir Herzog e CNH. É membro do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) e coordenadora do Programa Tim Lopes.  

Programa Tim Lopes é uma reação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) à violência contra jornalistas. Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.

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