No mesmo ano em que o Facebook se tornou o maior fornecedor de campanhas eleitorais – a empresa de Mark Zuckerberg já faturou mais de R$ 19,4 milhões com impulsionamento de propagandas políticas, segundo o TSE –, um aplicativo de celulares tem ganhado centralidade na estratégia digital de diversos candidatos. E chamado a atenção do Ministério Público Eleitoral (MPE) .
O app Talkative, desenvolvido pela startup pernambucana Wololo, foi adotado por campanhas políticas de peso – desde a dos presidenciáveis Geraldo Alckmin, do PSDB, e João Amoêdo, do partido Novo, até candidatos a governador como Rodrigo Rollemberg, que concorre no distrito federal pelo PSB.
Em seu site oficial, o app promete ser mais barato e mais eficiente que o impulsionamento de conteúdos no Facebook para conquistar votos. “Pare de pagar por likes e cliques”, diz o texto do app.
Disponível gratuitamente na Play Store, a plataforma pode ser usada por todo tipo de marca ou empresa. Os contratantes pagam cerca de R$ 1 para cada usuário cadastrado em sua base de militantes virtuais. Cada “comunidade” dentro do Talkative pode ter até 800 voluntários. Mas, diferentemente do Facebook, segundo a descrição do app, por apenas R$ 1 cada militante chegará a compartilhar em diversas redes, atingindo uma média de 500 amigos. “Lembre-se, 90% acreditam na opinião dela. Independente de quantos cliques isso gerar, o custo ainda será de apenas R$ 1 por mês”, diz.
Tanto as comunidades dentro do Talkative quanto os apps personalizados são gerenciados pela Wololo, que tem 30% da sua clientela formada por contratos com campanhas eleitorais.
Os contratantes podem optar por uma versão personalizada, sem limite de usuários, como a campanha tucana à Presidência. O aplicativo se chama “Talckmin” e já foi baixado mais de mil vezes na Play Store. Hoje, segundo apurou a reportagem da Pública, ele está sendo investigado pelo MPE, que averigua se as vantagens oferecidas aos militantes contrariam a lei eleitoral.
Outra versão do aplicativo, usada pelo Partido Novo na campanha presidencial de João Amoêdo, o Novo Mob, contabiliza mais de 10 mil downloads e 49 mil usuários cadastrados, e é tido como o grande trunfo do empresário nas redes. Ele incentiva seus usuários a curtir, assistir e compartilhar postagens do candidato no Facebook, além de disponibilizar propagandas eleitorais para serem enviadas pelo WhatsApp e demais redes sociais. Em troca, os militantes recebem “pontos” e podem ganhar até “prêmios” por isso. E promete entregar informações em primeira mão, “missões exclusivas” e “medalhas” pela participação.
A promessa de prêmios do Partido Novo foi questionada por usuários no Twitter na última semana de agosto. Depois disso a empresa Wololo suprimiu tais recompensas em todos os seus aplicativos.
A Lei das Eleições veda “a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros”.
Para o advogado Irapuã Santana, mestre em direito processual que assessorou a presidência do TSE, “a legislação sobre o impulsionamento de conteúdos nas redes sociais durante as eleições busca impedir justamente esse tipo de ferramenta digital, pois ela altera a forma como a propaganda eleitoral é distribuída”.
Usado em pelo menos 18 campanhas
Nas últimas semanas, a Pública acompanhou versões do App Talkative usadas por diversas campanhas. E identificou variadas premiações oferecidas aos militantes.
No app do Partido Novo, o Novo Mob, o eleitor mais engajado recebia uma ligação de João Amoêdo, segundo a reportagem apurou junto a uma fonte do partido. Na campanha de Ada de Luca, candidata a deputada estadual em Santa Catarina pelo MDB, o usuário mais ativo ganhava um lugar no grupo de marketing digital da candidata – o aplicativo não deixava claro se havia alguma remuneração pelo posto. A candidata não deu retorno aos questionamentos enviados por e-mail.
Eden Wiedemann, CEO da Wololo, afirmou à Pública que o Talkative não oferece nenhum tipo de recompensa vinculada às ações dos usuários na plataforma. “Alguns candidatos ofereceram recompensas na pré-campanha, quando isso era permitido”, argumenta.
No entanto, a reportagem identificou promessas de prêmios durante a campanha eleitoral, que foram retiradas do ar, mas podem ser vistas nas imagens abaixo, retiradas quando estavam ativas, no dia 29 de agosto.
“A legislação eleitoral não fala nada sobre a hipótese de um candidato oferecer a participação em um evento às pessoas mais engajados na campanha, como uma discussão ou uma roda de conversa”, acrescentou o executivo. “Não há nada referente a isso na lei eleitoral. A orientação que demos aos candidatos foi de não realizar ações desse tipo. Mas você consideraria um prêmio vinculado ao voto de uma pessoa oferecer a participação em um evento para discutir propostas?”, questiona.
Em nota, a assessoria de imprensa do Novo afirmou que a promessa de prêmios “é uma mensagem padrão do aplicativo contratado, cuja alteração já foi solicitada”. O partido acrescenta que “não oferece nenhum tipo de contrapartida durante o processo eleitoral” e que “o aplicativo apenas ranqueia o engajamento dos seus usuários para estimular a divulgação do partido e da candidatura”.
O advogado Irapuã Santana discorda. Para ele, a compra de votos não precisa necessariamente envolver valores financeiros ou materiais. “A lei eleitoral é taxativa: o partido ou o candidato não pode sequer prometer qualquer tipo de vantagem para o eleitor em troca de apoio político”, diz. Por aumentar artificialmente a repercussão de conteúdos postados no Facebook, ele avalia que “o aplicativo é uma forma de burlar a lei eleitoral”.
Banido e investigado
O aplicativo Talckmin chamou atenção do MPE, que abriu um procedimento para apurar irregularidades na campanha do presidenciável Geraldo Alckmin. O órgão elaborou um laudo elencando indícios de irregularidades e solicitou esclarecimentos.
Um dos pontos que chamaram atenção dos técnicos do MPE, em primeiríssima análise, foi a existência de um tipo de premiação. Segundo um membro do MPE, mesmo que a premiação seja simbólica, a legislação eleitoral sobre compra de votos proíbe o oferecimento de “vantagem pessoal de qualquer natureza”. A mera promessa de algum tipo de vantagem já seria um indício de transgressão da lei.
Procurada, a campanha de Geraldo Alckmin não retornou os e-mails e mensagens de nossa reportagem.
Essa “zona cinzenta” chamou também atenção da Apple, que decidiu banir da App Store os aplicativos de candidatos no começo de setembro. Além do Talckmin, Novo Mob, Ada de Luca e Rollemberg, também foram excluídos os aplicativos de Paulo Skaf (MDB-SP), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), Waldez Góes (PDT-AP), Paulo Câmara (PSB-PE), Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), e Expedito Júnior (PSDB-RO). Entre os candidatos a deputado, Lucas Vergílio (SD-GO), Romero Sales Filho (PTB-PE) e Weverton Rocha (PDT-MA) também foram identificados utilizando o app. Todos eles são oferecidos pela Wololo.
Dentro do App do Partido Novo, existem comunidades dos candidatos Alano Queiroz (deputado federal, GO), Valdemar Kjaer (deputado federal, RO), Luiz Barbosa Neto (deputado federal, SC), Paulo Grando (deputado federal, MT), Ricardo Mellão (deputado estadual, SP) e Tunico Caldeira (deputado federal, MG).
Tanto os apps do Novo quanto dos demais candidatos ainda podem ser baixados para a plataforma Android, no Google Play.
Segundo Wiedemann, a decisão da Apple veio depois do que ficou conhecido como “mensalinho do Twitter” – o aplicativo Follow, ligado ao deputado federal Miguel Corrêa (PT-MG), remunerava influenciadores digitais para compartilhar comentários e conteúdos favoráveis a políticos do PT. A prática é vedada pela legislação eleitoral. Recentemente, o Facebook baniu o uso do Follow e desmantelou a rede de perfis que se envolveram no caso.
Agora, a Wololo está acionando a Apple na Justiça. “Quando ocorreu a questão com o Follow, a Apple retirou vários apps relacionados a campanhas e fez algumas alegações técnicas, dizendo que nenhum aplicativo pode oferecer recompensa em dinheiro. Mas o Talkative não faz isso”, explica Wiedemann.
Procurada, a Apple não atendeu as ligações da Pública e não respondeu aos questionamentos encaminhados por e-mail.
Wiedemann afirma que entre as cláusulas do contrato da Wololo com os candidatos está a proibição de compartilhar notícias falsas, usar o app para difamar adversários ou praticar qualquer irregularidade eleitoral.
Sem transparência
Entre os 18 candidatos que usam o aplicativo, localizados pela Pública, apenas Rollemberg e dois candidatos a deputado federal do Partido Novo declararam ao TSE que contrataram diretamente a Wololo. Paulo Grando (Novo-MT) declarou um contrato de R$ 6 mil com a empresa e Valdemar Kjaer (Novo-RO) afirma que contratou R$ 6,3 mil em serviços prestados pela firma. Rollemberg declarou um contrato no valor de R$ 80 mil. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral.
A Pública procurou a assessoria dos candidatos citados, mas não obteve retorno na maioria dos casos.
Por meio de sua assessoria, Paulo Skaf (MDB) informou que a Wololo não foi contratada por sua campanha. Romero Sales Filho (PTB-PE), candidato a deputado estadual, foi procurado, mas disse que não prestaria esclarecimentos. “O app é aberto, você pode baixar e usar, lá estão todas as informações disponíveis sobre o uso. Não há mais nada o que esclarecer”, declarou.
Em nota, o Partido Novo se pronunciou apenas sobre as premiações oferecidas no aplicativo e sobre o número de usuários cadastrados, mas silenciou a respeito da prestação de contas parcial.
Wiedemann afirma, sem citar nomes, que uma das campanhas contratou o serviço por meio de uma agência de propaganda. Questionado sobre os demais nomes que constam nessa reportagem, ele afirma que “são as agências de comunicação que tratam sobre isso com a gente. Não são todos os contratos que passam por mim”.
Ele acrescenta que os contratos podem ser celebrados também pelos partidos, agências de publicidade e até por pessoas físicas, que nesse caso deveriam ser declaradas doadoras da campanha. Ele acha improvável que candidatos coloquem o app nas lojas de aplicativos sem prestar contas. “A maior parte das campanhas fecham as contas relativas ao [marketing] digital apenas no final da eleição”, diz.
“O Facebook só libera as notas fiscais de impulsionamento duas semanas depois da compra, por exemplo. Então, quem está comprando mídia só vai prestar contas disso no final da campanha. Falo isso por experiência própria”, afirma.
Em um parecer recente, o MPE afirmou que “entende que a realização de despesas em data anterior à data de entrega da prestação de contas parcial e não informadas à época configura irregularidade grave e insanável, que enseja a desaprovação das contas”. O parecer foi emitido no julgamento da prestação de contas da campanha de 2016 de uma candidata a prefeita, em documento assinado pelo procurador Francisco Machado Teixeira, da Procuradoria Regional Eleitoral de Pernambuco (PRE-PE), em maio.
O CEO reafirma que a responsabilidade sobre prestar contas adequadamente sobre os contratos compete exclusivamente à contabilidade das campanhas.
Talkative no Amapá
Entre os candidatos que não declararam, um nome que salta aos olhos é o de Waldez Góes (PDT-AP), atual governador do Amapá, que concorre à reeleição. No ano passado, o governo do Amapá firmou um contrato com a Wololo para que o Talkative fosse utilizado gratuitamente durante seis meses pela Secretaria de Comunicação do Amapá para realização do chamado “endomarketing”, comunicação interna com todos os servidores públicos do estado.
O MPE no estado investiga a ligação entre o contrato do governo do estado e campanhas eleitorais aliadas. A investigação é “prematura” e ainda “trabalha sobre indícios”, segundo fonte do MPE ouvida pela Pública.
Eden Wiedemann explica que o órgão apura a existência de algum tipo de relação entre o termo de cessão da Wololo com o governo do estado e campanhas eleitorais.
Waldez Góes é alvo de uma ação da PRE-AP pela prática de “conduta vedada ao agente público” durante a campanha eleitoral. Segundo a procuradoria, o governador aproveitou-se das prerrogativas do cargo para realizar ato de campanha no Comando-Geral da Polícia Militar do Amapá, no dia 31 de agosto, interrompendo as atividades do curso de formação de soldados para divulgação de sua campanha eleitoral para cerca de 300 alunos.
Por e-mail, a reportagem tentou conversar com a procuradora regional eleitoral do Amapá, Nathalia Mariel, mas não obteve retorno.
O CEO da Wololo afirma que a plataforma do governo do Amapá nunca chegou a ir ao ar e não tem nenhuma relação com a campanha de reeleição. “A gente chegou a assinar o termo de cessão, realizou treinamentos com a equipe do governo, mas o app nunca foi lançado”, alega. “A aplicação do Waldez foi contratada pelo partido para o período eleitoral, sem nenhuma relação com o termo de cessão”, diz.
Questionado sobre a ausência da Wololo nas contas da campanha de Waldez, Wiedemann reafirma que o contrato foi feito por meio do partido para a campanha. “Essa questão sobre o lançamento do contrato na prestação de contas teria que ser vista diretamente com eles”, esclarece.
A Pública tentou entrar em contato com Waldez Góes, que não respondeu às nossas mensagens.
Eden Wiedemann, CEO da Wololo, já foi secretário de Meios Digitais do Governo do Distrito Federal e coordenou o núcleo digital da pré-campanha presidencial de Eduardo Campos (PSB), em 2013. Ele também foi diretor de redes sociais da campanha de José Serra (PSDB) à prefeitura de São Paulo.
Além de Wiedemann, a Wololo tem como sócios o advogado João Loyo de Meira Lins, o produtor e empresário Alexandre Balls Sallouti, o engenheiro Sergio Rapoport e o publicitário Jackson Teani Fullen.
Compartilhamento no escuro, mas sem robôs
Ao instalar o Talkative, o usuário concede ao aplicativo a permissão para acessar sua localização de GPS, além de acesso aos arquivos e fotos armazenados no dispositivo. Pelo Facebook, o usuário compartilha com o aplicativo seu nome, foto de perfil, endereço de e-mail e também a autorização para o envio de notificações. O conjunto de permissões pode ser usado para a entrega de mensagens segmentadas para públicos de acordo com sua zona eleitoral, por exemplo.
Porém, alguns posts encontrados nos aplicativos dos candidatos pela reportagem não permitem que o usuário leia o inteiro teor das mensagens que está compartilhando – o que pode ser um problema do ponto de vista legal, além de contrariar os termos de uso do próprio Facebook, que proíbe que páginas restrinjam o acesso ao conteúdo “solicitando que as pessoas curtam, compartilhem ou recomendem antes de visualizá-lo”.
Casos como esse foram identificados pela Pública nos apps de Geraldo Alckmin, Romero Filho, Reinaldo Azambuja, Lucas Vergílio e também no do Partido Novo.
Questionado, Wiedemann afirma: “Isso é um pequeno bug que estamos corrigindo”. Segundo ele, em posts com textos muito longos, o usuário não consegue ler completamente a legenda. No caso de vídeos, o conteúdo não é carregado.
Procurado, o Facebook não quis comentar oficialmente o caso até o fechamento desta reportagem.
Organizando a militância
De acordo com Fred Perillo, marqueteiro eleitoral que usa o Talkative em uma campanha, sua lógica é a mesma do “boca a boca”: “Um político falar sobre si mesmo em uma propaganda é normal e esperado. Quando o seu amigo compartilha algo sobre um candidato, ele está recomendando esse candidato para a rede de contatos dele. Isso tem muita força”. Perillo entende que ampliar o alcance de um conteúdo é cada vez mais difícil desde que o Facebook passou a reduzir drasticamente o alcance de publicações feitas por páginas e empresas, no começo do ano. Agora, quando uma postagem passa a receber um engajamento intenso de forma orgânica (aquele que é realizado espontaneamente pelo usuário), ele acaba sendo visto por mais seguidores. E o marqueteiro confirma que o uso do Talkative ampliou o alcance orgânico da campanha que gerencia.
O professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos de Imagem e Cibercultura (Labic-Ufes), acredita que o mecanismo do Talkative é de organização da militância, semelhante aos grupos no Facebook. “Militantes têm muitos grupos diferentes. Aí eles compartilham esses posts nos grupos e os membros dos grupos também compartilham.”
“A quantificação dos compartilhamentos pelo Facebook é também um pouco enganosa, pois uma pessoa pode compartilhar várias vezes o conteúdo em vários grupos”, explica. “[A campanha] Ter um ecossistema de grupos e páginas em torno de uma candidatura e mais estratégias como essa do Talkative pode inflar o número de compartilhamentos e fazer com que a página tenha mais organicidade”, complementa Malini.
O especialista acredita que o app é um “uso muito inteligente de tecnopolítica” e que não vê problemas legais na sua utilização, desde que os usuários estejam engajados no app voluntariamente, sem usar perfis falsos ou robôs.
“Não há nenhum tipo de automação ou obrigação para os usuários da plataforma. Tudo é feito de forma voluntária. Os botões de compartilhamento no Facebook e no Twitter existentes no Talkative funcionam diretamente por meio da API oficial dessas redes”, defende Wiedemann. “Se você fosse proibir o Talkative, teria que proibir também os botões de compartilhamento que os candidatos usam em seus sites, por exemplo”, argumenta.