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Checagem

Políticos do Brasil não são os mais caros do mundo

Amoêdo usa dado falso; custo do salário dos parlamentares em relação à renda média é maior na Colômbia e na República Dominicana

Checagem
3 de outubro de 2018
14:41
Este artigo tem mais de 5 ano
O candidato João Amoêdo (NOVO), em entrevista à EBC: post no Facebook fez comparação errada sobre salários de parlamentares
O candidato João Amoêdo (NOVO), em entrevista à EBC: post no Facebook fez comparação errada sobre salários de parlamentares

“O Brasil tem os políticos mais caros do mundo.” – João Amoêdo (NOVO), em sua página oficial no Facebook.

Falso

Favorável à redução dos gastos públicos, João Amoêdo (NOVO) criticou o salário dos políticos brasileiros em postagem no seu Facebook. O candidato disse que o país tem os políticos mais caros do mundo. A afirmação vem acompanhada de um gráfico que compara o salário de parlamentares com a renda média da população de cinco países. O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – analisou a frase do candidato e concluiu que é falsa.

Não existem estudos que considerem a relação entre a renda média e salário dos parlamentares para todos os países do mundo. A reportagem levantou informações sobre outros países em organizações internacionais e com ajuda das plataformas de fact-checking Africa Check, na Nigéria, Chequeado, da Argentina, e Faktiskt, da Suécia – que, assim como o Truco, também integram a International Fact-Checking Network (IFCN), a rede internacional de checagem coordenada pelo Instituto Poynter, nos Estados Unidos. Foi possível descobrir que, na Colômbia e na República Dominicana, a relação entre salário de parlamentares sobre a renda média é maior do que no Brasil.

Post na página de João Amoêdo (NOVO) no Facebook no dia 20 de setembroPost na página de João Amoêdo (NOVO) no Facebook no dia 20 de setembro
Post na página de João Amoêdo (NOVO) no Facebook no dia 20 de setembro

A única fonte que mostra o Brasil como o país com os políticos mais caros do mundo, a partir de uma comparação com a renda média, é o gráfico exibido pela campanha de Amoêdo no Facebook. A peça mostra que o salário de um parlamentar no Brasil é 16 vezes maior do que a renda média da população. Segundo o post, na Argentina a relação é de 4,6 vezes; nos Estados Unidos, é de 3,1 vezes; na Austrália, de 2,9 vezes; e na Suécia, de 1,6 vezes. O maior problema do levantamento está em comparar apenas 2,6% das nações do mundo – 5 dentre as 193 que integram a Organização das Nações Unidas (ONU). Por conta disso, ele não é válido para mostrar qual país de fato tem os políticos mais caros. Há também imprecisões nos dados.

No caso do Brasil, da Austrália e dos Estados Unidos, os valores são reais ou muito próximos disso. No Brasil, o rendimento médio de pessoas ocupadas é de R$ 2.242 por mês e o salário mensal de parlamentares é de R$ 33.763 – 15 vezes maior. Na Austrália, a renda média era de 5.896 dólares australianos e o salário de um parlamentar era de 16.586 dólares australianos em 2016 – 2,8 vezes mais. Nos Estados Unidos, em 2015, o salário dos parlamentares era de US$ 174 mil por ano e a renda média, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de US$ 60.690 – 2,9 vezes maior.

Nos outros dois países mencionados, a relação entre salários dos parlamentares e renda média foi subestimada. Na Suécia, o salário médio de um legislador é de 65.400 coroas suecas por mês – 2,8 vezes maior que o salário médio da população (23.475 coroas suecas por mês, ou 281.700 por ano em 2016), não 1,6 vezes, como aparece na postagem. Na Argentina, o salário médio de pessoas ocupadas era de 15.807 pesos argentinos por mês no primeiro trimestre de 2018, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec) do país. No período, o salário líquido de um parlamentar era de 112.700 pesos por mês, conforme indicado por essa reportagem do Chequeado – 7,1 vezes maior que o salário médio da população, não 4,7, como aparece no post.

A relação entre salário dos parlamentares e renda média é maior que no Brasil em pelo menos dois países não considerados no gráfico. Um estudo da organização latinoamericana Directorio Legislativo comparou o salário de legisladores na região com os respectivos salários mínimos dos países em 2016. Cruzando os ganhos dos parlamentares na América Latina com as estimativas de salário médio realizadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi possível descobrir que na Colômbia e na República Dominicana os legisladores ganham mais em relação à população do que no Brasil.

Na Colômbia, o salário médio de um legislador é de 26.749.000 pesos colombianos por mês, conforme apontado pela ONG. Isso correspondia a 38 salários mínimos no país, mesma relação do Brasil, e a 24 salários médios colombianos – 1.112.332 pesos colombianos por mês, segundo a OIT. Na República Dominicana, o salário médio de um legislador é de 261.888 pesos dominicanos – 18 vezes maior que o salário médio de 14.049 pesos dominicanos e 29 vezes o salário mínimo do país. Enquanto isso, no Brasil, a relação entre os ganhos dos parlamentares e o salário médio é de 15 vezes.

Fontes adicionais

Questionada sobre a fonte da afirmação usada por Amoêdo, a assessoria de imprensa do candidato mandou levantamentos que não têm qualquer relação com o gráfico exibido no Facebook. Foi enviado um estudo da Transparência Brasil que diz que o país é o que mais gasta com o Congresso, em comparação com 11 países. A pesquisa divide o orçamento total dos parlamentos desses países por seus Produtos Internos Brutos (PIBs). Segundo o estudo, que usa dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Interparlamentar (UIP), o Brasil gasta 0,19% do seu PIB com os orçamentos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

A assessoria enviou também uma tabela produzida internamente pela equipe da campanha de Amoêdo, com dados de 56 países. O levantamento considerou o orçamento do parlamento nessas nações em 2012, dividido pelo número de parlamentares de cada um deles, e obteve assim o custo por parlamentar – os dados foram retirados da UIP. Esse custo foi comparado ao PIB per capita dos países no mesmo ano, segundo dados do Banco Mundial, chegando na relação entre os dois valores. Na tabela, o Brasil era o país que tinha o maior custo por parlamentar em relação ao PIB per capita – 374 vezes maior.

A análise de dados de PIB per capita disponibilizados pelo Banco Mundial e de orçamento por parlamentar da UIP de 95 países, contudo, mostra que pelo menos três deles possuíam custo por parlamentar em relação ao PIB per capita maior que o do Brasil em 2012. A Nigéria, segundo o Banco Mundial, tinha um PIB per capita de US$ 5.339 e seus parlamentares custavam US$ 4,3 milhões por ano – um valor 816 vezes maior. Na República Dominicana, o orçamento anual por parlamentar (US$ 7,7 milhões) correspondia a 667 vezes o PIB per capita do país (US$ 11.494). E no Camarões a correspondência era de 618 vezes – o orçamento por parlamentar era de US$ 1,8 milhões por ano contra um PIB per capita de US$ 3.021.

Apesar de os estudos mostrarem que o custo dos parlamentares no Brasil é alto, existem países com políticos ainda mais caros. Na comparação entre salário de parlamentares e salário médio, os legisladores são mais caros na República Dominicana e na Colômbia. Já comparando o orçamento por parlamentar e o PIB per capita, na Nigéria, em Camarões e na República Dominicana, o custo dos políticos era maior que no Brasil. Por isso, não é correto afirmar que o Brasil possui os políticos mais caros do mundo.

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Reprodução/ Facebook João Amoêdo

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Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

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