As temidas auditorias militares, que ficaram conhecidas durante a ditadura por julgar sem piedade quem se opusesse ao regime, ainda funcionam normalmente, em horário comercial, das 11 às 17 horas, repletas de prestativos funcionários públicos civis, com seus paletós, gravatas e tailleurs. No Rio de Janeiro, a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Auditorias da 1ª Circunscrição Judiciária Militar funcionam em um prédio cinzento e sem graça na Ilha do Governador, de frente para o mar. É ali que é julgada a maioria dos casos referentes às Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), nas quais as Forças Armadas atuam no âmbito da segurança pública nas ruas de cidades brasileiras – já que a grande maioria dessas operações ocorreu no Rio de Janeiro.
Há seis meses, no dia 12 de junho, no terceiro andar, onde funciona a 4ª Auditoria, uma simpática juíza baixinha, de cabelos grisalhos curtos, óculos meia-lua, blusa colorida e saia cinza, cumprimentava uma fila de pessoas, que esperava ansiosa por mais uma audiência do processo 42-68.2015. 7.01.0401. O caso, que caminha a passos lentos no Tribunal Militar, pretende desvendar o que aconteceu durante cerca de seis segundos em uma quinta-feira, três anos antes.
Naquela madrugada, 12 de fevereiro de 2015, por volta das 2h30, uma patrulha do Exército que se encontrava no Complexo da Maré durante a Força de Pacificação atirou seis vezes de fuzil 762 contra um Palio branco ocupado por cinco amigos que voltavam para casa depois de assistir ao jogo do Campeonato Carioca entre Flamengo e Cabofriense, uma goleada: 5 a 1. Todos eram flamenguistas. Quatro foram atingidos de raspão. Um deles ficou paraplégico e teve uma perna amputada.
O processo é digno de nota: é o primeiro, e único, procedimento criminal na Justiça Militar que pode condenar um soldado das Forças Armadas que atirou em civis desarmados durante uma ação de segurança pública ou GLOs.
Embora as operações de GLO sejam cada vez mais comuns, são poucos os militares processados criminalmente por atos contra civis nessas operações, ainda que pesem sobre as Forças Armadas acusações de invasões de casas, ameaças, uma chacina e até tortura feita dentro de um quartel, como choques elétricos, prática que remonta à época da ditadura. Ao longo de seis meses de investigação, a Pública descobriu diversos casos de homicídio de civis inocentes que jamais foram julgados na corte militar – seja pela falta de investigação ou por não terem sido nem mesmo registrados pelo Exército.
O processo é ainda mais inusitado porque, além de ter no banco dos réus um militar que atuava em uma GLO, tem também um civil, morador do Complexo da Maré.
Isso porque os crimes de militares contra civis são investigados e julgados pelo aparato de Justiça Militar. Este é composto de um Ministério Público Militar (MPM), que investiga e pede condenação dos réus; das auditorias, que são tribunais da primeira instância; e do Superior Tribunal Militar, a corte de apelação, com 15 ministros, sendo 10 militares. Mas a Justiça Militar acusa e condena também civis por crimes previstos no Código Penal Militar, tais como atentar contra a vida de militares em serviço ou desobedecer às ordens de um soldado do Exército.
Passados alguns minutos, Marilena da Silva Bittencourt volta já trajando a austera capa preta de juíza-auditora para conduzir a inquirição de testemunhas do processo – seis soldados do Exército serão questionados ao longo de duas horas. Na apertada sala, advogados de acusação e defesa sentam-se em semicírculo olhando para uma grande tela de TV. Como os militares que atuavam naquele dia na ocupação da favela da Maré estão lotados em Bagé, no Rio Grande do Sul, a audiência será por teleconferência. Marilena explica a todos os presentes que há uma jornalista que vai acompanhar a audiência, coisa rara por aqui, mas que é prontamente aceito por todos, no espírito da transparência.
Com a falta de ar-condicionado, em pouco tempo os presentes perdem a compostura, passam a se abanar com cópias do processo e a esparramar o corpo sobre as cadeiras, esbarrando uns nos outros. No canto da sala, o vendedor de coco Adriano da Silva Bezerra, 36 anos, de camisa cinza, jeans e tênis branco, morador da Maré e motorista do Palio branco naquela noite fatídica, se mantém em silêncio, de braços cruzados, ouvindo atentamente o que dizem os soldados.
Quem mantém a rigidez da postura são os quatro militares sentados nos dois lados da juíza-auditora: o tenente-coronel Claudio Vidal Teixeira, o capitão Gilmar de Oliveira Lima, o capitão Thomas Farias Viana e o capitão Eliandro Theodoro de Abreu, todos de uniforme cáqui e reluzentes medalhas sobre o peito. Eles compõem o Conselho Permanente da Justiça para o Exército, órgão que decide se os acusados são inocentes ou culpados. Sorteados entre membros da ativa do Exército, sua presença traz solenidade àquela tarde quente e reforça que, embora seja conduzido por servidores civis e pela juíza de direito Marilena, quem decide se Adriano é culpado ou inocente são os membros da corporação militar. (No final de 2018, uma mudança na lei criada em 1992 determinou que os civis, agora, devem ser julgados apenas pelo juiz civil; mas, caso queiram recorrer, o julgamento vai para ao Supremo Tribunal Militar, composto de dois terços de militares das três forças.)
Adriano é acusado de “desobediência” por ter, segundo o Exército, ignorado a ordem de parada dada pelos soldados naquela noite, antes de ter seu carro fuzilado. Pena segundo o código militar: até seis meses de prisão.
O primeiro réu não está presente. O cabo Diego Neitzke, de 23 anos, não está na audiência por servir o Exército no 9° Batalhão de Infantaria Motorizado, em Pelotas (RS). Diego veio em 2015 ao Rio de Janeiro para participar da Força de Pacificação na Maré e depois voltou para seu Rio Grande do Sul natal. Foi ele quem atirou no carro de Adriano com seu fuzil 762. A acusação é de lesão corporal contra civis. Pena, segundo o código militar: até oito anos de prisão.
A cada audiência transparece a ironia deste caso: embora sejam corréus, os dois acusados estão em campos opostos. À defesa do militar cabe provar que o vendedor de coco é culpado de desobediência, e à defesa do civil cabe provar que os militares mentem. A inocência de um é a culpa do outro.
Uma noite de pré-carnaval no Rio de Janeiro
Vitor Santiago Borges, então com 29 anos, estava desempregado havia 20 dias, mas não estava na fossa. Como tinha carteira assinada na empresa de materiais cirúrgicos ortopédicos onde trabalhava, pegara o dinheiro do seguro, pagara um curso de segurança no trabalho para dar um “up” na carreira e estava curtindo a folga. Aquela noite de 2015 era antevéspera de carnaval no Rio de Janeiro, e a festa já ia tomando conta das ruas. Na sexta ia dar praia, e ele ia levar a filha de 3 anos para um banho de mar. E ainda tinha jogo do Flamengo, sua paixão.
“Aqui na comunidade eles já tinham montado tudo: palco, programação de artistas, cantores”, lembra. Recebeu a ligação de um amigo que morava longe e estava de férias no Rio. Pablo Inácio Rocha Filho, de 27 anos, sargento da Aeronáutica, nascido e crescido na Maré, servia em Manaus.
Pablo, o primo e mais dois amigos iriam até a Vila do João, uma das 15 comunidades do Complexo da Maré, para assistir ao jogo em um bar. “O carnaval começava sexta-feira, ninguém tinha nada pra fazer, a gente foi beber em outro lugar”, resume Vitor. Depois do jogo, o grupo passou por duas boates até dar a noite por terminada, lá pelas 2h30 da madrugada.
Desde abril de 2014 o Exército ocupava o Complexo da Maré. A Força de Pacificação tinha como objetivo estabelecer UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na favela – a ideia foi abandonada depois. Era parte da estratégia de pacificação apoiada pelo governo federal, com o PT à frente, nos anos anteriores à Copa do Mundo e Olimpíadas. Os militares estabeleciam checkpoints em diversas áreas, revistavam moradores, verificavam RGs, dia e noite. Assim que entraram na comunidade, os amigos cruzaram com um desses checkpoints. Os soldados pararam o carro para uma revista e pediram que os cinco levantassem as blusas, segundo o depoimento de todos os ocupantes do Palio. “A gente foi revistado, todo mundo bonitinho. Parou, descemos, todo mundo mostrou documentação, ninguém devia nada, tudo certo”, reconta Vitor. Seguiram viagem em direção a outra comunidade, a de Salsa e Merengue, também na Maré. “Quinze minutos depois, já dentro da comunidade, começamos a ouvir barulho de tiro. Não sabia se era para o alto, não sabia se era bandido trocando tiro com Exército, não sabia o que era”, diz Vitor.
Estavam na rua dois contingentes de soldados, em meio à formação de um checkpoint, quando foram atingidos por tiros, segundo relato dos militares. Ao pedirem apoio de tanques blindados, viram o Palio entrar na rua pouco depois.
“A gente só descobriu que o tiro era com a gente no carro porque eu recebi o primeiro tiro, na costela, aqui atrás”, descreve Vitor à reportagem. “Eu fiquei paraplégico na hora. Não senti mais nada da barriga pra baixo. O Adriano parou o carro, e aí saiu todo mundo gritando que eu tinha sido atingido. E aí que os soldados apareceram. Porque a gente tava numa rua que não tinha cone, não tinha jipe, não tinha soldado. Uma rua residencial, cheia de casa.”
O trajeto percorrido pelo carro até os tiros foi de meio quarteirão, cerca de 50 metros.
Quando os colegas desceram, Vitor não podia se mexer. “Eu nunca tinha sentido aquilo na minha vida. Na hora que eu tomei tiro, eu já sabia o que tinha acontecido comigo. Eu fiquei dentro do carro. Quando eles saíram, vieram os soldados gritando muito com o pessoal que tinha saído do carro. E batendo nos rapazes.” Ele não se lembra de como chegou a ser retirado do veículo. “Eu me lembro que tinha um soldado, ele apontava a arma pra mim e me xingava de tudo que é nome. De ‘filha da puta’ pra baixo. Eu falava que não tava conseguindo me mexer, que eu tinha perdido o movimento das pernas, eles me mandavam me foder. E eu com a respiração difícil… Ele gritava muito, mandava eu sair do carro, eu falava que não tava conseguindo, com uma voz cada vez mais baixa, a respiração cada vez mais baixa… Aí eu desmaiei.”
Quando ele acordou, já estava do lado de fora do veículo, no chão. “Eu levei uma coronhada na cabeça”, diz Vitor, mostrando a marca que traz até hoje na parte de trás, onde não cresce mais cabelo. Os amigos lhe contaram que as agressões só pararam quando o sargento Pablo conseguiu apresentar sua credencial. “Eu acredito que, se não fosse o sargento da Aeronáutica junto com a gente, eu tinha morrido no meio da rua”, diz Vitor.
O cabo Diego desferiu com seu fuzil pelo menos quatro tiros contra o carro, segundo a perícia. Foram seis tiros no total. Pela força do armamento, todas as balas se desfizeram em estilhaços, atingindo outras partes do carro e os passageiros. Dois dos tiros foram dados quando o militar estava à frente do carro, atingindo as portas dianteira e traseira do lado direito, acima da maçaneta. Os demais tiros seguiram quando o carro, em movimento, já estava um pouco à frente do militar: outro tiro no meio da porta traseira direita, um tiro próximo ao teto do veículo, um contra a roda dianteira e um sexto perfurou o vidro traseiro.
Vitor, que estava bem do lado direito, no banco de trás, recebeu dois desses projéteis. O primeiro atingiu as vértebras T4 e T5 e invadiu a medula, causando paraplegia instantânea; o segundo atravessou as pernas, atingindo os fêmures direito e esquerdo – causando fratura exposta – e rompendo a artéria poplítea. O rompimento causou uma gangrena que levou à amputação da perna esquerda. Os ferimentos geraram outros males: bloqueio e sangue nos pulmões (hemopneumotórax), insuficiência renal, lesão de esôfago, bexiga neurogênica e incontinência na evacuação.
Mesmo assim os soldados não chamaram uma ambulância de emergência nem a perícia para verificar o local do crime. Em vez disso, carregaram Vitor até um tanque blindado do Exército, onde ele foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima. Dali, foi encaminhado para o Hospital Getúlio Vargas. Chegou à emergência com 7% de chance de sobreviver, segundo os médicos disseram a sua família.
Quanto aos demais amigos, ficaram sob a guarda dos militares até as 20 horas do dia 12, quinta-feira. Foram levados para contêineres de metal dentro do CPOR, o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Rio de Janeiro que fica na avenida Brasil, ao lado da Maré, e que serviu em 2014 e 2015 como base do comando da Força de Pacificação. Ali foram interrogados pelos militares, sem direito a contato com familiares ou a um advogado.
Adriano, o condutor do carro, que havia sido atingido por estilhaços, também foi encaminhado para o Hospital Getúlio Vargas, onde teve o braço e o antebraço direito enfaixados. Ele também tinha ferimentos compatíveis com agressões, segundo o exame de higidez física: “Aparentando escoriações em antebraço esquerdo. Lesão cerca de 3 cm em região occipital do crânio”, diz o documento feito no mesmo dia. Saindo do hospital, Adriano foi levado pelos militares. E recebeu ordem de prisão em flagrante “por ter praticado a infração penal tipificadas nos artigos 205, c/c 30 (tentativa de homicídio) e 301 (desobediência), do Código Penal Militar”, segundo o auto de prisão.
Adriano foi enviado para a penitenciária de Bangu, onde permaneceu por dois dias. Só foi libertado, de maneira provisória, por decisão do juiz Cláudio Amin, da corte militar, em 14 de fevereiro de 2015. “Não há indícios veementes que apontem para a prática do crime de homicídio na forma tentada”, afirmou o juiz.
Durante quase um ano Adriano foi o único investigado por crime militar. Aos olhos do Inquérito Policial Militar (IPM) conduzido pelo Exército, não havia nenhum crime a ser imputado ao cabo que fuzilou o carro. Apenas em dezembro de 2015, o MPM decidiu inquirir o cabo Diego sobre o ocorrido. Ele virou réu em dezembro de 2016.
Na manhã seguinte ao fuzilamento, o Exército já tinha emitido uma nota com sua versão, corroborada posteriormente pela conclusão do IPM, que segue idêntica até hoje. “A Força de Pacificação da Maré informa que, no dia 12 de fevereiro, por volta das 03:00 horas, durante patrulhamento na região de Salsa e Merengue, houve troca de tiros entre criminosos e tropas do Exército. Durante o incidente, um veículo em alta velocidade entrou na área conflagrada e recebeu orientação de parar. O veículo não interrompeu seu deslocamento e foram efetuados disparos de armamento menos letal na direção deste, na tentativa de que o condutor interrompesse a atitude do suspeito. Em acordo com as regras de engajamento, observando os princípios da proporcionalidade e progressividade das ações e visando cessar a atitude suspeita que ameaçava a integridade física de dois militares da tropa que estavam na trajetória do veículo, foram realizados 4 (quatro) disparos de armamento letal.”
As regras de engajamento e as versões
As regras de engajamento dos militares em GLOs determinam como um soldado deve agir em situações de perigo. O uso de armas deve atender ao princípio de proporcionalidade e necessidade – ou seja, pode ocorrer apenas quando há um “ato hostil que represente grave ameaça à integridade física dos integrantes da força” ou da população. Quando há ameaça sem armas, os soldados têm de primeiro emitir uma ordem verbal; em seguida, podem usar da força não letal, como bombas de gás lacrimogêneo ou tiros de balas de borracha; depois, podem ser dados tiros de advertência (para o alto); e apenas “como último recurso” eles podem atirar em civis.
Se todos os passos forem tomados, o soldado não estará cometendo crime, mesmo que machuque ou mate uma pessoa. É o chamado “excludente de ilicitude”, uma permissão legal para atingir ou matar, mas apenas sob determinadas circunstâncias.
O auto de prisão de Adriano, feito pelos militares na manhã do dia 12 de fevereiro, traz o depoimento de dez soldados como “testemunhas”. Os quatro civis foram ouvidos na qualidade de “conduzidos” – ou seja, estavam sob a custódia dos militares. Vitor estava no hospital.
A versão dos soldados corrobora a nota emitida pelo Exército. Em comum, reiteram que todos os procedimentos das regras de engajamento teriam sido observados. Diego Neitzke declarou que foram surpreendidos por tiros quando montavam o checkpoint. “Ato contínuo, o 3º Sargento Rios solicitou que um veículo parasse, marca Pálio na cor branca, que se aproximava do checkpoint, tendo o mesmo não atendido a ordem, diante disso efetuaram-se tiros de borracha (armamento não letal), e mesmo assim o veículo não obedeceu a ordem de parada, acelerando o veículo em direção ao Sd Ricardo e ao cabo Matheus.” Ele reiterou ainda que “após os disparos, o veículo parou próximo aos militares, que encontravam-se no caminho, que teriam sido atropelados, caso o veículo não tivesse parado”.
Já os amigos de Vitor reiteram, ao longo de todo o processo, que não havia soldados na via nem houve sinal de parada antes dos tiros. Já no seu primeiro depoimento, Adriano afirmou veementemente que não viu soldados, nem patrulha, nem blindados, nem nada. “Quando chegou ao meio da rua principal de Salsa e Merengue, ouviu barulho de tiros, quando percebeu que estava sangrando. “Freei quando fui baleado”, diz. “Parei o veículo, vi que os militares saíram de dentro de uma casa e me puxaram para fora do carro, mandando deitar no chão, que os militares já tinham atirado em mim. Aí um soldado deu coronhada na parte de trás da minha cabeça, depois me colocou dentro do carro e levou pra UPA.”
O depoimento do sargento Pablo vai na mesma linha – ele afirma que a primeira coisa que ouviu foram os tiros, vindo por trás do veículo, e só depois apareceram os militares. E encerra o depoimento com indignação: “Pediu pra constar nesse depoimento a forma como foi realizada a abordagem pela tropa, o descaso após o acidente, que o pessoal que providenciou a remoção dos feridos para a UPA não foi o mesmo que realizou a abordagem, que não havia identificação dos militares no fardamento”.
Dos quatro depoimentos dos civis tomados naquela tarde e em outros momentos – e as reiteradas entrevistas de Vitor para a imprensa –, um deles destoa completamente e traz uma versão diferente.
Trata-se do primo de Pablo, Allan da Silva. O depoimento tomado no CPOR e assinado por ele repete quatro vezes que ele viu, sim, uma ordem de parada. “Viu que a tropa estava no local, sendo que tinham militares a pé, além de blindado e jipe. Foi quando viu que os militares fizeram sinal de parada e solicitaram verbalmente que parasse o veículo”, diz o documento.
“Foi lhe perguntado se ouviu a ordem de parada do veículo e disse que sim, ouviu claramente. Foi perguntado se o rádio do carro estava ligado e se ouviam música, e respondeu que sim, mas que não estava muito alto a ordem de parar [SIC] e viram também o militar fazendo gesto para parar. Foi lhe perguntado se no momento em que ouviu a ordem de parada da tropa falou para o motorista parar e disse que não falou nada, que todos tinham ouvido a ordem de parada e que inclusive o motorista tinha ouvido a ordem de parar e que parou o veículo mais à frente”, prossegue o documento.
Foi com base nessa declaração que o Ministério Público decidiu denunciar Adriano por “desobediência”.
Só que o depoimento não condiz com a verdade, segundo declarou o próprio Allan a outro juiz de direito, em outro processo, quase dois anos depois.
Em 23 de novembro de 2016, ele afirmou ao juiz federal Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias, da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro: “O depoente não disse ter visto tropa militar na rua antes de chegar perto da casa do primo Pablo, negando a versão mencionada pelo advogado; também não afirmou ter avistado sinal de parar como está escrito na versão lida pelo advogado; nega, também, a afirmação de que todos os ocupantes do veículo ouviram ordem de parar, como consta no depoimento prestado no IPM”.
Allan descreveu ao juiz como foi tomado o depoimento constante do IPM. “Antes de depor, o declarante ficou trancado dentro de um contêiner por cerca de 5 horas; que o depoente assinou o documento que lhe foi apresentado mas não leu o documento.” A assinatura aconteceu ainda dentro do contêiner. “O depoente não teve oportunidade de ligar para alguém da família ou para o advogado”, conclui.
O testemunho de 2016 ocorreu em um ambiente muito diferente do primeiro. Allan falou em uma corte civil, acompanhado por advogados. Não falou como acusado nem como interessado: fora chamado como testemunha em um processo civil de reparação contra a União.
É que, assim como em outros casos levantados pela reportagem da Pública ao longo da série Efeito Colateral, diante da inação da Justiça Militar, a família de Vitor resolveu apelar para a Justiça Comum. E foi graças ao caso na Justiça Federal – que a reportagem da Pública também analisou integralmente – que diversos detalhes vieram à tona.
Impulsionado pelo rápido andamento do caso civil, o procedimento acabou andando na Justiça Militar. O processo contra a União pedindo indenização pelos danos a Vitor foi protocolado em 12 de fevereiro de 2016, um ano depois daqueles fatídicos seis segundos. Já o MPM só encerrou suas investigações em 13 de dezembro de 2016, quase dois anos depois do fuzilamento, denunciando os dois réus, Adriano e Diego.
A busca de uma mãe por justiça
Quando chegou ao Hospital Getúlio Vargas, na madrugada do dia 12 de fevereiro de 2015, Vitor estava quase desenganado. Foi para a sala de cirurgia, onde ficou por oito horas. Depois ficou em coma por mais uma semana. Quando acordou, teve de compreender a gravidade da gangrena na sua perna esquerda e assinar um termo autorizando a amputação, na altura da coxa. Sofreu, ainda, um bloqueio no pulmão que o levaria a uma terceira cirurgia. Ficaria internado, no total, por 98 dias seguidos. Por ter ficado imobilizado por tanto tempo, acabou contraindo uma escara nas costas: uma ferida aberta, que não fecha nunca, do tamanho de um punho cerrado. A ferida ficou aberta por 3 anos, até que Vitor teve que se submeter a outra cirurgia. Ficou internado por mais 76 dias e ainda está se recuperando.
Dia e noite, ao seu lado no hospital durante aqueles longos meses de 2015, estava a principal responsável por seu caso não ter virado “só uma estatística”. A incansável Irone, sua mãe.
“Quando eu entrei, eu lembro de ter visto o meu filho muito amarelo, muito pálido, falando muito baixinho… Quando eu segurei nele, eu vi que ele tava muito gelado.” Irone viu o filho sair para a primeira cirurgia, mas apenas horas depois de ter dado entrada no hospital. “Os médicos passavam pra lá e passavam pra cá e não faziam nada”, diz ela. Por quê? “Ah, porque eles entraram como bandidos.”
Irone quase enlouqueceu. Todos os dias, ela conta, Vitor recebia, desacordado, a visita de uma variedade de militares. Não respondiam a nenhuma pergunta da mãe desesperada; vinham checar como estava seu estado de saúde. “Todo dia eles iam. Eu partia pra cima, eu perguntava o que eles queriam, o que ia ser feito, as providências, o que eles tavam pensando em fazer em relação a tudo que fizeram para meu filho”, diz.
O caso começou a ganhar repercussão na imprensa – e Vitor e seus amigos foram retratados, seguindo a linha oficial, como fora da lei. “Teve muita cobertura da imprensa, uma imprensa marrom, que criminaliza. E a minha busca foi pra provar a inocência do meu filho. Porque as versões que eles deram é que eles trocaram tiro, depois que eles estavam bêbados, e que eles não viram o checkpoint.”
Quando finalmente recebeu alta do hospital, Vitor voltou para a casa onde morava com a mãe – ele é separado da mãe da sua filha. É uma casa autoconstruída de três andares, onde ele morava no segundo andar, após uma estreita e íngreme escada. “Não construí uma casa pensando que eu ia receber uma pessoa sem perna. Que eles iam entregar o meu filho da maneira que eles me entregaram”, diz Irone. Vitor teve de aprender a viver de novo. “Eu fazia de tudo: andava de skate, praticava esporte, tava em roda de samba, show, levava minha filha pra passear todo fim de semana, pra shopping, cinema, praia… Hoje eu sou um cara de 32 anos com uma filha de 6, que eu não posso ensinar minha filha a andar de bicicleta, não posso colocar minha filha nas costas… Eu sou um cara que vejo na televisão e falo as coisas que eu fazia. Mas não posso mostrar”, relata Vitor.
Sem nenhuma informação clara sobre a investigação criminal – o IPM estava em andamento, mas a família nunca foi contatada –, Irone foi buscar, primeiro, o Ministério Público Estadual. Depois, foi até a Polícia Federal. Integrantes ativos na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) conversaram diversas vezes com ela e o filho – entre eles a vereadora Marielle Franco (Psol), que também era da Maré e foi assassinada em fevereiro deste ano. Mas só um ano depois, Irone soube que havia um procedimento instaurado no MPM. Nem ela nem o filho haviam sido chamados para prestar qualquer esclarecimento.
“No outro dia fui no Ministério Público do Exército. Entrei com um amigo advogado. A pessoa que nos atendeu não foi nada cortês: ele falou que a gente era conivente com o tráfico. Eu falei que não – comecei a chorar – e falei que a gente não era conivente com nada, a gente era convivente. Porque a gente é obrigado a conviver”, lembra Irone. Finalmente, uma servidora ajudou-a a localizar o processo. “Por incrível que pareça, sabe o que constava? Não constava meu filho como vítima. Constava como testemunha. Como que meu filho não era vítima? Ficou no estado que ficou, amputado, paraplégico?”, pergunta Irone, chorando, ainda hoje, de revolta.
“As balas que meu filho levou, eu paguei por elas. Eu paguei por essas balas.”
Justiça Federal dá indenização milionária e rejeita legítima defesa
No aniversário de um ano do ocorrido, o renomado advogado João Tancredo, especialista em causas cíveis de reparação, entrou na 5ª Vara Federal com um pedido de indenização a Vitor e sua família. Embora não busque a condenação criminal – o advogado não acredita, inclusive, em encarceramento –, é sempre fundamental, segundo Tancredo, analisar a investigação policial – nesse caso, o IPM – para determinar o que aconteceu de fato. “Quando a dona Irone vem nos procurar, a gente não consegue achar a documentação policial em lugar nenhum. Fomos até a Ilha do Governador, minha advogada ficou lá um dia inteiro, até que um advogado um dia disse: ‘Eu vou fazer uma busca pelo nome do motorista’. E aí “poft”. Ele é acusado! E a gente consegue descobrir a farsa que era o inquérito”, relembra o advogado.
“Eles juntam as testemunhas dentro do contêiner, fazem prestar depoimento dentro daquele contêiner, apensam-se os depoimentos e os processos criminais vão andando. Imediatamente. Aí você não tem advogado de defesa, não tem nenhuma garantia constitucional”, explica o advogado. Segundo ele, os depoimentos do IPM foram desconsiderados no processo civil, de tão maculados. Ainda mais depois de Allan ter explicado que não disse nada do que estava escrito no documento do Exército.
“E aí a gente vai e consegue reverter esse negócio um pouco mais, precisa ver quem é vítima e quem é o algoz dessa história”, resume Tancredo, apontando a diferença entre uma investigação real, feita pela Polícia Civil, e o IPM. “Quando acontece um fato, você faz uma ocorrência policial, narra os fatos e depois vai desenvolvendo provas etc. etc. Eles fazem um outro caminho. Eles adotam a conduta de que estão ali como salvadores. Então os inquéritos são sempre instaurados para investigar a conduta da vítima ou dos demais envolvidos. E nunca do agente público, que acaba recebendo elogios.”
Com o caso andando, o advogado de Vitor conseguiu requerer mais informações à Justiça Militar, como um exame de corpo de delito em Vitor, que jamais havia sido pedido. “Quando a gente conseguiu descobrir o processo, eles [o Exército] chamaram o nosso advogado pra saber o que houve, falamos que vamos fazer uma ação de indenização. Com isso, eles aí começam a chamar pra fazer laudo etc”, diz Tancredo.
“Depois que a gente aparece, ele faz o laudo de corpo delito, que já era pra ter sido feito há muito tempo, para constatar lesões e consequências. Esse é um documento importante no processo, porque é a materialização do dano”, completa o advogado.
Ao longo de meses de entrevistas dadas à Pública, nem Vitor nem Irone jamais disseram pretender a punição criminal de Diego, mas apenas ressarcimento e reconhecimento do Estado.
“Eu não gosto dessa palavra indenização. Ela é horrorosa. Eu prefiro ‘reparação’. Eu exijo que o meu filho tenha uma vida de dignidade. Eu não estou interessada no que vai acontecer com o soldado. Estou interessada em limpar o nome do meu filho”, diz Irone.
“Eu não tenho um pingo de ódio, nem um pingo de revolta”, diz Vitor. “A culpa não é dele, não é do rapaz que atirou. Ele atirou porque alguém mandou. A culpa é dessas pessoas que colocaram o Exército aqui dentro e fizeram isso tudo.”
Em meados de 2016, veio a primeira vitória. Foi concedida uma antecipação da tutela, obrigando o Exército a fornecer mensalmente os materiais essenciais para seu tratamento cotidiano: fraldas descartáveis, coletores de urina, seringas, luvas cirúrgicas, sonda, gaze, colchão adaptado e uma cadeira de rodas.
A defesa dos militares foi realizada pela Advocacia-Geral da União (AGU), encarregada de casos de indenização contra o Estado. A linha de defesa seguiu a narrativa estabelecida pelo que constava no IPM: que houve uma ordem clara de parada, e ela foi desobedecida por Adriano, colocando em risco a vida dos soldados. E, portanto, por estar seguindo as regras de engajamento, não haveria crime nem responsabilidade. “Consta nos referidos depoimentos que o veículo somente parou após terem sido efetuados os disparos de arma de fogo, evitando-se, desta forma, o atropelamento de dois militares”, afirma a AGU.
O processo civil caminhou ao longo dois anos, tendo ouvido os amigos que estavam dentro do carro. Todos mantêm as suas versões dos fatos. A narrativa do Exército, no entanto, não convenceu o juiz federal Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias.
Em 3 de agosto de 2018, o juiz deu ganho de causa a Vitor e um valor de R$ 950 mil de indenização – R$ 550 mil por danos estéticos e R$ 400 mil por dano moral, além de ajuda mensal e R$ 50 mil de indenização para sua família. Também condenou a União a pagar uma casa adaptada no valor da sua, já que a perícia considerou impossível adaptá-la perfeitamente.
O veredito é eloquente. “Em princípio, é produtivo sobrestar o andamento da ação civil para que se retire proveito da instrução criminal […]. Entretanto, este caso não dá sinal de que seja justificável a solução prevista no Código Penal Civil, pois o prazo de um ano […] já transcorreu sem qualquer sinal de que tenha havido algum desfecho nos processos criminais”, escreve.
“A segunda perspectiva a ser considerada é que qualquer reação em legítima defesa precisa guardar a proporção estritamente necessária para repelir injusta agressão”, prossegue. “As provas mostram que não houve moderação alguma. Foram 6 disparos de fuzil, um deles no vidro traseiro do carro, outros na lateral direita, na altura e nos locais destinados aos ocupantes. Apenas um foi direcionado para as rodas/pneus.” Para ele, “não faz sentido aceitar que a reação “moderada” se configure na conduta de alvejar o veículo em pontos que seus ocupantes são presumivelmente atingidos no tronco ou na cabeça”.
Ele julgou ainda que não houve “injusta agressão”: “ou seja, a conduta causadora do dano não pode ser atribuída ao condutor do veículo, simplesmente porque não há elementos mínimos indicando que ele tenha colocado em situação de risco (agressão injusta, repita-se) qualquer militar. Na melhor das hipóteses, ele teria furado um bloqueio. Isso é visualizado a partir dos elementos produzidos pela própria União”.
No máximo, ele diz, pode ter havido erro de cálculo do militar, o que seria uma “negligência na apreciação dos fatos” pelo agente público. “E, portanto, há responsabilidade e o dever de indenizar.”
“Na visão deste julgador, o dano é gravíssimo”, sentencia.
A União já recorreu, assim como a família. João Tancredo considera que o valor da causa deveria ser maior. “É fundamental o critério punitivo exemplar. Tem que punir aquele que fez e dizer à sociedade ‘não faça porque vai ser caro”, diz. “E a União continua dizendo que não tem responsabilidade nenhuma.”
Quando chegou afinal o veredito por que tanto lutou, Irone estava com a saúde em recuperação. Em julho de 2018, ela sofrera um aneurisma – segundo a família, resultado do estresse que tem enfrentado nos últimos três anos.
O caso anda na Justiça Militar
Em 13 de dezembro de 2016, com o caso civil caminhando a passos rápidos, o MPM enviou a denúncia à Justiça Militar. O MPM baseia-se no depoimento de Allan e em um croqui, apensado pelo Exército ao IPM, para afirmar que Adriano furou o bloqueio e deve responder por desobediência. No desenho aparece a localização dos soldados, escondidos atrás de três “viaturas” Marruá (uma espécie de jipe) localizadas nos dois lados da rua, afunilando o caminho. Atrás delas há dez soldados; outros dois estão sem proteção a cerca de 50 metros à frente, do outro lado da rua – seriam os dois que poderiam ser “atropelados”, na versão dos soldados.
No entanto, contrastando com a perícia, o croqui mostra que, quando o militar desferiu os primeiros tiros (da frente para trás do veículo), o Palio ainda não tinha passado por Diego – e estava, portanto, ainda longe de poder atropelar os seus colegas.
Desde então, o caso passou pela fase probatória, audiência e inquirição de testemunhas. Embora haja pequenos detalhes que variam de narrador para narrador – os civis divergem sobre quanto beberam naquela noite, por exemplo –, as duas versões em confronto se mantêm, firmes. Ouviram-se todos os presentes, incluindo civis e militares; o laudo médico foi levado em consideração. E, já na fase final, no segundo semestre de 2018 Adriano e Diego foram ouvidos, presencialmente, na sede da 4ª Auditoria, na Ilha do Governador.
“Eu não sei o motivo dos tiros, porque a gente não ofereceu perigo nenhum pra eles, do jeito que a gente entrou devagar na rua”, disse Adriano à juíza Marilena da Silva Bittencourt e aos militares que compõem o conselho julgador.
“Todas as regras de engajamento, a primeira era ordem verbal, foi feito, depois uso de armamento não letal foi feito. Como era o último recurso que eu tinha, eu não tinha nenhum armamento não letal, eu tive que realizar os disparos”, argumentou Diego.
“O Complexo da Maré foi minha primeira missão de participação”, completou o jovem militar.
Por não terem sido requeridas perícias na época do inquérito, há ausências importantes que ajudariam a esclarecer o ocorrido naquela véspera de carnaval. Não foi feita perícia na arma do cabo Diego. Tampouco foi periciada a pistola de elastômero com que os militares afirmam que o soldado Felipe Dittgen da Costa atirou contra o carro (a perícia no automóvel não encontrou nenhum vestígio de marcas de balas de borracha). O local e as viaturas Marruá não foram periciadas para verificar se foram mesmo atingidas por tiros antes de o grupo entrar na rua. Tampouco consta o depoimento dos militares que, na entrada da Maré, pararam os amigos e os revistaram, apenas minutos antes do ocorrido.
Já na fase de argumentação final das defesas e do Ministério Público Militar, é difícil que elementos como esses venham à tona.
Seja qual foi o veredicto, pesam sobre ele duas questões: é justo um civil pagar por desobediência a um militar por uma ordem que alega não ter visto? E será justo um jovem militar de baixa patente pagar sozinho pelo crime?
“Você pega um menino de 18 anos, tira da família dele e ele volta como um assassino”, resume, numa tarde calorenta, uma das servidoras da 4ª Auditoria.
O final de 2018 apanhou o caso já em fase de alegações finais da acusação e das defesas do civil e do militar.
Na quarta-feira, dia 28 de novembro, celebrava-se com um bolinho, no quarto andar da 1ª Circunscrição Judiciária Militar, o aniversário de um funcionário, e o clima era já de fim de ano. Ali, a juíza-auditora, em um vestido florido, garantia que o julgamento do caso só vai ocorrer em 2019. “Com certeza”, disse a doutora Marilena da Silva Bittencourt, sorrindo.
Ao longo dos últimos meses a Pública trouxe histórias como essa, elucidando como funcionam hoje os Inquéritos Policiais Militares, como os casos são tratados na Justiça Militar e como os familiares das vítimas lutam por justiça.
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