Membros de um grupo secreto no Facebook para atuais e antigos agentes da Patrulha Fronteiriça americana fizeram piadas sobre mortes de migrantes, falaram de jogar burritos em deputadas latinas que visitariam um centro de detenção no Texas e publicaram uma montagem vulgar em que a congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez faz sexo oral em um imigrante detido, de acordo com imagens obtidas pela organização ProPublica.
Em uma discussão, membros respondem com indiferença e piadas à publicação de uma notícia sobre a morte de um migrante guatemalteco de 16 anos enquanto estava sob custódia policial em uma estação da Patrulha de Fronteira em Weslaco, Texas. Um dos membros publicou um GIF com Elmo, personagem da Vila Sésamo, dizendo “Oh well” (expressão como “fazer o quê”). Outro respondeu com uma imagem e as palavras “Se ele morreu, ele morreu”.
Criado em Agosto de 2016, o grupo, chamado “Eu sou 10-15” (código da Patrulha para “estrangeiros sob custódia”), conta com aproximadamente 9,5 mil membros em todos os Estados Unidos. Na apresentação, descreve-se como um fórum para discussões “engraçadas” e “sérias” sobre o trabalho na Patrulha. “Lembre-se de que você nunca está sozinho nesta família”, diz o texto de apresentação.
Responsável pelo policiamento das fronteiras norte e sul dos Estados Unidos, a Patrulha da Fronteira tornou-se alvo de intenso escrutínio desde que o governo Trump decidiu tomar medidas mais agressivas para deter o fluxo de migrantes ilegais pela fronteiras com o México. Aproximadamente 20 mil agentes servem a Patrulha, que faz parte da agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP). A CBP, criticada por supostos maus tratos a crianças e adultos sob sua custódia, está em desordem desde a renúncia de seu último diretor, John Sanders, em junho.
A ProPublica recebeu imagens de diversas discussões recentes no grupo 10-15 e conseguiu ligar os participantes dessas conversas a perfis aparentemente legítimos de agentes da Patrulha Fronteiriça no Facebook, incluindo um supervisor na cidade de El Paso e um agente em Eagle Pass, ambos no Texas. A reportagem não conseguiu contato com ele os membros responsáveis pelas publicações.
A ProPublica também questionou três assessores da CBP sobre o grupo de Facebook e informou os nomes dos três agentes que parecem ter participado das conversas, mas ainda não obteve respostas.
“Esses comentários e memes são extremamente perturbadores”, disse Daniel Martinez, sociólogo da Universidade de Arizona em Tucson, que estuda a fronteira. “Eles são claramente xenófobos e sexistas”.
Para ele, as postagens refletem o que “parece ser uma cultura disseminada de crueldade contra os imigrantes dentro do CBP. Estes não são apenas poucos agentes fora de controle ou ‘ovelhas negras’”.
O grupo de Facebook da Patrulha de Fronteira é mais um exemplo recente de mau comportamento, em espaços digitais públicos e privados, de agentes de segurança pública dos Estados Unidos. Uma investigação feita pela organização de jornalismo investigativo Reveal descobriu centenas de policiais ativos e aposentados que frequentavam círculos extremistas no Facebook, incluindo grupos de supremacistas brancos e grupos anti-governo. Uma equipe de pesquisadores chamada “Plain View Project” (Projeto À Vista de Todos) recentemente publicou uma base de dados com postagens ofensivas feitas por atuais e ex-agentes no Facebook.
Além disso, no início de 2018, investigadores federais encontraram uma grande quantidade de mensagens de texto perturbadoras e ofensivas enviadas por agentes da Patrulha de Fronteira no sul do Arizona quando inspecionavam o telefone de Matthew Bowen, um agente acusado de atropelar um migrante da Guatemala com uma pick-up Ford F-150. As mensagens, submetidas à corte federal em Tucson, descreviam migrantes como “guats” (apelido pejorativo, abreviado de guatemaltecas), “wild ass shitbags” (literalmente “sacos de bosta selvagens”, figurativamente, algo como “imprestáveis estúpidos”), “beaners” (apelido pejorativo dado a mexicanos, derivado de feijão) e “sub-humanos”. As mensagens incluíam discussões sobre queimar os imigrantes.
Muitas das postagens analisadas pela ProPublica referem-se à visita planejada por membros da bancada hispânica no Congresso, incluindo Alexandria Ocasio-Cortez e a deputada Veronica Escobar, a uma unidade da Patrulha nos arredores de El Paso. Agentes do complexo, em Clint, no Texas, são acusados de manter crianças em condições negligentes e desumanas.
Membros do grupo do Facebook não ficaram animados com a visita , lembrando que Ocasio-Cortez, uma democrata, havia comparado unidades da Patrulha de Fronteira com campos de concentração nazistas. Já Veronica é uma democrata novata que representa El Paso.
Um membro encorajou agentes a arremessarem um “burrito nessas vacas”. Outro, aparentemente um supervisor de patrulhas, escreveu “Fodam-se essas putas”. “Não deveria haver publicidade midiática para essas escórias”, publicou um terceiro membro.
Alexandria Ocasio-Cortez é alvo das postagens mais perturbadoras. Entre elas, uma montagem da congressista fazendo sexo oral em um homem no centro de detenção de imigrantes. O texto que acompanha a imagem chama o imigrante de “sortudo”, numa alusão a um filme sexual em que Alexandria seria uma atriz pornô.
Outra montagem exibe um sorridente Donald Trump forçando a cabeça de Ocasio-Cortez na direção de sua zona genital. O agente que postou a imagem comentou: “É isso aí, vadias. As massas falaram e hoje a democracia venceu”.
As publicações sobre Veronica Escobar e Alexandria Ocasio-Cortez são “vis e sexistas”, diz uma funcionária de Veronica. “Além disso, os comentários feitos por agentes da Patrulha de Fronteira sobre imigrantes, especialmente aqueles que perderam suas vidas, são nojentos e mostram um descaso completo para com a vida humana e a dignidade”.
O líder da bancada hispânica no Congresso, Joaquin Castro, analisou as discussões no Facebook e ficou enfurecido. “Isso confirma algumas das piores críticas feitas à Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras”, disse Castro, um democrata que representa San Antonio. “Esses são agentes que claramente se dessensibilizaram a ponto de se tornarem perigosos para migrantes e para seus colegas de trabalho”. Ele completa que os agentes que fizeram esses comentários vulgares “não merecem vestir qualquer uniforme representado os Estados Unidos da América”.
Vicki Gaubeca, diretora da Coalizão das Comunidades da Fronteira Sul (Southern Border Communities Coalition), disse que as publicações são mais evidência do sexismo e da misoginia que assola há muito tempo a Patrulha Fronteiriça. “É por isso que eles são os piores em recrutar mulheres”, diz Gaubeca, cujo grupo trabalha para reformar a agência. “Eles têm a mais baixa porcentagem de agentes ou oficiais mulheres de todas as agências federais da ordem pública”.
Em outra postagem, um membro do grupo compartilhou a foto de um pai com sua filha de 23 meses boiando com o rosto mergulhado no Rio Grande, que cruza a fronteira entre México e Estados Unidos. Os dois se afogaram enquanto tentavam atravessar o rio e adentrar a fronteira americana; imagens dos dois têm circulado amplamente na internet, gerando indignação.
O membro questionou se a foto poderia ser falsa, porque os corpos estavam “limpos” demais (A foto foi tirada por um fotógrafo da Associated Press, e não há nenhum indício de que tenha sido encenada ou manipulada). “EU NUNCA VI FLUTUADORES ASSIM”, a pessoa escreveu, completando, “poderia essa ser mais uma foto editada? Nós todos já vimos democratas e partidos liberais fazerem algumas coisas bem nojentas…”