Entidades indigenistas e ambientalistas reunidas em torno da Fundação Darcy Ribeiro lançaram nesta quarta 12, em Brasília, o nome do cacique Kaiapó Raoni Metuktire, ao Prêmio Nobel da Paz de 2020. O líder indigenista retornava de uma viagem à França quando foi convidado para um encontro na casa do sertanista Sydney Possuelo, onde foi informado que seu nome será levado à academia do Nobel como reconhecimento pela luta que trava há mais de 50 anos pela preservação da floresta amazônica e em defesa dos povos indígenas.
“Ele está tão plácido que parece superior às coisas. Recebeu a notícia com toda a maturidade que o caracteriza, sem vaidade. É um homem que passou a vida lutando por direitos”, explicou à Agência Pública o sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), um dos apoiadores do movimento que busca, a partir de agora, atrair a adesão de lideranças nacionais e internacionais pela indicação.
A campanha surge no momento em que a imagem do Brasil no mundo sofre forte desgaste em função do aumento do desmatamento, das queimadas e da pior crise enfrentada pelo binômio meio ambiente/indigenismo por causa das posições de retrocesso anunciadas abertamente pelo presidente Jair Bolsonaro, em franco confronto com correntes políticas e ambientalistas internacionais. Os organizadores não querem, no entanto, passar a ideia de que o movimento seja visto como contraponto às posições do governo brasileiro.
“Pessoalmente não sinto que a indicação seja para se contrapor ao movimento de Bolsonaro. Esse pelo menos não é meu apelo. Penso que vivemos um momento muito importante e seria bom obtermos o respeito da Europa, personificado na figura de Raoni, para fortalecer a proteção das florestas e dos povos indígenas”, explica Possuelo.
Aos 89 anos de idade, Raoni teve seu primeiro contato com os brancos em 1954 num encontro com os irmãos Villas-Bôas, no Mato Grosso, onde nasceu, período que marcaria o início da resistência contra as invasões. Em 1984, ainda na ditadura militar, apareceu armado e pintado para a guerra num evento com o então ministro do interior, Mário Andreazza, para exigir a demarcação das terras kaiapó. Essa foi uma de suas primeiras aparições públicas.
A notoriedade internacional viria em 1987 ao encontrar-se, em São Paulo, com o cantor Sting durante a turnê Human Rights Now, promovida pela Anistia Internacional, onde ganhou apoio à demarcação das terras indígenas. Dois anos depois, Raoni faria uma peregrinação por 16 países pela criação do Parque Nacional do Rio Xingu, homologado, finalmente, em 1993, com superfície de 180 mil quilômetros quadrados entre o Mato Grosso e o Pará.
O líder kaiapó se envolveria na luta contra a construção de barragens em terras indígenas e, em especial, contra a Usina de Belo Monte, cujo projeto, para frustração dos movimentos indigenistas e ambientalistas, foi autorizado pelo governo Dilma Rousseff em 2011 e executado nos anos seguintes.
Sua figura, em cuja indumentária se destacam um batoque de madeira, um disco de madeira que estica seu lábio inferior, cocar de penas amarelas, brincos e colares kaiapó, é inconfundível e respeitada internacionalmente. Raoni vive atualmente no Parque Nacional do Xingu, onde leva a mesma vida modesta que marcou a trajetória de enfrentamento às invasões, pela demarcação das terras indígenas e preservação dos recursos naturais da Amazônia.
Abaixo a entrevista em vídeo com Raoni, publicada pela agência Pública em 2018 no Projeto Amazônia Resiste.
Ao receber a notícia da articulação por sua indicação ao Nobel, Raoni retornava da Europa, onde discutiu com líderes europeus alternativas para proteger a Amazônia. Sua luta agora é contra o projeto do governo Jair Bolsonaro, que quer abrir as terras indígenas à exploração de grandes mineradores e a garimpeiros, a mais séria ameaça desde que o líder, aos 15 anos de idade, iniciou a resistência contra o avanço do capital sobre direitos dos povos tradicionais.