A maioria dos ônibus usados por bolsonaristas golpistas que invadiram Brasília estão registrados no estado de São Paulo, e são alvo de busca e apreensão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O dado é resultado de um levantamento inédito da Agência Pública através das informações de registro de 86 veículos identificados pela Polícia Federal (PF) no domingo, logo após os ataques. Ao todo, 31 veículos são registrados em SP.
O Paraná aparece como o segundo estado onde mais ônibus estão registrados, com 23, sendo Londrina, no norte do estado, o município com mais veículos registrados no levantamento, com cinco ônibus.
Após São Paulo e Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso são os estados com mais ônibus usados pelos golpistas que vandalizaram o Congresso, Planalto e STF.
Dos 86 veículos, a Pública localizou o registro de 44 nomes de empresas ou pessoas físicas que seriam os donos desses ônibus. Já 42 veículos não tiveram os responsáveis identificados pela reportagem.
Diante dos fatos, na madrugada desta segunda-feira (9), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu afastar o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) do cargo por 90 dias. A decisão foi tomada no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, do qual Moraes é o relator, ao analisar um pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e da Advocacia-Geral da União.
Na mesma decisão, o ministro também determinou a apreensão e bloqueio de todos os ônibus identificados pela PF que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal. Os proprietários deverão ser identificados e ouvidos em 48 (quarenta e oito) horas, apresentando a relação e identificação de todos os passageiros.
Ao todo, os 86 veículos teriam mais de R$ 126 mil em débitos; cerca de 72% deles em IPVA, seguido de multas, cerca de R$ 12 mil. Os veículos registrados na capital de São Paulo reúnem a maior parte desses débitos.
“Major” dono de empresa de ônibus tem contratos com governo Bolsonaro
Um dos ônibus apreendidos pelo STF está registrado no nome de Rota Brasil Transporte e Fretamento. A empresa tem apenas um sócio: Izaul Moraes de Souza. Nascido em Jataí, em Goiás, ele se apresenta nas redes sociais como um major do Exército Brasileiro, apoiador ferrenho do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além de postagens pedindo intervenção militar no Brasil, ele fez publicações a favor da Ditadura Militar de 1964.
Segundo apuração da Pública, a Rota Brasil de Izaul recebeu R$ 43 mil em recursos do governo federal na gestão de Jair Bolsonaro. Todos os pagamentos foram realizados entre 2020 e 2022.
De acordo com o Portal da Transparência, os contratos se referem à locação de ônibus com motoristas. Um deles, no valor de R$15 mil, foi para a superintendência estadual da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Mato Grosso.
A Rota Brasil também fechou contratos com o Ministério da Defesa para locação de ônibus na Operação Verde Brasil, em 2020. A operação foi uma ação do governo federal de Bolsonaro que mobilizou militares através de Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia. A empresa de Izaul firmou R$ 28 mil em contratos com a Defesa para fretamento de ônibus entre cidades do Mato Grosso, como Ladário, Poconé e Sinop.
Em 2020, mesmo ano em que os contratos com o Ministério da Defesa foram firmados, Izaul também recebeu oito parcelas do Auxílio Emergencial, no total de R$ 3,9 mil, segundo o Portal da Transparência. A reportagem também encontrou pagamentos do Auxílio Brasil no nome de Izaul. Ele teria recebido R$ 1,9 mil do benefício entre janeiro e outubro de 2022.
A Pública tentou contato com Izaul e a empresa, mas não teve retorno. A reportagem também procurou o Exército para confirmar se o dono da empresa é de fato militar, mas não teve resposta até a publicação.
Empresários bolsonaristas estão por trás de veículos usados em ato terrorista
Um dos ônibus alvo da decisão de Moraes pertence à Nogueira Turismo, de Franca, São Paulo. O veículo teria mais de R$ 1,3 mil entre multas e licenciamento não pago. O dono da empresa é o empresário e político bolsonarista Maurício Nogueira Dias, que concorreu a deputado estadual em São Paulo pelo Republicanos, na última eleição.
Em vídeo publicado em suas redes sociais, ele afirma ter aceitado o convite da deputada reeleita Carla Zambelli (PL-SP) e do agora governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) para concorrer em 2022. Além dos dois políticos bolsonaristas, ele também aparece em foto junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro e gravou vídeos com o senador eleito Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) e com o filho 03, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), reeleito deputado por São Paulo.
Dias é fundador do Conservadores da Alta Mogiana, grupo que organizou um congresso conservador em março do ano passado. O evento contou com a presença de expoentes do bolsonarismo como o atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, Capitão Derrite, a médica negacionista Nise Yamaguchi e o deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO), além de Tarcísio de Freitas, Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli.
O dono da Nogueira Turismo recebeu pouco mais de 5 mil votos e não foi eleito, mas acabou como o 11º mais votado de sua cidade, Franca. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele declarou ter recebido cerca de R$ 45 mil do Republicanos, mas não foram informadas despesas. Ele declarou R$ 227,5 mil em patrimônio. A Pública não conseguiu contato com Dias e nem com sua empresa. O espaço segue aberto para manifestações.
Outro veículo apontado pelo STF nos atos terroristas é da empresa Viação Prime, registrada em Jundiaí, São Paulo. À Pública, o sócio da Prime, Henrique Maciel, afirmou que o ônibus em questão foi fretado pela empresa Itnerol, de Várzea Paulista, que teria apenas informado horário de partida, o local de saída e o destino: Brasília. Maciel afirmou repudiar os atos ocorridos no último dia 8 e disse estar tentando contato com seu motorista, sem sucesso.
A Itnerol pertence ao empresário Marcos José Lorenti, que em seu Facebook costuma fazer publicações a favor de Jair Bolsonaro. A reportagem contatou a Itnerol por telefone, mas a funcionária afirmou desconhecer os fatos relatados e informou que o responsável não estava presente.
Jussara Aparecida Heldt, 62 anos, de Limeira, em São Paulo, aparece como sócia-administradora da empresa Transmega Transportes e Turismo, que usa o nome fantasia Alfha Locadora de Veículos. A empresa teve três veículos alvos da decisão de Moraes. Em suas redes sociais, Jussara aparece em foto como apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro. Os veículos de sua propriedade somam débitos com IPVA, Licenciamento e Multas no valor de mais de R$ 17,4 mil. Procurada, ela não retornou até a publicação. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
Outro dos veículos listados na decisão de Moraes é um ônibus da Nova Canaã Transportes e Turismo, com registro em Marília, no interior de São Paulo. O veículo soma débitos no valor de R$ 1,7 mil, incluindo IPVA. O proprietário da empresa, Eliezer Machado, 42 anos, foi procurado pela reportagem e não retornou até a publicação. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
A Transpasso Fretamento e Turismo, de Jacareí, São Paulo, também tem um veículo identificado pela PF. A empresa pertence a Marcos Leonardo Lopes Vieira e Leandro Delpasso Vieira, que foi candidato a vereador pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 2020.
A Transpasso confirmou que o veículo é de sua propriedade, mas não informou à Pública quem foi o contratante do aluguel. “São informações confidenciais, não podemos passar informação de cliente”, disse o funcionário.
Quando questionada sobre a utilização do veículo, a empresa disse que não tinha informação sobre os fins do aluguel: “A nossa empresa faz a parte do transporte, não tem ligação nenhuma com o pessoal que contratou. A gente só fez o transporte. A gente tem autorização da agência para poder levar o pessoal e a gente não tem como saber o que que foram fazer lá.”
Um ônibus da transportadora Transcomin também foi alvo do STF. De acordo com o departamento comercial da empresa, o ônibus saiu na sexta-feira (6) às 18 horas do Ginásio do Ibirapuera a caminho de Brasília, com cerca de 40 passageiros. A empresa diz não ter conhecimento prévio do objetivo do fretamento.