Em uma manifestação inesperada que virou o inquérito do avesso, no último dia 4 de abril a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) o arquivamento de um inquérito que, nos últimos 11 anos, pesa sobre a cabeça do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em fevereiro de 2012, um assessor de Lira na Câmara, Jaymerson José Gomes do Amorim, foi parado no aeroporto de Congonhas (SP) quando carregava, em cédulas coladas ao corpo, R$ 106,4 mil.
Na sequência à nova posição da PGR, o ministro Dias Toffoli devolveu na semana passada o inquérito para o julgamento, na 1ª Turma, de um recurso protocolado por Lira há quase quatro anos contra o recebimento da denúncia que havia sido apresentada pela mesma PGR (Procuradoria Geral da República) em março de 2018.
Após a manifestação da PGR, não é possível prever o desfecho do julgamento, que deve começar nesta terça-feira (6). Até o pedido de vista de Toffoli, três ministros haviam votado contra o recurso de Lira (Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello). Restam os votos de Toffoli e de Rosa Weber, mas Moraes e Barroso ainda poderão mudar de ideia, agora que a PGR também mudou de posição e pediu o arquivamento.
Na sua petição, Lindôra argumenta que uma colaboração premiada fechada pelo doleiro Alberto Youssef, chamada de “ouvir dizer”, não é suficiente para o recebimento da denúncia “sem a existência de elementos autônomos de corroboração do que foi narrado”. A procuradora defende que a investigação seja arquivada sem o recebimento da denúncia.
A análise das mais de 1,6 mil páginas do inquérito (nº 3515) mostra que ele vai além do “ouvir dizer” do doleiro Youssef. A investigação expõe contradições de Arthur Lira e uma tentativa de ocultar a ligação da peça-chave do caso, Jaymerson, com o deputado. Os autos do inquérito também revelam a demora no andamento da investigação desde que a Justiça Federal declinou sua competência, em junho de 2012, e o caso passou a tramitar no STF. Lira só prestou depoimento formal à PF em 2014, dois anos e meio depois da apreensão do dinheiro. Foram quase sete anos até a apresentação da denúncia, pela PGR, e mais quatro anos já se passaram sem o julgamento do mérito.
Assessor deu duas versões sobre o dinheiro no corpo
A história começou por volta das 16h30 de 10 de fevereiro de 2012, quando o brasiliense Jaymerson, então com 36 anos, passou pelo aparelho de raio-x na área de embarque do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a fim de tomar o vôo da TAM prefixo JJ-3722 em direção a Brasília, onde morava. O raio-x disparou. Uma agente de proteção à aviação civil chamou a supervisora dos módulos de inspeção, Flébia de Lima Joinhas, para que ajudasse a revistar o passageiro. Primeiro Jaymerson disse que tinha “algumas moedas no bolso”. Flébia pediu que ele tirasse seu paletó e o colocasse numa bandeja. Então ficaram visíveis “maços de dinheiro por dentro da camisa, na região abdominal”. Outros maços foram encontrados nos bolsos do paletó.
A polícia constataria depois que Jaymerson decolou de Brasília no final da manhã, desembarcou no aeroporto de Congonhas, ficou apenas cerca de uma hora em São Paulo e tentou embarcar de volta para a capital federal, quando então foi parado no raio-x.
Uma revista mais minuciosa revelou dinheiro “espalhado pelo corpo”, “nas meias, no paletó e por dentro da camisa, na região da cintura”. No depoimento à PF, Jaymerson disse que carregava R$ 70 mil – na verdade, eram R$ 106,4 mil – e que o dinheiro lhe pertencia, mas que não tinha um documento que comprovasse a origem, relativa a “honorários por consultoria administrativa” do ramo do “agronegócio” na aquisição de um imóvel. Disse que os recursos lhe foram entregues em uma rua, cujo nome não soube dizer, por um certo “José Ramos”, do qual não possuía nem endereço nem telefone. Indagado o motivo pelo qual escondeu o dinheiro no corpo, Jaymerson respondeu que “não tinha onde carregar”.
Em 2015, três anos depois, Jaymerson mudaria toda essa versão. Passaria a dizer que fora de Brasília a São Paulo já com o dinheiro e com objetivo de comprar uma camionete Toyota Hilux, veículo que teria sido “oferecido por Francisco Colombo”, mas que pertenceria a um amigo dele “cujo nome não foi dito”. O negócio, porém, não ocorreu porque Colombo “lhe disse que não tinha conseguido pegar o carro”. Perguntado sobre a contradição com a primeira versão, Jaymerson disse que “ficou nervoso e inventou uma história”.
Indicado ao cargo pelo PP em 2011, o economista Francisco Carlos Caballero Colombo era o diretor-presidente da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), uma sociedade de economia mista vinculada ao Ministério das Cidades, então controlado pelo PP, com um capital social de R$ 5 bilhões e que na época operava sistema de transportes de passageiros nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Recife, Maceió, João Pessoa e Natal. O nome de Colombo, falecido em maio de 2014 de leucemia aos 63 anos, aparecerá depois com força na investigação sobre Lira e adiante voltaremos a ele.
Passagens foram compradas com cartão pessoal de Lira
Momentos depois da apreensão do dinheiro no aeroporto de Congonhas, a polícia identificou que a pessoa que pagou a passagem aérea de Jaymerson, no valor de R$ 477,02, era um cidadão identificado no cartão de crédito da bandeira Visa como “Arthur Cesar P. Lira”, uma informação que seria decisiva para o curso da investigação. Depois se confirmou que a compra foi feita com um cartão de crédito pessoal do atual presidente da Câmara.
Jaymerson fez o possível para se distanciar de Lira. Primeiro declarou à polícia que “não conhece Arthur César P. Lira nem sabe quem ele é” e que a passagem aérea foi adquirida por “um compadre” de nome “João Araújo”, para quem ele deu dinheiro no valor do gasto. No primeiro depoimento à polícia, também afirmou que “trabalha na iniciativa privada, como administrador”, ocultando todo seu trabalho na Câmara dos Deputados.
Mas a investigação demonstrou que ele ocupava, no momento da apreensão, um CNE (Cargo de Natureza Especial) na função de Assistente Técnico de Gabinete com lotação formal no gabinete do então segundo-vice-presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo da Fonte (PE), do mesmo partido de Lira. Entretanto, Jaymerson estava, segundo a PF, “faticamente à disposição do gabinete do deputado federal Arthur Lira”.
No segundo depoimento que prestou à PF, em 2015, Jaymerson enfim confirmaria que “ficava meio expediente na segunda-vice-presidência e meio expediente no gabinete do deputado Arthur Lira” e que “exerceu o cargo de assessor de Arthur a convite dele próprio”. No gabinete de Lira, disse Jaymerson, “cuidava da vida pessoal do mesmo [Lira]”, ou seja, “pagava contas de telefone, fatura de cartão, comprava passagens para a esposa”.
Ouvidas depois pela PF, duas assessoras de Arthur Lira disseram que Jaymerson trabalhava em contato direto com o deputado. Uma delas, André Azevedo Miranda de Castro, disse que Jaymerson “acompanhava Lira em seus trabalhos legislativos em reuniões de comissões e no plenário” e que exercia “também funções administrativas, como seleção e contratação de pessoal”. Outra chegou a dizer que ele era “chefe de gabinete”, informação que se provou incorreta, mas que demonstra a importância de Jaymerson na rotina do gabinete de Lira.
Hipótese é que o assessor foi apenas uma “mula”, disse a PF
Em um relatório preliminar, o primeiro delegado que cuidou do caso, Kendi Tsuchida, concluiu em maio de 2012: “A estória de Jaymerson é completamente inverossímil, levando à conclusão de que não se tratava de porte de dinheiro próprio. A hipótese mais provável é que ele tenha sido mandado a São Paulo como ‘mula’”. No jargão policial, “mula” é a pessoa usada por terceiros para transporte de material irregular ou ilegal. Mas quem seria o interessado na viagem? O delegado escreveu: “O provável financiador da viagem de Jaymerson é alguém com o nome de Arthur César P. Lira. Caso a inicial ‘P’ seja de Pereira, chega-se à figura do deputado federal Arthur César Pereira de Lira, cumprindo suas funções, naturalmente, em Brasília-DF”.
Lira se manifestou pela primeira vez na investigação em 6 de novembro de 2012 por meio de uma petição subscrita por dois importantes advogados de Brasília, Sigmaringa Seixas, ex-deputado federal pelo PT falecido em 2018, e Pierpaolo Cruz Bottini. Na petição ao STF, onde o inquérito passou a tramitar ainda como “petição” em julho de 2012, depois que a Justiça Federal de São Paulo declinou sua competência, Lira disse que fora “surpreendido pela notícia dos fatos narrados”, mas adiantou que “efetivamente pagou passagens aéreas do sr. Jaymerson José Gomes de Amorim do dia 10 de fevereiro de 2012, entre as cidades de Brasília e São Paulo, mas não tinha qualquer informação sobre o porte de dinheiro, valores ou equivalentes, uma vez que não lhe foi comunicado que o deslocamento tinha qualquer relação com os fatos”. Pediu então que fosse “dispensada a quebra de sigilo do seu cartão de crédito, diante da confirmação da efetuação do pagamento”.
O primeiro depoimento de Lira à PF só ocorreria quase dois anos depois, em 2 de setembro de 2014. Ele disse que conheceu Jaymerson em 2011, quando este o “auxiliou com relação às Comissões, as pautas do plenário, projetos e questões administrativas do gabinete, tais como verbas indenizatórias, nas quais se incluem a questão das passagens, telefone, hospedagem etc”. Em 2012, disse Lira, Jaymerson estava lotado na segunda-vice-presidência “por sua indicação”. Quando indagado sobre o motivo pelo qual pagara as passagens aéreas de Jaymerson, Lira argumentou: “Na verdade, não teve conhecimento do uso do seu cartão para a compra da passagem para Jaymerson”. Afirmou que a compra foi feita por Jaymerson “sem o conhecimento do declarante [Lira]”. Disse ainda que Jaymerson “possuía a senha dos [seus] cartões bancários”.
Jaymerson tinha acesso, disse Lira, “às senhas dos três cartões pessoais”, uma vez que “esses cartões eram usados no gabinete para o fim de atender aos pedidos das pessoas do círculo do declarante [Lira] que não poderiam se utilizar da verba indenizatória, tais como esposa, filhos, vereadores e lideranças que não fazem parte do Gabinete do declarante”.
Conversa por Whatsapp coloca em xeque versão de Lira
Aos poucos, no depoimento, Lira foi esclarecendo o papel de Jaymerson. De fato, era muito presente. Lira disse que falava com Jaymerson “todos os dias” e que na semana da apreensão do dinheiro, quando Lira fora eleito líder do partido na Câmara, o assessor estava ajudando o deputado “na montagem da estrutura da liderança” do PP. Lira disse que, por essa razão, no dia 10 de fevereiro de 2012 “deu falta dessa pessoa uma vez que não conseguiu falar com ele por telefone”. Assim, disse Lira, ele “se aborreceu com Jaymerson por conta do ocorrido”. Afirmou ainda que “não sabia onde Jaymerson se encontrava, nem o que estava fazendo nesta data”, embora tenha citado vagamente que “acredita que recebeu um telefonema ou um recado de Jaymerson informando que ele teria ido a São Paulo e que voltaria no mesmo dia”.
Lira reiterou que, no dia da apreensão, “tentou falar com ele [Jaymerson] mas não conseguiu, o que aborreceu bastante o declarante [Lira]”.
Ao dizer que ficara contrariado com o suposto sumiço de Jaymerson e que não tinha conseguido falar com ele, Lira teria sua versão depois confrontada a partir de um detalhe fundamental: a PF havia apreendido em poder do seu assessor, em 2012, não só as cédulas de dinheiro, mas também “um aparelho eletrônico do tipo iPad e mais dois aparelhos de telefonia celular, sendo um IPhone e outro BlackBerry”. Tudo foi extraído e analisado pela perícia criminal da PF, em Brasília, com autorização do STF. Em outubro de 2015, portanto longos três anos e meio depois da apreensão, a PF enfim levou ao inquérito a informação de que Jaymerson e Lira não só se falaram ao telefone no dia da apreensão do dinheiro em Congonhas, como também trocaram pelo menos uma mensagem pelo aplicativo Whatsapp.
De acordo com o laudo da PF, às 15h43 daquele dia, Jaymerson escreveu para Arthur Lira: “Esta um pouco atrasado a saída [sic]. Seria bom ele me pegar la. 15:20”. Segundo a PF, Arthur Lira respondeu às 16h04: “Liga pra ele”. Nas mensagens não há nenhuma “bronca” de Lira nem pergunta sobre o paradeiro de Jaymerson. A conversa se deu poucos minutos antes da apreensão do dinheiro, ocorrida por volta das 16h30.
O laudo da perícia criminal também identificou que “foram registrados na data da prisão de Jaymerson oito contatos telefônicos entre ele e o deputado Arthur, sendo o primeiro à 1h30 da madrugada do dia 10/02/2012 e o último (não completado) às 23h56 minutos do mesmo dia”. A maioria das chamadas foi perdida, mas uma durou 35 segundos, outra, 12 segundos, e uma terceira, 1 minuto e 24 segundos. Além disso, ocorreram no mesmo dia “diversos outros contatos com pessoas do gabinete, e nos telefones fixos do gabinete do deputado e da liderança do PP”.
A “informação policial” nº 19 produzida pelo Grupo de Inquéritos do STF e do STJ da direção-geral da PF em 2015 a partir da análise dos laudos periciais concluiu: “Os achados dos celulares contradizem as declarações prestadas por Jaymerson José Gomes de Amorim e Arthur César Pereira de Lira, tendo em vista que Jaymerson e Arthur mantiveram contatos no mesmo dia que Jaymerson foi preso portando dinheiro no aeroporto em São Paulo. Em um desses contatos, o deputado e o assessor trataram de assunto relacionado a atraso, horário e ligação para um terceiro. Temas que, pela forma que foram escritas as mensagens, demonstram de maneira coerente e lógica que tratavam de assunto de conhecimento mútuo e pré-definido”.
Ouvido pela terceira vez pela PF, em 2017, Jaymerson foi indagado sobre a troca de mensagens pelo Whatsapp com Lira, quando disse “não se recordar desse diálogo, não sabendo esclarecer as circunstâncias em que o referido diálogo teria se dado”.
A PF também descobriu que não era a primeira vez que o cartão de Lira bancava uma passagem aérea de Jaymerson de Brasília para São Paulo. Isso já havia ocorrido em agosto de 2011. Colhido na contradição, o assessor disse que havia se esquecido dessa primeira viagem.
Tanto PF quanto PGR apontaram “contradições” de Lira
As conclusões, tanto da PGR quanto da PF, colocaram em dúvida as explicações apresentadas por Lira e Jaymerson.
“Nota-se que o deputado federal Arthur Lira se contradiz nas oportunidades em que, até então, se pronunciou na investigação: no que toca ao conhecimento que tinha sobre a compra dos bilhetes aéreos com seu cartão de crédito, e sobre o itinerário do movimento de transporte de valores por seu assessor parlamentar, se de Brasília para São Paulo ou se de São Paulo para Brasília”, diz a denúncia protocolada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em 27 de março de 2018.
No seu relatório conclusivo, a Polícia Federal disse que comparou a petição apresentada por Arthur Lira em 2012 com seu depoimento de 2014 e foi “possível verificar algumas contradições no tocante ao real conhecimento do parlamentar sobre a compra dos bilhetes aéreos com seu cartão de crédito e sobre o conhecimento e a dinâmica do transporte de valores por seu assessor parlamentar, se de Brasília para São Paulo ou se de São Paulo para Brasília”.
Para a PF, as declarações de Lira também “são contraditórias com os depoimentos prestados por Jaymerson” à polícia. “E é possível notar que o descolamento entre as primeiras versões do parlamentar e do assessor, causadas, certamente, por não terem se preparado para uma possível abordagem policial e pela surpresa com a descoberta do transporte de dinheiro de origem ilegal, é atenuado com o passar do tempo e com a invenção de outra estória, menos fantasiosa, mas igualmente pouco crível, havendo uma convergência entre as versões, e as contradições, embora existentes, são mais tênues entre os dois”, escreveu o delegado Alex Rezende.
A PF chegou a fazer um quadro com as contradições entre os diferentes depoimentos e manifestações de Lira e de Jaymerson.
PGR diz agora que não ficou provada a origem do dinheiro
Além das contradições nas versões de Lira e Jaymerson a respeito da viagem em si, ficou desde o começo estabelecido o problema da origem das cédulas apreendidas em 2012. Se Jaymerson não recebeu por “honorários” relativos à venda de um imóvel rural nem pela compra de um carro que nunca foi localizado — as duas versões contraditórias que apresentou —, de onde teria vindo o dinheiro?
A PF e a PGR focaram num dos termos da delação premiada do doleiro Alberto Youssef assinada dois anos depois da apreensão do dinheiro, em outubro de 2014, ainda no início da Operação Lava Jato. O doleiro disse que Colombo lhe contou que certa feita pagou cerca de R$ 100 mil a um assessor de Lira ou a “um assessor de outro deputado do PP para que entregasse ao deputado Arthur, mas o assessor acabou preso no aeroporto de Congonhas”.
Youssef alegou que o então ministro das Cidades, Mario Negromonte (PP), havia lhe dado a oportunidade de indicar a presidência da CBTU, e ele escolheu Colombo. Segundo o doleiro, sua intenção era receber “comissionamentos” relativos a contratos “de aquisições de bens e serviços”. A ocupação do cargo, disse Youssef, tinha por objetivo “trabalhar em prol do PP, para gerar caixa em favor do partido e conduzir a instituição ‘de maneira decente’”. Outro delator, Eduardo Hermelino Leite, executivo da empreiteira Camargo Corrêa, confirmou que “foi apresentado a Francisco Colombo por Alberto Youssef” e que o doleiro “representava o PP na Petrobras”.
A partir daí, a PF vasculhou possíveis contatos entre Youssef, Colombo, Jaymerson e Lira. Confirmou que Colombo esteve mais de 50 vezes, de fevereiro de 2011 a junho de 2012, nos escritórios usados por Youssef em São Paulo. Em 3 de fevereiro de 2011, a PF descobriu que 17 minutos antes de uma das entradas de Colombo também esteve no escritório do doleiro o atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Em pelo menos duas ocasiões, outros parlamentares do PP estiveram no local em horários próximos da presença de Colombo.
Indagado sobre Colombo, Jaymerson disse que se encontrava com ele “nos corredores da Câmara, mas de forma casual”, porém reconheceu que Colombo “tinha contatos também com Arthur Lira” e que foi “apresentado” ao então presidente da CBTU pelo seu próprio chefe, Lira. Afirmou ainda que o saque do dinheiro em Brasília foi um pedido de Colombo, a fim de supostamente comprar o carro do amigo do presidente da CBTU. Disse ainda que Colombo “se prontificou a utilizar os recursos do declarante [Jaymerson] para pagar as despesas de transferência e eventual transporte do carro para Brasília”.
A PF foi averiguar os aparelhos de telefone usados por Jaymerson e localizou diversos contatos entre Colombo e o assessor de Lira. No dia da apreensão do dinheiro, foram oito. Em 1º de fevereiro de 2012, isto é, nove dias antes da apreensão, Jaymerson escreveu a Arthur Lira que “Colombo ta aqui”.
Sobre duas ligações feitas a Colombo no dia 7 de fevereiro, três dias antes da apreensão do dinheiro, o que havia negado anteriormente, Jaymerson “alegou ter se esquecido de tal fato, não se lembrando do teor dessas conversas, mas que certamente diriam respeito a atividade que desempenha no gabinete do deputado Lira e não sobre a compra do veículo”. Disse também “não se recordar desse diálogo, não sabendo esclarecer as circunstâncias”.
PGR afirma agora que não ficou provada a origem do dinheiro
Na denúncia oferecida em março de 2018 contra Lira, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escreveu que “desde o final de 2011 até 10 de fevereiro de 2012, em São Paulo/SP e em Brasília/DF, Francisco Carlos Caballero Colombo, para se manter na Presidência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), oferecia e pagava vantagens indevidas a Arthur Cesar Pereira de Lira para que este, na condição de deputado federal, líder do Partido Progressista na Câmara dos Deputados, componente da base de apoio político do governo no Parlamento — e, portanto, com a prerrogativa de fazer indicações para cargos em comissão —, mantivesse o apoio político para que ele permanecesse naquele cargo como indicação política da agremiação partidária”.
O STF acolheu parcialmente a denúncia de Dodge, excluindo o crime de lavagem de dinheiro e aceitando o de suposta corrupção ativa. A defesa de Lira recorreu da decisão.
Cinco anos depois, Lindôra Araújo mudou totalmente o entendimento da PGR, citando uma inovação na legislação em 2019. “Em que pese os elementos de prova apresentados na denúncia sejam suficientes para comprovar a existência de vínculo entre Arthur Lira, Jaymerson Amorim e os valores apreendidos em poder deste último, à luz das inovações trazidas pela lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), apenas os relatos dos colaboradores de que ‘ouviu dizer’ não são suficientes para o recebimento da denúncia, sem a existência de elementos autônomos de corroboração do que foi narrado”, escreveu Lindôra.
“A peça acusatória se baseou, principalmente, nos elementos colhidos no curso dos Inquéritos nº 3996/DF e nº 3989/DF, imputando ao embargante a prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317, § 1º, do Código Penal) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/1998, na redação anterior à Lei nº 12.683/2019.”
Defesa diz que inquérito não provou ‘ciência’ ou ‘participação’ de Lira
Já haviam se passado sete anos desde a apreensão do dinheiro até que Arthur Lira apresentou ao STF, em fevereiro de 2019, sua resposta à acusação da PGR feita um ano antes. Seus advogados do escritório Bottini & Tamasauskas escreveram que a apreensão de dinheiro com o assessor de Lira “não implica sua [do deputado] ciência ou participação nos fatos, a não ser que outros dados corroborem a tese acusatória”, mas “eles não existem”.
Sobre a troca de mensagens no dia da apreensão, a defesa diz que as respostas do assessor “não indicam que ele revelou a seu chefe que estava em São Paulo, porque desconexas e pouco consistentes”. Jaymerson viajou a São Paulo, diz a defesa, para “resolver assuntos pessoais”.
Segundo a defesa, Jaymerson era assessor de Lira e tinha função de “organizar suas viagens” e por isso “comprava passagens em nomes do defendente [Lira], tinha a senha de seu cartão e contatava diretamente as agências de viagem”.
“A existência de diversas chamadas e conversas entre Jaymerson e Colombo revela efetivamente alguma relação entre os dois e um provável encontro no dia 10.02.2012, mas não indicam ciência ou participação do defendente [Lira]. A propósito, cumpre destacar que o defendente exonerou tal assessor assim que teve ciência do episódio da apreensão dos valores. Não há uma mensagem entre o defendente e Colombo naquele dia, uma ligação, uma troca de dados.”
A defesa argumentou ainda a “ausência de documentos essenciais ao exercício da ampla defesa e contraditório” e “violação do devido processo legal”. Por exemplo, não foi apresentada gravação em vídeo dos depoimentos de Youssef e não teria sido indicada “a fonte, a origem” dos dados sobre as visitas aos escritórios de Alberto Youssef.
Citando uma decisão da Segunda Turma do STF, a defesa afirmou que “a palavra do colaborador”, no caso, Youssef, “sem provas adicionais, é insuficiente para o recebimento da denúncia” e não se pode fazer uma “afirmação de ocorrência de suposto ilícito por ‘ouvir dizer’”. Os advogados disseram que a apreensão do dinheiro em São Paulo ocorrera dois anos antes da delação de Youssef e já havia sido noticiada na ocasião, o que “revela sua [do doleiro] tentativa de surfar em situação já pública”.
A defesa diz que outros dois inquéritos apuraram uma “inimizade capital” entre Lira e Youssef e que, por isso, o doleiro tentou prejudicá-lo. “Nada há [no inquérito] que comprove” a afirmação de que Lira teria recebido vantagem indevida “para fins de manutenção do sr. Francisco Colombo” na presidência da CBTU. “Nada há que comprove tal assertiva, a não ser a palavra de Alberto Youssef, notório inimigo do ora defendente [Lira], como já exposto. Ademais de frágil pelo personagem, a narrativa de Alberto Yossef é desprovida de sentido.” Disse ainda que Lira “não possuía a mínima competência – sequer ingerência – para determinar a permanência ou não” de Colombo no cargo.