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De cabo eleitoral na direita israelense a lobista no golpe de Bolsonaro

Diálogos vazados de dono da Tecnisa com Bolsonaro e Aras apontam para troca de favores; e ainda há muito a investigar

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26 de agosto de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

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No bom podcast “Alexandre”, a jornalista Thais Bilenky relembra o “quiproquó” que se seguiu à operação de busca e apreensão da PF, em agosto de 2022, na casa de oito empresários investigados pelo STF por disseminação de mensagens golpistas. Reveladas cinco dias antes pelo jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, as conversas se davam em um grupo de WhatsApp de bolsonaristas graúdos, como Meyer Nigri, o dono da construtora Tecnisa e lobista de Bolsonaro na comunidade judaica a quem levou para a famigerada palestra no Hebraica, clube de elite no Rio de Janeiro, na campanha eleitoral de 2018. Partiu dele também a singela ideia de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o que jogaria o país em um dos lados – o da extrema direita – do conflito com os palestinos.

Thais lembra a reação imediata à operação da PF, naquele agosto pré-eleitoral, de advogados e federações empresariais em defesa dos investigados, que tiveram o sigilo telemático e de contas bancárias quebrado por Alexandre de Moraes. Choveram críticas sobre os supostos superpoderes do ministro, em uma operação questionada discretamente até dentro da Corte. A Procuradoria-Geral da República, chefiada por Augusto Aras, que, segundo Thais, ficou “indignado” com Moraes, divulgou nota afirmando “não ter sido consultada” sobre a ação. Aras foi indicado a Bolsonaro para o cargo pelo próprio Nigri, o que pode explicar a cautela do ministro.

Dias depois, a PGR pediu o arquivamento do inquérito, o que foi negado até esta semana, quando Moraes concordou em encerrar as investigações no caso de seis empresários. Prorrogou-as, porém, a pedido da PF em relação a Luciano Hang, por atraso na perícia de seu celular, e a Meyer Nigri por “ter constatado vínculo entre o empresário e Jair Bolsonaro ‘inclusive com a finalidade de disseminação de várias notícias falsas e atentatórias à democracia e ao Estado Democrático de Direito’”, como revelou na segunda-feira a jornalista Pepita Ortega, no Blog do Fausto Macedo no Estadão

Na quarta-feira, o jornalista Aguirre Talento trouxe diálogos interceptados pela PF no celular de Nigri, apreendido na operação do ano passado. Além de revelar 18 mensagens golpistas enviadas por Jair Bolsonaro ao dileto empresário – que se encarregava de disseminá-las –, ontem foram publicadas as conversas entre Nigri e seu “afilhado”, Augusto Aras, com indícios de que o procurador atuou para trancar as investigações no STF a pedido do empresário. 

Segundo a PF, além da mensagem de socorro enviada por Nigri às vésperas de Moraes autorizar a operação, há diversos diálogos em que o empresário sugere atuações da PGR e até uma demanda por apoio do procurador-geral para decretar o Hamas e o Hezbollah como grupos terroristas sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional (!).

A amizade com Jair Bolsonaro, que vem desde 2016, também rendeu frutos ao dono de uma grande construtora que enfrenta dificuldades financeiras há alguns anos, como mudanças no crédito imobiliário favoráveis às empresas e com maior risco para os tomadores de empréstimo. Agora, o que a PF quer saber é, se além de apoiar o golpe difundindo fake news, houve participação do empresário no financiamento de ações antidemocráticas. 

Pode ir mais fundo e seguir duas pistas: a do hacker de Araraquara, brutalmente condenado a 20 anos de prisão pelo caso da Vaza Jato, mas que ainda não foi pego em mentiras, e disse em depoimento à CPI que Bolsonaro lhe pediu que assumisse a autoria de um grampo no celular de Moraes que teria sido feito por “agentes estrangeiros”; e outra revelação jornalística, essa, do repórter da Agência Pública em Brasília Caio Paes, sobre um contrato secreto do Exército com uma empresa de espionagem israelense. A Cognyte Technologies Israel Ltd., que vendeu, sem licitação, equipamentos no valor de R$ 850 mil para a Comissão do Exército em Washington, “é a mesma fabricante de um software comprado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para vigiar a localização em tempo real de até 10 mil alvos simultâneos, com suspeita de uso ilegal nos governos Temer e Bolsonaro”, como esclarece o repórter. 

Seria interessante saber quem foi o intermediário dessa obscura negociação.

Por coincidência, ou não, também nesta semana milhares de manifestantes israelenses contra o governo do primeiro ministro Binyamin Netanyahu entoaram uma versão em hebraico da mesma canção de Geraldo Vandré que citei na semana passada a propósito da praga golpista dentro do Exército: a emblemática “Pra não dizer que não falei de flores”. Admirado por Bolsonaro, de quem se aproximou através de Meyer Nigri e do ex-secretário Fabio Wajngarten, o autocrata israelense avança para mudar o sistema de Justiça de Israel para que não seja processado pelos desmandos de seu governo. 

Um exemplo de autoritarismo que Bolsonaro tentou, mas não conseguiu implementar. Mas não se iludam: se dependesse dessa gente, teríamos “sangue e guerra civil”, como pregava o vídeo encaminhado por Bolsonaro ao empresário, que o postou no grupo de WhatsApp. 

PS. Depois de citar tantas investigações jornalísticas relevantes, faço um apelo para que jornais, como a Folha de S.Paulo, não coloquem em risco a credibilidade dos seus profissionais fazendo publicidade “disfarçada de jornalismo”, como qualificou o Intercept em reportagem de Paulo Motoryn. Com base na Lei de Acesso à Informação, Motoryn encontrou 61 “reportagens” elogiosas ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, sem outra sinalização de que eram anúncios pagos além do logo do estúdio Folha. O contrato com a agência de publicidade da prefeitura, que já rendeu quase R$ 3 milhões para o jornal desde o ano passado, é investigado pelo Ministério Público.  

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