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De Temer a Bolsonaro: militares e milícias

O general Etchegoyen, homem forte do governo Temer, assinou o primeiro contrato do governo federal com a Cognyte

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28 de outubro de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

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O papel nefasto de Michel Temer, a serviço do grupo que derrubou Dilma Rousseff, mostra seus contornos também na operação da Polícia Federal (PF) que investiga a espionagem da Abin com equipamento israelense comprado em seu governo. Segundo a PF, a ferramenta da Cognyte, serviu para monitorar jornalistas, políticos e opositores de Jair Bolsonaro. 

No mesmo dia da operação, a Agência Pública revelou que os contratos com a empresa israelense se espalharam pelo poder público e atingiram R$ 57 milhões desde o primeiro deles, em dezembro de 2017. Além da agência do governo federal, alvo da investigação da PF, e da Polícia Rodoviária Federal, secretarias de segurança de nove estados fizeram negócios com a Cognyte, desde 2017: Mato Grosso, São Paulo, Amazonas, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pará, Espírito Santo e Alagoas. 

Tentáculos que remetem à “comunidade de informações” dos tempos de SNI, bem como o secretismo que envolvem esses contratos, como mostra Rubens Valente em sua coluna desta semana.

Em agosto, a Pública já havia divulgado a existência de outro contrato, uma compra secreta de R$ 4 milhões feita pela Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA) para a “renovação de licenças de interesse” dos militares nos Estados Unidos. O Exército recusou-se a prestar informações à Pública a respeito da negociação.

Foi também um general que estava no comando do GSI, quando foi feito o primeiro contrato da Abin com a Cognyte: Sérgio Etchegoyen, “conselheiro” de Temer, com grande poder desde o processo do impeachment. Vale a pena lembrar dois episódios reveladores do tipo de influência que o general exercia. O primeiro, ocorrido ainda no primeiro governo Dilma, quando foi o único oficial da ativa a se pronunciar publicamente contra a Comissão da Verdade; e o segundo, já no governo Temer, quando idealizou a intervenção militar no Rio de Janeiro e nomeou o general Braga Netto – ex-futuro vice de Jair Bolsonaro – para comandá-la. 

De lá para cá, o poderio das milícias, que ganhou os holofotes depois do ataque que parou quase a metade da cidade do Rio de Janeiro na segunda-feira, só cresceu. A partir de 2017/2018, como mostram os dados do Instituto Fogo Cruzado, a milícia passou por um surto de crescimento que a fez ultrapassar as facções em controle territorial do Rio de Janeiro: em 2021, já detinha 44% do território dominado pelo crime organizado.

Diversos fatores contribuíram para essa curva de crescimento – do enriquecimento das milícias durante as grandes obras olímpicas (investimento concentrado exatamente na zona oeste) ao enfraquecimento do CV durante a disputa feroz com o PCC, que atingiu o ápice em 2017, como explica o professor Daniel Hirata, do Observatório das Ilegalidades da Universidade Federal Fluminense (UFF). Também entra nessa conta a seletividade das operações policiais que visam muito mais o combate às facções do que às milícias, como já havia explicado o professor Hirata na coluna anterior. 

Do ponto de vista institucional, porém, o fator mais relevante para essa expansão, segundo Hirata, é a extinção da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Desmoralizada depois da intervenção – quando ficou sob o comando de Braga Netto –, após a explosão de violência que se seguiu, sua extinção foi promessa de campanha do bolsonarista Wilson Witzel. Foi assim que ela acabou sendo substituída por um modelo mais ao gosto das polícias: uma secretaria da Polícia Civil e uma da Polícia Militar.

A operação policial que matou uma liderança da milícia e deu origem aos ataques de segunda-feira passada, por exemplo, foi feita pela Polícia Civil sem nenhuma comunicação com a Polícia Militar, o que dificultou a repressão aos protestos incendiários dos milicianos na zona oeste. 

“Nós perdemos um órgão que não só estabelecia uma coordenação maior entre as polícias Civil e Militar, mas, no mesmo golpe, nós vimos um processo de autonomização das forças policiais, o que é extremamente deletério do ponto de vista do controle político, democrático, das forças policiais”, diz Hirata. “Se historicamente, no Brasil, todos os governadores têm dificuldades enormes de impor o poder político sobre as polícias, quando você deliberadamente delega isso, você passa a ser um governador figurante, né? E isso tem tudo a ver com a expansão do crime organizado, particularmente das milícias”, afirma. 

A saída é a de sempre: aprofundar a democracia, a transparência do poder público e exigir o controle político dos órgãos de inteligência e segurança, além de políticas públicas eficientes. 

E o jornalismo livre e independente é uma força essencial nesse processo. 

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