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Que me perdoe Svetlana Aleksiévitch por parafrasear o título de seu magnífico livro A guerra não tem rosto de mulher nesta humilde coluna. Na obra, a jornalista e Prêmio Nobel de Literatura, conta a Segunda Guerra de forma nunca vista: através das heroicas e invisíveis combatentes do Exército Vermelho.
Exagero de torcedora brasileira? Talvez. Mas a bravura de nossas atletas para mim traz a outra face da força feminina. Aquela que se manifesta na paz, como gostamos de viver, na alegria das proezas humanas que despertam a admiração – maior que a rivalidade – simbolizada na foto de Rebeca Andrade ao subir no pódio reverenciada pelas adversárias americanas Simone Biles e Jordan Chiles.
Maiores do que as torcidas e as bandeiras, as três ginastas que nos maravilharam pela coragem e excelência nas apresentações nos elevam com a mensagem potente de respeito ao legado que compartilham como mulheres negras e como atletas submetidas à exigência de treinamentos e competições desde meninas.
“Ela é uma rainha”, justificou Biles sem perder a majestade, explicando que a ideia de se curvar diante de Rebeca partiu de Jordan ao ver um pódio só de mulheres negras. Não foi coincidência as três terem escolhido a rainha Beyoncé para inspirar as lindas apresentações de solo.
Rainhas como Beatriz Souza, a nossa compenetrada judoca, a primeira medalhista de ouro do Brasil na competição, que, aliás, merecia ser mais festejada. Serena na luta, Bia explodiu de emoção na vitória, o choro de alegria cortando a conversa com a família. “Mãe, deu certo, pai, eu consegui, foi pela avó, é pra vó, mãe.” A avó de Bia faleceu dois meses antes da competição.
Uma homenagem a gerações de mulheres negras que compartilham lutas com vitórias suadas, quase sempre invisíveis. “É inexplicável, uma das melhores coisas do mundo”, foram as primeiras palavras de Bia, ao se ver com a mão na medalha. Já com o ouro no peito, o recado: “Mulherada, pretas e pretos do mundo todo. É possível! Acreditem! A gente pensa que está pagando muito caro, mas vale a pena quando a gente consegue!”.
É essa garra que mostrou o seu poder também na campanha da seleção de futebol feminina, que chega para jogar a final contra os Estados Unidos neste sábado (9), depois de enfrentar, em Paris, a descrença de colunistas e comentaristas (homens), que supervalorizaram a ausência da craque (com a expulsão de Marta, que a deixou fora dos jogos seguintes) e outros erros que elas souberam superar.
Mulheres aprendem porque ouvem e aceitam críticas, meninos. Chega de arrogância masculina. Realistas, temos a maturidade de Rayssa Leal, 16 anos, que, pressionada por um “ouro” no skate, disse, ao conquistar o 3° lugar: “Deu certo porque deu bronze”. Muito mais do que Fadinha, Rayssa, obrigada!
E somos boas em jogar em time, as forças se multiplicam quando a gente se une. Pode ser com todos os olhos cravados na equipe, como aconteceu na ginástica, que nos trouxe o bronze inédito, ou quando parece que ninguém está prestando atenção, como aconteceu com a nossa seleção feminina de vôlei – bem menos badalada do que a masculina, desclassificada nas quartas de final, enquanto as meninas partiam invictas para a semifinal com os Estados Unidos.
Perdemos de 3 x 2, é verdade, mas o resultado espelha a batalha acirrada de um time que lutou até o final e nos presenteou com o carinho orgulhoso das atletas que compõem o coletivo capitaneado por Gabi. Um ambiente perfeito para o talento e a ousadia da jovem Ana Cristina, projetando vitórias para o futuro.
Sabemos que a confiança mútua é a nossa maior força diante das adversidades, como mostrou a dupla de vôlei de praia Duda e Ana Patrícia, que assustaram a torcida no último jogo, ao perderem o primeiro set para a Austrália. Conversaram, voltaram e se classificaram para a final (no momento em que escrevo ainda não sabemos se a medalha de ouro ou de prata).
Temos sede de conquistas, mas sem esquecer o mais importante: somos humanas. Vibramos com o ouro de Beatriz e Rebeca e por trazer a maioria das medalhas brasileiras nesta Olimpíada. Mas também guardamos com orgulho a lembrança de Tamires, jogadora de nossa combativa seleção de handebol, carregando no colo a angolana Albertina Kassoma, que se sentiu mal na partida.
Um bom jogo de futebol e um almoço inspirado nas receitas da Bia e da Rebeca para comemorar a medalha, se possível com gol de despedida da nossa Marta!