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Não se fala em outra coisa neste país, da feira à academia, do uber ao bar com os amigos, no ambiente de trabalho. Muitas vezes com vozes roucas ou meio fanhas, entrecortadas por uma tossinha, um nariz escorrendo. Só se fala sobre como o ar está irrespirável, sobre a camada cinza que toma os céus de boa parte do país como se fosse uma neblina – só que ela não é formada por nuvens, mas por uma pluma de fumaça. Os olhos ardem, está difícil de dormir, todo mundo se sente doente. Fora o calor… Tudo sufoca.
A gente foi transportado para um cenário de filme distópico, de um futuro de catástrofe, mas o que estamos vivendo não tem nada de ficção. Esta quinta-feira (12) foi o quarto dia consecutivo em que a cidade de São Paulo registrou a pior qualidade do ar entre as grandes cidades do planeta. Cerca de 60% do país foi coberto por fumaça.
O futuro chegou antes do previsto e até os cientistas estão assustados, como admitiu o climatologista Carlos Nobre em uma entrevista nesta semana ao Estadão. Assustado, não. Ele se disse apavorado. E confesso que ler isso me deixou apavorada.
Conheço Nobre há um bom tempo. Já o ouvi falar muitas vezes sobre as previsões da ciência para a Amazônia e para o clima se o desmatamento continuar e se o planeta aquecer ainda mais. Sempre com um tom de urgência e de seriedade. “As pessoas precisam entender quão grave é o momento que estamos passando, e só assim elas vão agir”, me disse uma vez. Por isso, nos últimos anos ele não vem poupando nas tintas.
Mas Nobre nunca deixou a esperança de lado. Ele se empenhou em buscar soluções de bioeconomia para a Amazônia para fazer a floresta em pé valer mais do que derrubada, em orientar governos, em dar entrevistas sem parar a fim de fazer essa mensagem chegar longe. Agora ele diz que está apavorado.
“A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios”, afirmou Nobre à colega Roberta Jansen, do Estadão.
“O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5 ºC [o aquecimento da temperatura média do planeta] e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com aumento de 1 ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5 ºC. Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido”, complementou.
No início da semana, ouvi um outro pesquisador genial, o engenheiro florestal Tasso Azevedo – que eu sempre considerei um otimista inveterado –, também trazendo um tom preocupado sobre o futuro da Amazônia.
Em um bate-papo no lançamento do livro O silêncio da motosserra, do jornalista Claudio Angelo, escrito em colaboração com Tasso, ele disse acreditar que o desmatamento zero da Amazônia (ou quase zero, sobrando apenas um residual) vai ser alcançado nos próximos anos. Mas que talvez só isso já não seja o suficiente para salvar a floresta. Justamente por causa das mudanças climáticas, da seca e do avanço das queimadas.
Não conseguir respirar direito, ter de voltar a usar máscara para sair na rua, ver a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal arderem, inundando o país de fumaça, talvez sejam fatores mais que suficientes para qualquer um perder o otimismo. Falando por mim, só digo que a desesperança tem me acompanhado nos últimos dias.
Mas quero convidar o caro leitor a fazer um outro uso desse desânimo. Se a tragédia atual pode ter alguma utilidade é que ela mostra de modo bastante gráfico – e sensorial – como tudo está conectado. Mudança do clima é um problema de saúde, de abastecimento de água, de segurança alimentar e energética. Os biomas desmatados, em chamas, são um problema para as cidades a milhares de quilômetros de distância.
E só vamos deixar de nos sentir sufocados se começarmos a agir hoje, não só para proteger as florestas, mas para proteger a nós mesmos.
Em agosto lançamos na Agência Pública o projeto Clima das Eleições, com a intenção de cobrir a disputa municipal pela perspectiva das mudanças climáticas. Partimos do entendimento de que “são os prefeitos os primeiros a ter de lidar com uma emergência – e a forma como eles planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais resilientes ou ainda mais vulneráveis” a eventos extremos e ondas de calor, como eu contei na minha coluna de 16 de agosto.
Quando começamos a pensar nesse projeto, a gente ainda estava com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul fresca na cabeça e pensamos em como eventos daquele tipo podem acontecer em qualquer cidade. Fizemos matéria contando como 1.641 municípios no país têm risco a chuvas alto ou muito alto e discutimos o que cabe aos prefeitos fazer para proteger seus cidadãos. A gente já estava de olho na seca do Pantanal e da Amazônia, mas não esperava ver o país inteiro sufocado poucas semanas depois.
Nossa intenção era trazer subsídio para que os eleitores cobrem seu candidato a ter planos para tornar as cidades mais resilientes. Demandem planos de plantio de árvores para deixar as cidades mais frescas e com o ar mais limpo; projetos para ajudar a evitar queimadas, planos para eletrificar ônibus e diminuir a poluição do ar; moradias mais seguras contra deslizamentos e enchentes; espaços urbanos em que as pessoas que trabalham ou vivem nas ruas tenham como se refugiar e refrescar no calor.
Meu convite ao caro leitor é que você não se esqueça dessa sensação de não conseguir respirar e leve-a junto com o título eleitoral para as urnas no próximo dia 6 de outubro. O candidato que não está levando isso tudo a sério e não tem planos reais para lidar com essas questões não merece o seu voto.