Buscar
Coluna

Pense nessa falta de ar que você está sentindo na hora de votar

Se as queimadas podem ter alguma utilidade é mostrar que tudo está conectado e mudança do clima é um problema de saúde

Coluna
13 de setembro de 2024
06:00
Ouça Giovana Girardi

Giovana Girardi

13 de setembro de 2024 · Se as queimadas podem ter alguma utilidade é mostrar que tudo está conectado e mudança do clima é um problema de saúde

0:00

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

Não se fala em outra coisa neste país, da feira à academia, do uber ao bar com os amigos, no ambiente de trabalho. Muitas vezes com vozes roucas ou meio fanhas, entrecortadas por uma tossinha, um nariz escorrendo. Só se fala sobre como o ar está irrespirável, sobre a camada cinza que toma os céus de boa parte do país como se fosse uma neblina – só que ela não é formada por nuvens, mas por uma pluma de fumaça. Os olhos ardem, está difícil de dormir, todo mundo se sente doente. Fora o calor… Tudo sufoca.

A gente foi transportado para um cenário de filme distópico, de um futuro de catástrofe, mas o que estamos vivendo não tem nada de ficção. Esta quinta-feira (12) foi o quarto dia consecutivo em que a cidade de São Paulo registrou a pior qualidade do ar entre as grandes cidades do planeta. Cerca de 60% do país foi coberto por fumaça.

O futuro chegou antes do previsto e até os cientistas estão assustados, como admitiu o climatologista Carlos Nobre em uma entrevista nesta semana ao Estadão. Assustado, não. Ele se disse apavorado. E confesso que ler isso me deixou apavorada.

Conheço Nobre há um bom tempo. Já o ouvi falar muitas vezes sobre as previsões da ciência para a Amazônia e para o clima se o desmatamento continuar e se o planeta aquecer ainda mais. Sempre com um tom de urgência e de seriedade. “As pessoas precisam entender quão grave é o momento que estamos passando, e só assim elas vão agir”, me disse uma vez. Por isso, nos últimos anos ele não vem poupando nas tintas. 

Mas Nobre nunca deixou a esperança de lado. Ele se empenhou em buscar soluções de bioeconomia para a Amazônia para fazer a floresta em pé valer mais do que derrubada, em orientar governos, em dar entrevistas sem parar a fim de fazer essa mensagem chegar longe. Agora ele diz que está apavorado. 

“A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios”, afirmou Nobre à colega Roberta Jansen, do Estadão

“O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5 ºC [o aquecimento da temperatura média do planeta] e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com aumento de 1 ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5 ºC. Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido”, complementou.

No início da semana, ouvi um outro pesquisador genial, o engenheiro florestal Tasso Azevedo – que eu sempre considerei um otimista inveterado –, também trazendo um tom preocupado sobre o futuro da Amazônia. 

Em um bate-papo no lançamento do livro O silêncio da motosserra, do jornalista Claudio Angelo, escrito em colaboração com Tasso, ele disse acreditar que o desmatamento zero da Amazônia (ou quase zero, sobrando apenas um residual) vai ser alcançado nos próximos anos. Mas que talvez só isso já não seja o suficiente para salvar a floresta. Justamente por causa das mudanças climáticas, da seca e do avanço das queimadas. 

Não conseguir respirar direito, ter de voltar a usar máscara para sair na rua, ver a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal arderem, inundando o país de fumaça, talvez sejam fatores mais que suficientes para qualquer um perder o otimismo. Falando por mim, só digo que a desesperança tem me acompanhado nos últimos dias.

Mas quero convidar o caro leitor a fazer um outro uso desse desânimo. Se a tragédia atual pode ter alguma utilidade é que ela mostra de modo bastante gráfico – e sensorial – como tudo está conectado. Mudança do clima é um problema de saúde, de abastecimento de água, de segurança alimentar e energética. Os biomas desmatados, em chamas, são um problema para as cidades a milhares de quilômetros de distância. 

E só vamos deixar de nos sentir sufocados se começarmos a agir hoje, não só para proteger as florestas, mas para proteger a nós mesmos

Em agosto lançamos na Agência Pública o projeto Clima das Eleições, com a intenção de cobrir a disputa municipal pela perspectiva das mudanças climáticas. Partimos do entendimento de que “são os prefeitos os primeiros a ter de lidar com uma emergência – e a forma como eles planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais resilientes ou ainda mais vulneráveis” a eventos extremos e ondas de calor, como eu contei na minha coluna de 16 de agosto.

Quando começamos a pensar nesse projeto, a gente ainda estava com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul fresca na cabeça e pensamos em como eventos daquele tipo podem acontecer em qualquer cidade. Fizemos matéria contando como 1.641 municípios no país têm risco a chuvas alto ou muito alto e discutimos o que cabe aos prefeitos fazer para proteger seus cidadãos. A gente já estava de olho na seca do Pantanal e da Amazônia, mas não esperava ver o país inteiro sufocado poucas semanas depois.

Nossa intenção era trazer subsídio para que os eleitores cobrem seu candidato a ter planos para tornar as cidades mais resilientes. Demandem planos de plantio de árvores para deixar as cidades mais frescas e com o ar mais limpo; projetos para ajudar a evitar queimadas, planos para eletrificar ônibus e diminuir a poluição do ar; moradias mais seguras contra deslizamentos e enchentes; espaços urbanos em que as pessoas que trabalham ou vivem nas ruas tenham como se refugiar e refrescar no calor.

Meu convite ao caro leitor é que você não se esqueça dessa sensação de não conseguir respirar e leve-a junto com o título eleitoral para as urnas no próximo dia 6 de outubro. O candidato que não está levando isso tudo a sério e não tem planos reais para lidar com essas questões não merece o seu voto.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes