Em 2022, Luiz* ficou entusiasmado ao saber que seu jornal local no Brasil seria contemplado com um contrato com uma das empresas mais poderosas do mundo. Assim como em outros países, muitos pequenos veículos de imprensa brasileiros mal conseguiam juntar recursos para sobreviver. A oferta de dinheiro de uma empresa como o Google parecia um milagre.
“Eu ficava pensando por que eles estavam me oferecendo isso. Falei, rapaz, é só isso mesmo?”, disse o editor. “Sabe, a esmola, quando é demais o santo desconfia.”
“Vou ser sincero, acabei não lendo tudo, não sei ler em inglês”, contou. “Equivale a 40% da nossa receita… Por mês. Todo dia primeiro cai. Todo dia primeiro. Que maravilha. É religioso”. Outras fontes de receita são anúncios, doações e editais públicos.
Luiz, cujo nome foi mudado por conta do risco de se compartilhar detalhes sobre os contratos confidenciais, é um dos pelo menos 450 editores na América Latina, e mais de 2.000 em todo o mundo, que assinaram esse tipo de acordo com o programa de licenciamento Google Destaques nos últimos cinco anos.
Por meio do Destaques, o Google se comprometeu a gastar um bilhão de dólares em jornalismo no mundo todo. Nesse processo, impulsionou dependência financeira e uma cultura de sigilo, coagiu veículos a abrirem mão de reivindicações de direitos autorais e possivelmente se blindou contra futuras ações legais pelo uso de notícias para treinar modelos de inteligência artificial. É o que revela a investigação colaborativa e transnacional A Mão Invisível das Big Techs, liderada pela Agência Pública e pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), em parceria com outros 15 veículos trabalhando em 13 países.
Em 2019, a União Europeia aprovou uma legislação sobre direitos autorais que mudou a forma como o mundo passaria a regular tecnologia e notícias digitais nos anos seguintes.
A legislação desencadeou uma reação em cadeia que o Google vem tentando conter desde então.
Depois da votação, o Google aprendeu uma lição: a indústria de notícias usaria “todo o seu poder de lobby para tirar dinheiro de nós”, disse Madhav Chinnappa, ex-executivo do Google News.
O Google Destaques foi uma tentativa da companhia “de nos proteger e ver como lidar com isso da forma mais pragmática possível”, afirmou.
Assim, com a promessa de investir US$ 1 bilhão em jornalismo ao redor do mundo, o programa foi lançado em 1º de outubro de 2020.
“Eu achava que o Google Destaques não resolveria os problemas para os quais foi criado. Achava que tornaria tudo pior”, disse Chinnappa.
Chinappa ajudou a fundar o Digital News Initiative (DNI), um programa dentro da empresa cujo objetivo professo era promover inovação na indústria de notícias europeia através de financiamento e projetos. Depois ele foi expandido globalmente, tornando-se o Google News Initiative, ou GNI.
Ao contrário do Google News Initiative, cujo apoio vinha na forma de investimentos ou treinamentos, o Destaques incluía um contrato de licenciamento — o que significava que a empresa passava a ter propriedade sobre uma parte do conteúdo produzido pelos veículos parceiros. O programa parece ter sido criado especificamente como uma forma do Google compensar veículos e, ao mesmo tempo, evitar regulações, como as estabelecidas pelo News Media Bargaining Code da Austrália e as leis de direitos autorais digitais da França.
No lançamento, 200 veículos já haviam assinado contratos com o Google Destaques em países como Austrália, Argentina e Brasil, onde a remuneração sobre o conteúdo jornalístico usado pelas Big Techs estava em debate.

O programa incluía uma aba dedicada dentro da página do Google News, mas muitos editores disseram à investigação que ele não tem função real como produto, já que fica escondido e praticamente não gera tráfego para os sites.
O Google Destaques marcou uma mudança de postura em relação ao GNI, que buscava investir em inovação como uma maneira de lidar com pressões regulatórias, diz Ludovic Blecher, ex-chefe da divisão de inovação do GNI. “Para proteger seu negócio — e sua margem [de lucro] — em algum momento eu senti que a prioridade passou a ser mitigar os riscos regulatórios e manter o valor pago aos editores ‘econômico’. Assim, a discussão passou a ser sobre os atores maiores e mais influentes [da imprensa]. Eu chamo isso de alugar os seus inimigos”, disse um ex-executivo do Google oriundo do jornalismo.
A imprensa, por sua vez, não conseguiu aproveitar a oportunidade, ele acrescenta. “Com uma postura mais unida, menos ego e um entendimento melhor de como o Google funciona, o ecossistema jornalístico poderia ter feito um trabalho melhor para defender e proteger o futuro do jornalismo, algo mais necessário do que nunca”, diz.
Uma pessoa executiva de uma associação brasileira de imprensa disse: “Os programas do Google para o jornalismo sempre foram uma estratégia de relações públicas.” Mas, quando a pressão regulatória aumentou, a estratégia de RP mudou. “O Destaques é o melhor exemplo. É uma estratégia que cria dependência financeira.”
Os valores de contratos do Destaques mostrados à equipe de reportagem variam de US$ 25 mil anuais até US$ 250 mil por ano para os maiores veículos. Os contratos não serão publicados a pedido das nossas fontes.
Um editor de um veículo pequeno disse que o Google Destaques representa 15% da sua receita e é a principal fonte exclusiva de renda da empresa. “Nossa, 15%, é super relevante né? É uma mão na roda”, afirmou.
O contrato do Destaques se tornou essencial para muitas publicações. Em países da América Latina, um estudo mostrou que veículos mais carentes de recursos passaram a depender cada vez mais do programa, embora diretores e fundadores digam que o financiamento é insuficiente e o programa não cumpre a promessa de gerar tráfego para seus sites.
“Eles falavam, olha, a audiência do Destaques é praticamente insignificante”, afirma Juliana Colussi, professora da Universidad Rey da España e uma das autoras do estudo. “O meio grande ainda tem a assinatura. Mas o meio pequeno… normalmente os meios locais não conseguem tanta assinatura. Então acaba gerando… A consequência acaba sendo uma dependência”.
Em outros casos, o valor é menor, mas faz diferença. Um executivo de mídia australiano disse que o dinheiro do contrato do Google Destaques representa uma fatia menor de seu orçamento anual, cerca de 5% ao ano. “Se perdêssemos [o valor] iria nos prejudicar – teríamos que buscar esse dinheiro em outro lugar e talvez tivéssemos que demitir alguns funcionários. Mas não é crucial para nosso negócio”, diz.

O sigilo como estratégia
Mas os acordos incluem mais do que financiamento – e a ameaça do seu fim. Os contratos do Destaques têm como objetivo manter o sigilo.
Os contratos mostrados à reportagem incluem cláusulas que proíbem tanto o Google quanto o veículo parceiro de fazer “qualquer declaração pública sobre este Acordo sem a aprovação prévia e por escrito da outra parte”. Embora ambas as partes possam revelar que o acordo existe, nenhuma delas pode compartilhar o valor ou os termos do contrato — mesmo após seu término.
“O Google Destaques, eu acho que ele é uma estratégia determinante”, afirma Carla Egydio, que faz lobby para a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) no Congresso nacional.
“Em um setor econômico que já sofre muito com a sua sustentabilidade financeira, é muito difícil que uma organização que vive desse dinheiro – e essa é a realidade de muitas organizações do nosso país – se coloque favorável a uma legislação sem saber se ela vai ganhar mais ou menos dinheiro”.
Muitos veículos contatados pelo projeto A Mão Invisível das Big Techs hesitaram em falar sobre os acordos, com medo de violar a cláusula de confidencialidade.
Nelson Yap, presidente da Public Interest Publishers Alliance (PIPA), coalizão de 24 veículos australianos, acredita que a exigência de acordos de confidencialidade é uma estratégia para impedir a colaboração entre os veículos:
“Isso impede que os veículos aprendam uns com os outros. Fica difícil colaborar quando você está preso a acordos de confidencialidade, de modo que só se pode falar de forma superficial. Eles sabem disso e adotam essa estratégia globalmente.”
O Congresso do Canadá propôs a Lei de Notícias Online (Online News Act) em 5 de abril de 2022. O Destaques havia sido lançado no país seis meses antes, em 27 de outubro de 2021.
Muitos debatedores que defenderam a lei durante o processo legislativo argumentaram que ela poderia trazer mais transparência ao processo de negociação, em vez de deixar o Google fazer acordos de maneira independente e privada de maneira pouco transparente.
Em teoria, legislar sobre os pagamentos entre plataformas e veículos poderia lançar luz sobre como os acordos são firmados e ajudar todos os veículos a negociar contratos melhores.
A expectativa era que, com a legislação, haveria mais transparência nos acordos para ajudar outros veículos jornalísticos a negociarem a partir de uma posição melhor.
Mas, depois que a lei foi aprovada no Canadá, em junho de 2023, obrigando Google e Meta a pagar pelo conteúdo jornalístico usado em suas plataformas, o Google encerrou os contratos do Destaques no país.
A decisão significou uma perda significativa para os 11 veículos que tinham contratos assinados, incluindo alguns dos maiores do país, como o Globe and Mail, o Winnipeg Free Press e o Village Media.
Investigação na Alemanha
Na Alemanha, Oliver Schmidt, da empresa de licenciamento de notícias Corint Media, afirmou que veículos tinham a preocupação de que os signatários do Destaques seriam favorecidos pelos algoritmos do Google.
Os termos dos contratos levaram o órgão regulador concorrencial, o Bundeskartellamt, a abrir um processo contra o Google em 2021, preocupado que a integração do Destaques aos resultados gerais de busca pudesse “eliminar” do mercado serviços semelhantes oferecidos por outros provedores.
O Google garantiu que “continuará sendo irrelevante para o ranqueamento dos resultados de busca se um veículo participa ou não do Destaques”, segundo disse o presidente do Bundeskartellamt, Andreas Mundt, quando o processo foi encerrado em 2022.
Em resposta ao processo, o Google também alterou algumas cláusulas nos contratos, garantindo que “os editores não enfrentariam dificuldades para reivindicar seus direitos autorais auxiliares gerais”, acrescentou Mundt. Ou seja: outros direitos autorais sobre o conteúdo jornalístico não seriam prejudicados pelo contrato de licenciamento do conteúdo para a aba do Google Destaques.
O Google foi obrigado a remover cláusulas que afirmavam que os veículos reconheciam que “o tráfego que o Google envia às propriedades online do veículo é remuneração suficiente pela indexação, exibição e outros usos semelhantes do conteúdo das publicações do veículo, em conexão com os serviços de referência automatizada do Google (como a busca e produtos e serviços similares)”.
Outras cláusulas diziam que o Google poderia rescindir o contrato se fosse aprovada uma lei que estabelecesse mecanismos de pagamento, ou se o veículo “participasse ou iniciasse uma ação legal ou reclamação relacionada ao uso de conteúdo jornalístico pelo Google ou suas afiliadas, ou buscasse outras formas de remuneração por direitos autorais nos tribunais”.
Embora essas cláusulas tenham sido retiradas na Alemanha, nossa investigação revelou que elas ainda estão sendo utilizadas em outros lugares. Na Indonésia e no Brasil, os contratos ainda contêm disposições consideradas abusivas pelo regulador de concorrência alemão.
“Nós consideramos essas cláusulas de rescisão fraudulentas”, afirma Oliver Schmidt, da Corint Media, que representa 40% da mídia na Alemanha. “Quando você é o Google, com cerca de 90% do mercado, você é um jogador dominante, e os veículos precisam depender da sua plataforma para conseguir cliques e tráfego. Acordos como o Google Destaques, que não permitem que os editores exerçam seus direitos e monetizem seus conteúdos, eram, para nós, prejudiciais”.
“Vimos que o Google Destaques é uma ferramenta para o Google dividir o mercado”, diz ele.
Novos contratos estão sendo negociados em outras partes do mundo. Na Indonésia, os acordos estão sendo firmados como parte da lei aprovada no país. Veículos da grande mídia haviam assinado contratos do tipo em 2021, três anos antes da legislação de direitos autorais da imprensa ser aprovada. O Google havia negociado que só daria uma parte da verba para os grandes players até estar satisfeito com a lei que estava sendo debatida. Um oficial do governo confirmou ao Tempo, um dos parceiros nesta investigação, que o programa ficou em banho-maria. Depois da aprovação, o Google ampliou o programa e passou a incluir também veículos pequenos.
O fim na Austrália
Executivos de mídia na Austrália dizem que não receberam “nenhum aviso” de que seus contratos com o Google seriam suspensos.
Em 2022, para evitar ser obrigado a fechar acordos supervisionados pelo governo, segundo estabelecia a lei de mídia, o News Media Bargaining Code, o Google havia negociado dezenas de contratos com veículos em todo o país. Vinte e quatro deles, que eram associados à PIPA, haviam negociado contratos de cinco anos, renováveis anualmente. Mas os contratos foram abruptamente encerrados há alguns meses, depois de apenas três anos.
Uma pessoa familiarizada com o cancelamento dos contratos disse que foi uma “grande surpresa” para as empresas de mídia australianas, confirmando que não houve nenhum aviso prévio.
“Foi uma grande surpresa. Não houve aviso. Não houve consulta. Isto é, se alguém tem um relacionamento com você por três anos, você pensa que eles vão falar com você e dizer: ‘Olha, estamos pensando em fazer isso’”.
A Austrália, um dos primeiros países a aprovar uma legislação para regular as relações entre jornalismo e Big Techs, também foi um dos primeiros onde o Google Destaques foi lançado.
Cinco anos depois, o país está atualizando a sua legislação. Agora, a nova proposta prevê, entre outras mudanças, impedir que as plataformas optem por não pagar dinheiro aos sites jornalísticos ao apenas bloquear as notícias de serem usadas nas plataformas.
O dispositivo é uma reação ao fato de que, no Canadá, depois da aprovação da legislação, a Meta simplesmente bloqueou links vindos de sites jornalísticos de seus produtos – tanto o Instagram quanto o Facebook.
Mas o que mais preocupa os veículos australianos é como a nova legislação vai tratar do tema da Inteligência Artificial (IA).
Seria o Destaques uma maneira de treinar IA?
À medida que as Big Techs correm para desenvolver ferramentas de inteligência artificial mais potentes, elas precisam de grandes quantidades de informações factuais, atuais, e de qualidade. Os veículos de notícias oferecem isso.
Durante as negociações das leis de compensação ao jornalismo, Google e Meta argumentaram que as notícias tinham muito pouco valor para elas, pois trariam pouca receita de anúncios. Agora, a adoção da IA muda o jogo.
O conteúdo jornalístico é usado para treinar modelos de IA e chatbots, que depois utilizam essas informações como parte das respostas que fornecem aos usuários. Essas ferramentas muitas vezes não indicam a fonte da informação.
“Não há absolutamente como negar que o conteúdo jornalístico é valioso para as empresas de IA”, disse Klaudia Jaźwińska, pesquisadora e jornalista que lidera o projeto Platforms and Publishers do Tow Center, da Universidade de Columbia (EUA).
Ela lembra um estudo da empresa MuckRack, publicado em julho de 2025, que descobriu que o conteúdo jornalístico aparecia em quase metade de todos os resumos de IA exibidos pelo Google, em consultas relacionadas a temas atuais. Vale notar que os resumos exibidos na busca do Google em vários países onde não existe lei que regule a inteligência artificial — mas não na Europa — trazem as fontes da informação.
As pessoas recorrem aos mecanismos de busca para todo tipo de consulta, diz Klaudia Jaźwińska. Faz sentido que também queiram saber o que está acontecendo em sua comunidade em tempo real, “e essa informação muitas vezes vem dos veículos de comunicação”.
Outro estudo mostra que o resumo de IA na busca do Google pode reduzir em quase 80% o tráfego dos veículos de comunicação que apareciam proeminentemente entre os resultados da primeira página.
Em 2023, o The New York Times processou a OpenAI por violação de direitos autorais, acusando a empresa de usar seus artigos para treinar os modelos de linguagem da companhia. Um juiz decidiu, em março de 2025, que o caso poderia seguir adiante.
Em agosto, a Folha de São Paulo processou a empresa fundada por Sam Altman por concorrência desleal e violação de direitos autorais, afirmando que o ChatGPT reproduz reportagens na íntegra sem autorização.
Outras empresas de IA e veículos da grande imprensa – em especial no Norte Global – têm fechado acordos, recebendo pagamento em troca de acesso a arquivos ou conteúdos fechados que podem ser usados no treinamento de modelos de linguagem.
Quase 150 veículos de imprensa, do The Wall Street Journal ao The Guardian, já assinaram acordos de licenciamento de conteúdo com empresas de IA ou estão envolvidos em batalhas judiciais sobre o uso do seu conteúdo jornalístico, segundo dados compilados por Jaźwińska.
As empresas OpenAI, ProRata e Perplexity lideram a lista, com dezenas de acordos ou processos.
Já o Google, em comparação, assinou publicamente apenas cinco acordos, de acordo com os dados da pesquisadora. No fim de julho, a Bloomberg informou que o Google estava em negociação com cerca de 20 organizações de mídia para licenciar seu conteúdo para uso em ferramentas de IA.
Mas isso não significa que o Google esteja ficando para trás.
Na verdade, pode ser que a empresa esteja assinando acordos de IA com editores há anos sem que eles sequer soubessem.
Todos os contratos do Google Destaques obtidos por esta investigação incluem um dispositivo sobre propriedade intelectual que dá ao Google a capacidade de “reproduzir, distribuir, exibir publicamente, executar publicamente e de outra forma usar o Conteúdo da Publicação em conexão com produtos e serviços do Google”.
Oliver Schmidt, da Corint Media, disse que os membros do grupo pediram ao Google que removesse a cláusula ou confirmasse que ela não estava sendo usada como escudo para o treinamento de IA. O Google se recusou.
Embora possa não ser o principal objetivo dos contratos, diversos especialistas ouvidos por essa investigação concordam que a cláusula pode ser usada para evitar que os veículos tentem processar o Google pelo uso de seu conteúdo para desenvolver ferramentas de IA.
“Se chegar a um processo, eles poderiam dizer mais tarde: não, nós já pagamos os veículos pelo treinamento de IA. Temos este contrato do Google Destaques”, disse Schmidt.
A maioria das empresas de IA utilizou informações livremente disponíveis na web para treinar seus modelos antes de começar a firmar acordos para esse uso. Mas alguns acreditam que os contratos do Destaques podem ser usados para proteger o Google de ações judiciais.
“Se houver cinco matérias por dia de cada veículo, e houver 100 veículos na Alemanha participando do Destaques, são 500 artigos por dia. Multiplique isso por 365 dias, e são mais de 180.000 matérias por ano. Então o Google está recebendo conteúdo de mais de 180.000 artigos por ano, que poderiam ser usados — e isso já é suficiente para treinar um modelo de linguagem”, disse Schmidt.
Questionado por esta investigação se usa o conteúdo licenciado do Showcase para treinar modelos de IA, o Google respondeu por uma nota: “Como muitas empresas, interagimos regularmente com formuladores de políticas e outros sobre uma ampla gama de questões, incluindo como as políticas podem afetar as pessoas que usam nossos produtos. Relatamos de forma transparente nossas interações com autoridades, de acordo com as regulações locais.”
Um ex-executivo do Google admitiu para esta investigação que é possível que os contratos do Destaques sejam usados como um escudo legal, mas, segundo ele, isso é “improvável”, porque as empresas de tecnologia, em geral, se recusam por princípio a pagar por conteúdo que pode ser encontrado livremente online. Além disso, ele argumenta, a licença de direitos autorais para treinamento de IA tende a ter uma linguagem mais específica.
O Google continua a firmar acordos e renovar os existentes, consolidando ainda mais o papel do Google na indústria de notícias pelos próximos anos. No início deste ano, alguns veículos de notícias brasileiros começaram a renegociar seus contratos do Destaques. Luiz estava entre os editores satisfeitos em saber que seu contrato com a empresa seria renovado em meados de 2025 por mais três anos.
O Google também anunciou que renovou mais de 50 contratos do Destaques com editores australianos.
De acordo com Julie Posetti, vice-presidente de pesquisa global do centro de jornalismo sem fins lucrativos International Center for Journalists (ICFJ), a corrida da IA corre o risco de criar o que ela chama de “Captura por plataformas versão 2.0”. Ela acompanha com preocupação a nova tendência de acordos individuais para treinamento de IA e a inclinação de novas empresas que lideram a corrida da IA, como Microsoft e OpenAI, de financiar eventos e treinamentos de jornalismo.
“Com a proliferação da IA generativa, estamos vendo os mesmos tipos de relações se desenvolverem, como se nenhuma das lições da era da captura por plataformas 1.0 tivesse sido aprendida”, ela diz, explicando que as parcerias da indústria jornalística com Big Techs levaram à “captura, influência e autocensura”.
A defesa do jornalismo de interesse público pelas Big Techs, diz ela, era apenas “performática”.
“No fim das contas, tratava-se de tentar aliviar qualquer tipo de trabalho de responsabilização focado nessas empresas e de apresentá-las como atores benignos da tecnologia, amigas dos jornalistas”, diz ela.
“Parece que nenhuma dessas lições foi aprendida.”
A Mão Invisível das Big Techs é uma investigação transnacional e colaborativa liderada pela Agência Pública e o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), em conjunto com Crikey (Austrália), Cuestión Pública (Colômbia), Daily Maverick (África do Sul), El Diario AR (Argentina), El Surti (Paraguai), Factum (El Salvador), ICL (Brasil), Investigative Journalism Foundation – IJF (Canadá), LaBot (Chile), LightHouse Reports (Internacional), N+Focus (México), Núcleo (Brasil), Primicias (Equador), Tech Policy Press (EUA) e Tempo (Indonésia). O projeto tem o apoio da Repórteres Sem Fronteiras e da equipe jurídica El Veinte, e identidade visual da La Fábrica Memética.