Apesar do debate sobre o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) ter sido intenso no WhatsApp e no Telegram, ele “não furou a bolha”, aponta estudo feito pela Palver, empresa especializada em análise de trends nas redes sociais. A pedido da Agência Pública, a Palver avaliou que, no auge da discussão nos grupos, o julgamento foi abordado em cerca de 2 mil mensagens a cada 100 mil em um universo de 100 mil grupos no WhatsApp e 5 mil grupos no Telegram. A Palver analisou os termos a partir da busca por palavras-chave – como Bolsonaro, STF, Supremo, Golpe, Moraes e Gonet – entre os dias 29 de agosto e 3 de setembro.
Ainda que o número seja alto, pois os grupos públicos abordam assuntos diversos, o responsável pela área de inteligência e co-fundador da empresa, Luis Fakhouri, explica que “essas mensagens ficaram restritas ao debate dos grupos bolsonaristas, ao debate dos grupos de esquerda”, e não viralizaram entre o público geral. O pesquisador atribuiu isso ao tom “técnico” e “linguajar jurídico” que permeia o julgamento.
A Palver também analisou o posicionamento das mensagens e aponta que a versão bolsonarista tem predominado: o relatório aponta que 68% das menções são contrárias à condenação, enquanto 23% são favoráveis e 9% são indeterminadas.
“[O bolsonarismo] é um público mais presente no debate digital, e que tem mais interesse em manter a linha narrativa. A esquerda vai fazer comentários mais amplos, mas não vai ficar toda hora [falando] em defesa da democracia. A direita tem o apelo em defesa do líder”, justifica Fakhouri.
As mensagens sobre o julgamento atingiram seu pico por volta das 17h da terça-feira, 2 de setembro, dia em que foram ouvidas as defesas de quatro réus do chamado núcleo crucial, que envolve os principais responsáveis pela trama golpista. Na quarta-feira, dia 3, as defesas de Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Oliveira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto se pronunciaram. Os advogados de Bolsonaro defenderam que não há provas que liguem o ex-presidente a uma tentativa de golpe, mas não negaram que ele tenha discutido medidas que poderiam sustentar uma ruptura democrática. O julgamento segue na semana que vem.

Fala de Tagliaferro no Senado dividiu a audiência
Durante a manhã de terça-feira, a participação de Eduardo Tagliaferro na Comissão de Segurança Pública do Senado Federal dividiu a atenção bolsonarista com o julgamento no STF, afirmou Fakhouri. Tagliaferro é ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está no centro de um vazamento de mensagens internas de pessoas do círculo de Moraes que têm sido utilizadas por bolsonaristas para questionar a atuação do ministro.
O pesquisador aponta que, enquanto os conteúdos sobre o julgamento têm linguajar técnico e dificilmente rendem cortes que viralizam, o depoimento de Tagliaferro no Senado gera mais material. “É muito mais fácil de viralizar um questionamento do senador, uma fala, uma resposta do Tagliaferro, do que uma decisão técnica de um ministro lendo uma decisão ou uma parte do processo”, explicou.
Um dos conteúdos sobre o tema compartilhados no WhatsApp, por exemplo, era o link para um vídeo publicado no Tiktok pelo influenciador Deycon Silva, que tem mais de 12 mil seguidores na rede. Silva citou o depoimento de Tagliaferro para afirmar que “o julgamento tem que parar”. O conteúdo teve mais de 8,5 mil curtidas e 400 comentários.
A Pública mostrou que o blogueiro Allan dos Santos disse ter sido o responsável por conectar Tagliaferro aos senadores e que a organização estadunidense Civilization Works, criada pelo jornalista Michael Shellenberger, produziu um relatório que embasou o convite.

Narrativa de perseguição X aplicação da justiça
O estudo da Palver também aponta que, apesar de Bolsonaro ser o mais citado, Lula e Moraes também aparecem com frequência nas mensagens. O “setor progressista” elogia Moraes, classifica a possível condenação do ex-presidente como “justa” e reforça “que a soberania nacional será defendida”.
Já os bolsonaristas insistem na narrativa de perseguição política, e dizem que “os juízes e Alexandre de Moraes estariam manipulando o julgamento de Bolsonaro por meio de provas supostamente forjadas”, explica o estudo. O julgamento também é citado para impulsionar a “convocação para manifestações em defesa do ex-presidente”, que acontecerão em 7 de setembro.
“A tentativa de envolver o público geral está concentrada, pelo menos até 7 de setembro, nesta pauta. Pode ser que, a depender também do tamanho das manifestações do domingo, a estratégia digital da semana que vem seja diferente”, avaliou Fakhouri.