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A troca de mensagens entre o governo do Rio de Janeiro e o governo dos Estados Unidos sobre a operação policial contra o Comando Vermelho repete, em relação à segurança, a trama que levou à decretação do tarifaço e às medidas contra ministros do governo Lula e do STF tomadas pelos Estados Unidos.
Em vez de Eduardo Bolsonaro, dessa vez foi Cláudio Castro o encarregado de fornecer o pretexto para a interferência dos EUA, enviando um dossiê, entregue por Flávio Bolsonaro, em que pede o enquadramento das facções cariocas como organizações terroristas pelos Estados Unidos.
Um presente para Donald Trump que vem avançando a passos largos sobre a soberania da Venezuela e de outros países do continente com o pretexto de combater o “narcoterrorismo” (sobre isso leia a coluna de Natalia Viana desta semana).
O gesto de Castro faz parte da estratégia bolsonarista de recuperar território perdido com a abertura das conversas entre Donald Trump e o presidente Lula. E, como era de se esperar, já que enquadrar traficantes latinos como terroristas é tudo o que Trump deseja, surtiu algum efeito.
No dia 4 de novembro, o governo americano enviou uma mensagem ao secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro em que expressa condolências pela “trágica perda dos quatro policiais que tombaram no cumprimento do dever, durante a recente operação Contenção no Rio de Janeiro”. E só.
Nenhuma palavra sobre as outras 117 vítimas da operação de 28 de outubro, esse é o recado.
Ou seja, se voltou a negociar comercialmente com o Brasil em defesa de seus próprios interesses, Trump não desiste de interferir na soberania brasileira, mais uma vez a convite dos bolsonaristas.
Coincidentemente, ou não, no mesmo 4 de novembro o presidente Lula falou pela primeira vez sobre o massacre do Rio, ocorrido uma semana antes. Em entrevista concedida a correspondentes estrangeiros em Belém, Lula chamou a operação de “matança” e defendeu que legistas da Polícia Federal investiguem as mortes – em consonância com o pedido de investigação independente feito pela ONU e pela Anistia Internacional, entre outras organizações de direitos humanos.
Sabemos por que Lula demorou a falar – uma pesquisa de opinião, divulgada dois dias depois da imagem dos corpos expostos em praça pública pelos moradores do complexo da Penha ganhar repercussão internacional, apontou que 51% dos moradores do Rio – percentual que sobe para 87% entre os moradores das favelas – apoiaram a operação sangrenta e eleitoreira de Cláudio Castro.
O político Lula quis evitar a casca de banana jogada pela direita – 93% dos bolsonaristas apoiam a operação, o índice mais alto entre os grupos políticos consultados, o que recomenda cautela na leitura dos resultados gerais do levantamento. Mas o grau de insegurança e revolta em relação à criminalidade que a pesquisa revela de forma inequívoca é de assustar qualquer candidato à reeleição. Principalmente depois de Lula ter proferido uma frase canhestra pouco antes da operação, afirmando que “os traficantes são vítimas dos usuários”, o que deu mais munição à direita.
A mesma pesquisa da Atlas revelou que 59% dos eleitores de Lula desaprovam a operação, o que pode ter encorajado o presidente a dizer, por fim, o que todos esperavam dele. Mas até pelo momento em que concedeu a entrevista, às vésperas da Cúpula dos Líderes, acredito que o chefe de Estado e anfitrião de um encontro multilateral das dimensões e do significado da COP falou mais alto que o candidato – com uma ajudinha da provocação dos EUA na mensagem enviada ao governo do Rio por canais oficiais.
Trump, como todos sabem, não virá à COP30, já que detesta tanto a ONU como as negociações sobre o clima – para ele um assunto sem importância. Ainda assim, está atrapalhando, a começar pelo financiamento climático, pauta prioritária no encontro que quer chegar a 1,3 trilhão de dólares de recursos para programas de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento.
Não apenas os recursos do maior emissor histórico de gases estufa fazem falta nessa difícil equação, como a atitude de Trump afasta a iniciativa privada de seu país e de países aliados de colaborar com o financiamento climático, assim como afeta outros foros multilaterais como o G-20 e instituições financeiras. Uma complicação a mais para um tema espinhoso e que já está atrasado diante da urgência da humanidade.
O certo é que além dos desafios a serem enfrentados na “COP da Verdade”, como diz Lula, a atitude belicosa do presidente dos Estados Unidos em relação à América Latina empurra o Brasil para assumir a liderança em defesa do multilateralismo, do continente e de sua própria soberania.
Não fará isso de forma competente se o governo perder a coragem de defender seus próprios princípios. Condenar e investigar o massacre de Castro, ainda que seja apoiado pela maioria, é o mínimo que se espera de um governo democrata, doa a quem doer.
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