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Controle parental: 3 meses após sanção da Lei Felca pais não sabem proteger filhos na web

Estudo mostra desconhecimento dos pais sobre o ECA Digital e impacto da desinformação na opinião dos pais

Reportagem
11 de dezembro de 2025
08:00
George Pak/Pexels

Três meses após a sanção do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, popularizado como ECA Digital, um estudo mostrou que os pais ainda não sabem o que é essa lei, que no processo de elaboração no Congresso Nacional ficou conhecida como “Lei Felca”, e também como “Lei contra adultização de crianças e adolescentes”. O levantamento mostra que os responsáveis pelos menos não possuem domínio de ferramentas de controle parental.

O estudo do Projeto Brief e divulgado nesta quinta-feira, 11 de dezembro, levou em consideração a resposta de 1.800 pais com filhos menores de 18 anos e revelou que 77% dos filhos possuem seu próprio celular, sendo 28% crianças de até 7 anos. Ao mesmo tempo que os pais de crianças e adolescentes entendem a importância da regularização das redes, poucos conhecem como utilizar as ferramentas para monitorar seus filhos.

As mães são as mais preocupadas com a regularização da internet, 87,7% delas dão credibilidade à regulação, enquanto os pais (homens) são 74,1%. Para Carolinne Luck, coordenadora executiva do Projeto Brief, essa diferença é explicada pelo fato de as mulheres serem maioria como responsáveis diretas das crianças. “Para o homem, com mais frequência, o tema aparece um pouco mais distante. Elas leem como proteção, enquanto parte deles lê como disputa política”, explica Luck.

Por que isso importa?

  • Mais de 60% das denúncias de crimes cibernéticos no 1° semestre de 2025 envolviam exploração e abuso sexual infantil, afirma a Safernet
  • Pesquisa aponta que menores entre 13 e 18 anos, 91% têm acesso a pelo menos uma rede social

A disputa política em torno da regularização das redes sociais também foi uma questão durante a votação da lei no Congresso, impulsionado pelas campanhas bolsonaristas que alegaram que a lei iria ser um tipo de censura, o fim da “liberdade de expressão”. O estudo mostrou que essas propagandas tiveram efeito na desinformação da lei, principalmente dos homens, 78% comentários que mencionam “censura” são de homens, contra 22% de mulheres. 

Para a coordenadora do Projeto Brief, a polarização do debate tira o foco da proteção das crianças “e vira um medo de que o Estado ou as plataformas passem a controlar o que pode ou não circular”, avalia Luck.

O medo de que haja restrição de outros tipos de conteúdo é esclarecido na lei, que proíbe a vigilância massiva e indiscriminada pela governança. Também há limitação de quem pode solicitar a remoção de publicações, que pode ser a vítima, a pessoa responsável, o Ministério Público, ou as entidades de proteção.

O estudo mostra ainda que 51% das adolescentes entre 13 e 18 anos são as que mais postam conteúdo sem supervisão. Quando observamos os dados de experiências negativas que essas crianças passaram online, as experiências de meninas entre 13 a 15 anos dobram em relação aos meninos, que chegam a 31% das situações descritas como desconfortáveis e 16% das meninas experienciaram casos de assédio/abuso/violência.

Mesmo com 46% dos responsáveis relatando alterações no comportamento dos filhos, como ansiedade, irritabilidade e dificuldade de foco, apenas 37% sabem usar aplicativos de controle parental. A sensação de solidão na tentativa de proteger os filhos é compartilhada por 82% dos participantes. O número aumenta sobre o desconhecimento quando se trata dado ECA Digital. A pesquisa mostra que apenas 36% dos pais já ouviram falar, mas entre eles, só 52% acertaram o significado.

Ter cuidado com postagens dos filhos em perfis públicos, nunca postar fotos com uniformes escolares, entender que mesmo em perfis privados o cuidado com o que é postado deve existir. Esses são alguns conselhos da Emanuella Halfeld, analista de Relações Governamentais do Instituto Alana. Ela explica que, além de todas essas ações, o diálogo com as crianças e os adolescentes é fundamental para os pais ajudarem a manter a internet segura para os filhos.

“Ter esse cuidado, conversar com a criança sobre a prática [de exposição], entender um pouco melhor o contexto, o conforto daquela criança ou do adolescente nessa exposição, entendendo que às vezes pode ser difícil mesmo a compreensão do que é ter uma imagem postada na internet com essa idade.”, explica Halfeld.

Preocupação com presença digital de crianças e jovens nas redes sociais é global

Mas a proteção dos menores na internet está além dos cuidados dos pais. A regulamentação das redes sociais é um assunto debatido em todo o mundo além do Brasil. A necessidade de fazer com que as plataformas sejam ambientes seguros para as crianças é uma pauta mundial.

A Austrália foi o primeiro país do mundo a proibir o uso de redes sociais como o Tiktok, Instagram e Facebook para menores de 16 anos, que tiveram suas contas excluídas. As plataformas são obrigadas a criarem medidas de verificações rígidas no país. Algumas redes com WhatsApp, Google Classroom, Discord e Roblox não foram incluídas na lei australiana.

No Brasil, a criação da lei do ECA Digital trouxe um conceito diferente da regularização. Emanuella Halfeld explica que a lei brasileira tem conceito mais abrangente. “O ECA Digital foi feito para ser essa espécie de estatuto mesmo, uma legislação geral com diversas formas de como as aplicações [do estatuto] podem se manifestar na internet”.

Para a analista, uma proibição apenas de uma rede social não caberia no ECA Digital, porque a ação poderia acabar “proibindo uma gama diversa de aplicativos que não necessariamente são aqueles mais arriscados para crianças e adolescentes”, declara.

Halfeld entende que crianças e adolescentes vão existir nessas plataformas e é dever delas fazer destes ambientes um lugar seguro. “A gente precisa entender que crianças e adolescentes estão ali e que elas podem coexistir e ter seus direitos respeitados”, pondera. “Com a criação do ECA Digital no Brasil, o debate do que as plataformas podem e não podem [fazer], e quais redes violam a legislação, entra em vigor”, explica a analista.

“Apesar do ECA Digital não colocar uma idade de proibição específica e genérica para amplos tipos de serviço, ele coloca que aquelas redes, produtos ou serviços que não estiverem adequados para garantir [a aplicação da] legislação, e os direitos de crianças e adolescentes, têm que criar algum tipo de barreira etária também.”, complementa.

Para a analista, o ECA Digital significa, para o Brasil, uma inovação. “[É possível] a gente pensar em ambientes digitais mais seguros e desenhados de forma apropriada para diferentes faixas do desenvolvimento”, diz a analista. Ela entende que a lei, por não ter um pensamento “proibitivo”, tem uma vantagem à legislação da Austrália e que mostra um “cuidado do legislador”.

“Inclusive um cuidado para não causar proibições que limitem demais o acesso ao direito à informação de crianças e adolescentes, justamente por causa de eventuais imprecisões conceituais. Ter esse cuidado na técnica legislativa, possibilita regras e parâmetros que devem ser respeitados por todo o ambiente digital que é de provável acesso por crianças e adolescentes.”, conclui Emanuella.

Uma discussão que nasceu nas redes sociais e tomou o país

O projeto de lei que criou o ECA Digital entrou como pauta urgente no Congresso Nacional após um vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, viralizar nas redes, em agosto deste ano. Nele, o influenciador denunciou casos de exploração sexual de crianças, monetização desses tipos de vídeos na internet e adultização das crianças. A adultização é o processo onde crianças são expostas a comportamentos adultos precoces, o que pode atrapalhar na sua infância e causar perigos psicológicos para elas.

O vídeo, que hoje chega a mais de 50 milhões de visualizações, não apenas denuncia contas de coaches mirins, mas descreve a experiência de Felca, que criou um perfil fake no Instagram para simular como conteúdos envolvendo crianças sexualizadas são facilmente divulgadas pelos algoritmos, a partir de algumas curtidas.

A aprovação da lei no Congresso ocorreu cinco dias depois da prisão preventiva de Hytalo Santos e seu marido, Israel Nata Vicente, conhecido como MC Euro, em 15 de agosto. Denunciados pelo vídeo do Felca por exporem crianças e adolescentes de forma hispersexualizada e por influenciarem a adultização e menores. Em setembro, Hytalo Santos e seu marido se tornaram réus por produção de conteúdo pornográfico com menores de idade, as contas de Hytalo foram apagadas em 8 agosto, quando começou a ser investigado pelo Ministério Público da Paraíba.

Durante a tramitação da proposta, além dos conflitos com lideranças do Partido Liberal (PL), que acusavam a lei de ser uma forma de censura, as entidades que representam as big techs também pressionaram o Congresso. Como a Agência Pública mostrou à época, as mesmas entidades tentaram mudar e excluir alguns artigos da lei para benefício próprio. O mesmo ponto foi debatido durante a votação final do projeto.

Mesmo assim, a Lei passou com maioria no Congresso e entra em vigor em março de 2026, quando a fiscalização pela Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) terá início. As plataformas têm a exigência de se adequar às regras até essa data, podendo ser multadas e advertidas pela ANPD caso não o façam.

O ECA Digital, sancionado no dia 17 de setembro, tem o objetivo de ampliar a proteção de crianças e adolescentes, impondo também responsabilidades para as plataformas de proteger o ambiente digital. A lei as obriga adicionar medidas eficazes de verificação de idade dos usuários nas plataformas, proíbe o uso de perfilamento comportamental para publicidade e monetização, proíbe o uso de imagem de crianças sexualizadas e que usem “linguagem adulta”. Também exige que crianças e adolescentes com menos de 16 anos só possam usar as redes sociais se estiverem vinculadas a um responsável. Além dessas regras, a lei impõe que as plataformas sejam obrigadas a identificar e excluir conteúdos de abuso sexual, aliciamento de menores e estupro, além de produzir relatórios para a ANPD do que foi excluído ou denunciado.

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