Os familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino dirigiram uma carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, a fim de pedir que o julgamento do caso movido pelos familiares no Judiciário brasileiro contra o espólio do coronel do Exército Carlos Brilhante Ustra, torturador morto em 2015, seja monitorado e acompanhado no Brasil. O julgamento do processo, que tramita há 13 anos sem solução, pode ser retomado nesta terça-feira (15) na Quarta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Jornalista, estudante de história e militante do Partido Operário Comunista, Merlino foi assassinado em julho de 1971 aos 23 anos de idade ao sofrer tortura durante várias horas no DOI-CODI, o destacamento do Exército marcado pelos mais bárbaros casos de tortura, assassinato e desaparecimento forçado de opositores à ditadura militar em São Paulo. Durante quatro anos (1970-1974), o destacamento foi comandado por Ustra, atualmente saudado como “herói” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo seu vice e atual senador, Hamilton Mourão.
O primeiro requerimento judicial da família Merlino em busca de punição contra os torturadores e reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro no crime data de 1979. Em 2012, a Justiça de São Paulo julgou, em primeira instância, como procedente o pedido dos familiares a fim de condenar Ustra a pagar R$ 50 mil de indenização a título de danos morais à viúva e à irmã de Merlino, respectivamente Ângela Maria Mendes de Almeida, hoje com 84 anos, e Regina Maria Merlino de Almeida, 79. Além das duas, subscrevem a carta enviada agora à Comissão da OEA a jornalista Tatiana, sobrinha de Merlino, diversos familiares de mortos e desaparecidos na ditadura e organizações de direitos humanos.
A condenação, contudo, nunca foi levada a efeito pelo Judiciário. Em 2018, três anos após a morte de Ustra, seus familiares pediram o arquivamento do processo, o que foi acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A família Merlino recorreu ao STJ (Resp 2.054.390/SP). O relator do caso, ministro Marco Buzzi, manifestou na semana passada apoio à posição da família, mas o julgamento foi suspenso com a promessa de ser retomado nesta terça-feira.
Na carta à Comissão da OEA, os familiares lembram que, no sistema interamericano, o Brasil já foi condenado duas vezes pela Corte IDH (os casos do Araguaia, em 2010, e do jornalista Vladimir Herzog, em 2018). “Conforme afirmado em ambas as decisões, crimes de lesa humanidade como a tortura, o desaparecimento forçado e as execuções sumárias são imprescritíveis, e tampouco devem ser aplicadas leis de anistia. Cabe lembrar ainda que no caso Órdenes Guerras vs. Chile, de 2018, a Corte IDH [vinculada à OEA] afirmou que a imprescritibilidade se aplica também às ações civis de reparação.”
Além do monitoramento do processo e do julgamento no Brasil, os familiares pediram à Comissão da OEA que redija e divulgue “uma nota pública que dê notícia do conhecimento da proximidade do julgamento e reafirme: a necessidade de que seja reconhecida a imprescritibilidade das ações civis de reparação por violações graves de direitos humanos; os obstáculos de acesso à justiça para as mulheres na luta por direitos humanos; e a importância do direito à memória, verdade, justiça e reparação para a garantia da democracia”.
A carta foi dirigida à relatora sobre Memória, Verdade e Justiça da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Julissa Mantilla Falcón, e à secretária executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Tania Reneaum Panszi.