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A figura de Madonna sempre me impressionou mais do que a sua música, uma admiração que cresce com o tempo. Para mim, que completei 65 anos – a mesma idade da diva –, é inspirador ver uma mulher, idosa para os padrões brasileiros, chegar a Copacabana para o maior show de sua superlativa carreira, se a expectativa de 1,5 milhão de pessoas na noite carioca se confirmar neste sábado.
Para mim, companheira de geração, os números importam menos do que o desejo de Madonna de subir naquele palco imenso, na cara do mar, para energizar a multidão de brasileiros de todas as idades que vai passar o dia na praia, em um calor de quase 40 graus, até que a noite traga o esperado show.
Madonna é o ícone da mulher desejante, que substituiu no imaginário ocidental a figura da mulher desejada, como Marilyn Monroe, a pin-up de final trágico – vítima do desejo dos homens.
No seu corpo vibrante, o “divônico” sutiã, não por coincidência inspirado em Marilyn, é sexy porque não é objeto, mas instrumento de seu próprio desejo.
Ninguém controla o corpo desta mulher nem sua sexualidade. A liberdade de gestos, passos, letras, atos, instiga não a rebeldia, como dizem alguns, mas a revolução, que só os sujeitos desejantes podem realizar.
Nada fica no lugar quando a diva dança, canta, beija, apalpa. As fantasias são livres como os corpos, que não aceitam fronteiras, nem de gênero. A androginia pode ser tão forte em Madonna quanto o hiperfeminino, ou masculino.
É dessa energia erótica que, aos 30 anos, eu vi o feminismo, ainda preso a referências masculinas, reinventar-se em corpos livres, autônomos, que recusam qualquer tipo de controle – do assobio na rua aos limites ao prazer. “What it feels like for a girl?”
Agora Madonna rompe também outro padrão: aquele que confina o direito ao desejo, principalmente das mulheres, a corpos jovens.
Sim, o etarismo atinge homens e mulheres, um preconceito revelador da falta de autoconhecimento, desprezando não apenas o acúmulo de experiência dos mais velhos, mas seu próprio e inevitável futuro.
Mas, enquanto os mais velhos são patriarcas, que não raro carregam como troféu uma esposa ou acompanhante jovem, às mulheres mais velhas é reservado o lugar da “vovozinha”. Uma caricatura ingênua, sem tesão ou opinião, que se contenta em fazer o almoço de domingo e docinhos para os netos quando as costas não doem.
Madonna é uma estrela, não um prodígio. Sua força está em revelar no palco aquilo que todos somos e negamos para nós mesmos ou para o outro. Seres eróticos, desejantes, donos de nossos corpos, mentes, desejos e aspirações até que a vida acabe.
Que Madonna em Copacabana seja pura alegria e respeito à diversidade de gêneros, idades, desejos. É essa a melhor estratégia contra os abutres da necropolítica.