A pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a Polícia Federal (PF) instaurou inquérito contra o delegado que atuou no caso envolvendo um suposto esquema na compra de kits de robótica com recursos do Ministério da Educação e atingiu uma pessoa muito próxima de Lira, seu ex-assessor Luciano Cavalcante.
Delegado da PF em Alagoas, Thiago Curvelo de Siqueira Neves coordenou as investigações que resultaram na Operação Hefesto, deflagrada em junho de 2023.
O inquérito contra Neves foi aberto após Lira ter protocolado na PF em Brasília uma representação alegando abuso de autoridade por causa do suposto vazamento de informações sigilosas da operação. Fontes da PF ouvidas sob a condição de anonimato pela Agência Pública avaliam a atitude do presidente da Câmara como uma forma de coação, no que consideram uma tentativa de inibir futuras investigações sobre ele e seus aliados.
Procurador também é alvo
Conforme mostrou o portal UOL, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também abriu um procedimento contra o procurador Manoel Antônio Gonçalves da Silva para apurar sua conduta no caso dos kits de robótica, a partir de uma representação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
A assessoria do Ministério Público Federal de Alagoas informou que Manoel Gonçalves da Silva não irá se manifestar sobre as acusações. O deputado Arthur Lira também não quis se manifestar. Já a assessoria de imprensa da PF de Alagoas disse que não se manifesta sobre investigações que estão em curso. A reportagem não conseguiu contato direto com o delegado Thiago Neves.
O inquérito que atingiu o ex-assessor do parlamentar foi trancado e arquivado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes em setembro do ano passado, sob o argumento de que houve “usurpação de competência” do STF.
Apesar de não ter sido alvo da operação, Lira se irritou com o vazamento à imprensa da apreensão de anotações de pagamentos com menções a “Arthur”, encontradas pela PF no endereço do motorista de Luciano Cavalcante, Wanderson de Jesus.
A Pública apurou que a esposa de Wanderson, Katia Regina de Lima Ferreira, esteve por dois anos lotada no gabinete do deputado na Câmara. Ela foi contratada em abril de 2021 e exonerada em 12 de junho do ano passado, após o escândalo dos kits de robótica vir à tona. Procurado, Arthur Lira não quis se manifestar sobre este assunto.
Em 25 de junho, reportagem da revista piauí revelou que o nome “Arthur” aparecia 11 vezes no caderno-caixa localizado no carro de Wanderson, como destinatário dos maiores valores.
“Houve um vazamento […] e eu sofri um constrangimento no dia do meu aniversário de todo mundo dizendo que eu tinha… Aquele papel que eu não conheço, que eu não sei quem escreveu, que não sei do que se relata, que não sei de quem se trata. Eu tive desprezo por ler a matéria, porque aquilo pra mim é crime”, afirmou Arthur Lira em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, referindo-se à publicação da piauí.
Provas destruídas
Após a apreensão do documento encontrado no endereço do motorista de Luciano Cavalcante, o juiz federal Roney Raimundo Leão Otilio enviou a investigação ao STF, uma vez que Lira é parlamentar e tem foro privilegiado.
O ministro Gilmar Mendes, no entanto, determinou em setembro a nulidade de todas as provas sob o argumento de que a PF burlou a competência do STF porque supostamente sabia, desde o começo do inquérito, que o deputado era alvo da investigação. O caso, segundo o ministro, deveria ter começado no Supremo, e não na Justiça Federal de Alagoas.
Conforme a Pública antecipou, além de anular a investigação que acumulou cerca de 40 quilos de documentos e 5 terabytes de informação, Gilmar Mendes determinou a destruição de todos os áudios captados com ordem da Justiça Federal de Alagoas dentro da Operação Hefesto.
As gravações feitas pela PF nunca foram tornadas públicas, mas diferentes fontes ouvidas pela reportagem contaram que telefonemas dados ou recebidos por Luciano Cavalcante no primeiro semestre de 2023 foram alvos da intercepção.
A Pública foi o primeiro veículo a revelar a destinação de emendas do orçamento secreto para a aquisição dos kits de robótica da Megalic, empresa de Edmundo Catunda, aliado político de Lira. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), as fraudes e o superfaturamento na compra dos kits com recursos do Ministério da Educação teriam gerado prejuízo de R$ 8,1 milhões.