Por Milagros Salazar (Peru), Juan Pablo Figueroa Lasch (Chile), Joop Bouma (Holanda), Irene Jay Liu (Hong Kong), Nicky Hager (Nova Zelândia), Roman Anin (Rússia) e Kate Willson (EUA)
O chileno Eric Pineda olhava para as 10 toneladas de cavala no porão do barco, depois ter passado quatro dias no mar durante uma pescaria tão farta que dava para encher o piso de peixe em apenas algumas horas. O agente de doca, como todos no velho porto ao sul de Santiago, cresceu comendo o peixe espinhudo e escuro que eles chamam “jurel”, que costuma nadar em grandes cardumes no Pacífico Sul.
“Está indo rápido”, disse Pineda. “Nós temos que pescar muito antes que ele desapareça”. Perguntando sobre que peixe sobraria para seus filhos, ele encolhe os ombros: “Ele terá que achar outra coisa”.
Mas o que mais há?
A cavala, rica em proteína oleosa, é o alimento para um planeta com fome, um produto básico na África. Em outros lugares, as pessoas o comem sem saber. A maioria da cavala pescada é processada e vira ração para piscicultura e para criação de porcos. São necessários mais de 5 kg de cavala para engordar 1 kg de salmão de cativeiro.
Só que, em duas décadas, as reservas de cavala caíram de 30 milhões de toneladas para menos de 3 milhões. Os maiores barcos pesqueiros do mundo, depois de esgotarem outros oceanos, agora rumam ao sul, chegando até perto da Antártida para competirem pelo que ainda resta.
Uma investigação do International Consortium of Investigative Journalists sobre a indústria da pesca em oito países mostra porque o drama da humilde cavala é o prenúncio de um colapso progressivo das reservas de peixes em todos os oceanos.
Um problema mundial
O destino deles reflete um panorama maior: décadas de pesca global sem regulação impulsionada por rivalidades geopolíticas, ambição, corrupção, má gerência e indiferença pública.
Daniel Pauly, o iminente oceanógrafo da Universidade da Colúmbia Britânica, nos EUA, vê a cavala no Pacífico Sul como um indicador alarmante.
“Este é o último dos moicanos”, ele disse ao ICIJ, “Quando eles se forem, tudo mais estará perdido… é a última fronteira!”
Até hoje, grandes barcos pescam sem nenhum tipo de fiscalização
Representantes de vinte países encontraram-se no dia 30 de janeiro em Santiago para discutir uma maneira de conter esse assalto. As negociações que levaram à criação da Organização da Administração da Pesca no Pacífico Sul (SPRFMO) começaram em 2006 por iniciativa da Austrália e da Nova Zelândia junto com o Chile, – país que geralmente evita organismos internacionais.
Seu propósito é o de proteger os peixes, em especial a cavala. Mas foram necessários quase quatro anos para os 14 países adotarem os 45 artigos que têm esse objetivo. Até agora, apenas seis países ratificaram o acordo.
Enquanto isto, navios industriais só têm restrições puramente voluntárias na competição descontrolada pelo que resta em águas-de-ninguém no fundo do mar.
Apenas entre 2006 e 2011, os cientistas estimam que as reservas de cabala caíram 63%.
A convenção da SPRFMO precisa de oito assinaturas para ser firmada, incluindo o maior país da costa pacífica da América do Sul. O Chile, que foi proeminente ao juntar-se ao grupo inicial, ainda não ratificou a convenção.
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Corrida pelo que resta
A Organização decidiu inicialmente que futuras cotas anuais seriam acordadas entre os países membros a partir da pesagem total de cada navio entre 2007 e 2009.
Mas, para aumentar suas cotas, diversos navios pesqueiros correram para o sul. Pesqueiros chineses chegaram em massa, entre outros da Ásia, Europa e América Latina.
Um dos que acabaram de chegar a estas águas foi o Atlantic Dawn, maior navio pesqueiro no mar, com 14 mil toneladas. Construído por irlandeses, o barco foi comprado pela empresa holandesa Parlevliet & Van der Plas e rebatizado como Annelies Ilena.
Tais “super pesqueiros” capturam a cabala com redes que medem 25m X 80m. Quando elas se arrastam, peixes são sugados para o porão por meio de tubos como grandes aspiradores de pó.
Gerard can Balsfoort, presidente da associação holandesa Pelagic Freezer-Trawler Association (PFA), que representa nove empresas e 25 embarcações de países da União Europeia, confirma o óbvio: os holandeses, como outros, vieram para demarcar território.
“Era uma das poucas áreas onde ainda dava para entrar livremente”, diz van Balsfoort. “Parecia que muitas embarcações rumariam ao sul, mas não havia escolha… Se uma empresa demorasse a ir para lá, eles poderiam fechar os portões”.
Em 2010, a SPFRMO contabilizou 75 embarcações pescando nesta região.
A cavala também atraiu a empresa Pacific Andes International Holdings (PacAndes), de Hong Kong. A companhia gastou 100 milhões de dólares em 2008 para transformar um petroleiro de 750 pés e 50 mil toneladas em uma fábrica flutuante chama “Lafayette”.
Este navio de bandeira russa, maior que dois campos de futebol, suga o peixe de pesqueiros ao redor por meio de uma mangueira gigante e os congela em blocos. Embarcações refrigeradas – “reefers” – levam a carga para portos distantes.
Sozinho, o Lafayette tem capacidade técnica de processar 574 mil toneladas por ano, se funcionar diariamente.
Em setembro de 2011, cientistas da SPRFMO concluíram que uma captura acima de 520 mil toneladas pode esgotar as reservas de cavala.
Cristian Canales do centro de pesquisa Instituo de Fomento Pesquero (Ifop), no Chile, diz que um limite seguro seria de 250 mil toneladas.
Alguns peritos discordam, dizendo que a única maneira de restaurar as reservas de peixe é impor uma moratória total por cinco anos.
A espécie Trachurus murphyi, a cavala do pacífico, é pescada no oeste do Peru e do Chile, ao longo de 4.100 milhas de costa por 120 graus de longitude, a meio caminho da Nova Zelândia. São pequenos peixes de mar aberto, vitais para espécies maiores; se espalham pelo oceano, alimentando-se de planctôns e pequenos organismos e servindo de comida para peixes maiores.
Este peixe, que é praticamente uma pastagem dos mares, representa um terço do total da pesca capturada no mundo.
A FAO, organismo da ONU para Comida e Agricultura, diz que a frota pesqueira global “é 2,5 vezes maior que a necessária”. “Esta estimativa é baseada num relatório de 1998; desde então, as frotas se expandiram. Sem regulação, elas podem rapidamente devastar a pesca”.
Por trás da pesca, subsídios dos governos
Especialistas apontam que muito desta sobrecarga tem sido financiada por subsídios governamentais, particularmente na Europa e Ásia.
Um importante relatório feito por Rashid Sumaila, junto com o oceanógrafo Pauly e outros da Universidade de Colúmbia Britânica, estima que o total de subsídios globais em 2003 – os dados disponíveis mais recentes – vão de 25 a 29 bilhões de dólares.
Entre 15% a 30% dos subsídios são pagos em combustível que permite os navios chegarem a grandes distâncias. Outros 60% são destinados ao aumento do tamanho das embarcações e à renovação de equipamentos.
O estudo calcula que os subsídios chineses somam 4,14 bilhões de dólares, enquanto a Rússia destina 1,48 bilhões em apoio.
Um relatório do Greenpeace lançado de dezembro de 2011 analisou profundamente a associação holandesa PFA. Descobriu-se que o grupo recebeu isenções em impostos sobre combustíveis no valor de 20 a 78 milhões de euros os últimos 5 anos.
Estima-se que a média de lucro anual da PFA seja de cerca de 55 milhões de euros; segundo o estudo, este lucro seria de apenas 7 milhões se não contasse com a ajuda dos contribuintes. Fundos da União Europeia – e apoio financeiro da Alemanha, Grã-Bretanha e França – ajudaram a PFA construir e modernizar 15 pesqueiros, quase metade de sua frota.
O navio Helen Mary, por exemplo, começou pescando no Pacífico Sul em 2007. Entre 1994 e 2006, recebeu 6,4 milhões de euros em subsídios mais do que qualquer outra embarcação pesqueira segundo dados da Comissão Europeia.
Van Balsfoort, o presidente da PFA, não discute números de subsídios, mas diz que isenção de impostos sobre combustíveis são rotineiros na indústria pesqueira. Segundo ele, o Helen Mary e outra embarcação irmã a ele eram pesqueiros decrépitos da Alemanha Oriental, reconstruídos com incentivo da Alemanha depois da reunificação.
Embarcações podem pescar livremente em áreas não governadas por acordos ratificados. Esta é uma prática internacional. Mesmo assim, a União Europeia requer que navios de países membros se comprometam a seguir as medidas internas da SPRFMO. Além disso, países da UE devem dividir uma cota anual coletiva da cavala do pacífico.
Mas os proprietários de navios sempre acham um jeito de burlar as regras. Por exemplo, a Unimed Glory, uma subsidiária da companhia grega Laskaridis Shipping, opera três pesqueiros no Pacífico Sul. Apesar de seus donos serem da Grécia, sua bandeira é da ilha pacífica de Vanuatu, e por isso eles operam fora do controle europeu, podendo pescar mais cavala do Pacífico do que poderia.
O gerente norueguês do Unimed Glory, Per Pevik, contou ao ICIJ que seu peixe não pode ser vendido na Europa porque Vanuatu não atende os padrões sanitários. Então, ele vende cavala do Pacífico para a África. Perguntado se as autoridades europeias opõem-se à sua bandeira de Vanuatu, ele diz: “Não, eles não me incomodam por conta disso”.
Uma vez que o peixe é descarregado em navios refrigerados de longas distâncias, sua origem pode ser escondida.
No Pacífico Sul, embarcações industriais acham cada vez menos cavalas do Pacífico depois de anos de pesca agressiva: os navios de bandeiras da União Europeia capturaram coletivamente mais de 110 milhões de toneladas do peixe em 2009. No ano seguinte, os barcos içaram uma quantidade 40% menor do peixe. No último ano, as embarcações registraram apenas 2.261 toneladas pescadas.
O presidente da PFA, van Balsfoort, admite que os navios pescaram muito intensamente numa época em que os peixes estavam vulneráveis. “Houve um empenho muito grande em pouco tempo… toda a frota tem culpa nisso”.
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Por dentro da chinesa PacAndes
Entender a PacAndes é como montar um quebra-cabeça. Sua nau de 50 mil toneladas brutas, o Lafayette, é registrada no nome da Investment Company Kredo em Moscou e hasteia uma bandeira russa. Por sua vez, a Kredo – via quatro outras subsidiárias – pertence ao China Fishery Group em Singapura, que por vez está registrada nas Ilhas Cayman.
Esta última empresa pertence à Pacific Andes International Holding, sediada em Hong Kong, que ainda está ligada a outra companhia registrada em Bermuda.
A PacAndes, que vende suas ações na bolsa de valores de Hong Kong, tem mais de 100 subsidiárias em diversos ramos, além de uma com muitas outras empresas afiliadas.
Um de seus maiores investidores é o grupo americano Carlyle, que comprou 150 milhões em ações em 2010.
A China Fishery Group relatou uma receita de 685,5 milhões de dólares em 2011, valor que significa 55% dos ganhos da PacAndes.
A empresa atribui isto à operação intensa da frota do Pacífico Sul e ao negócio de farinha de pescado no Peru.
O malasiano-chinês Ng Joo Siang, de 52 anos, graduado na Louisiana State University, nos EUA, dirige a PacAndes como se fosse um negócio familiar – apesar de ser uma empresa de capital aberto. Seu pai mudou com a família para Hong Kong, e em 1986 começou um negócio de frutos do mar. Hoje em dia, o conselho executivo conta com sua mãe, seus três filhos e uma filha.
“Meu pai dizia que os oceanos são ilimitados”, Ng afirmou em uma entrevista, “mas este era um engano. Nós não queremos degradar os recursos, sermos culpados pelos danos. Eu não acho que os acionistas gostariam disso. Eu não acho que nossos filhos gostariam muito disso”.
Hoje em dia, a PacAndes enfrenta uma crise de relações públicas. Em 2002, uma empresa afiliada foi acusada de pesca ilegal na Antártida. Ng nega qualquer delito ou conexão com os barcos suspeitos. Mas seus críticos são ferozes.
Diplomatas da Nova Zelândia contaram ao ICIJ que um advogado da empresa teria ameaçado a família de um executivo de pesca de Auckland. Perguntando sobre o assunto, Ng diz que nada disso aconteceu.
Forçado a moldar uma imagem melhor, Ng contratou um novo funcionário de responsabilidade social para a empresa e diz querer colocar cientistas em seus navios para ajudar a proteger as reservas de peixes.
Mas ri com desdém quando fala sobre a tentativa de limitar a pesca de cavala do pacífico a 520 mil toneladas. “Baseado em quê? Nisso?”, responde, balançando o dedo molhado no ar como se estivesse checando o vento. “Isto não é ciência! A SPRFMO não possui conhecimento científico”.
Ng diz que o Lafayette ergue uma bandeira russa porque a maneira que ela opera é inspirada na velha concepção soviética. Mas especialistas da indústria suspeitam de outra razão para esta manobra obscura.
Embora Ng diga que o Lafayette não pode pescar, mas apenas acompanha outros barcos segurando um lado de uma rede de arrastão, enquanto o navio menor iça a carga, uma inspeção francesa em janeiro de 2010 não achou equipamentos de pesca abordo do megapesqueiro.
Rússia e Peru declararam claramente as mesmas 40 mil toneladas de pesca de cavala. Os russos dizem que o Lafayette estava pescando e possui bandeira russa. Já os peruanos dizem que os pesqueiros de arrastão capturaram peixes sob sua bandeira.
Jogadas políticas no Chile
A crise da cavala do Pacífico atinge mais fortemente no Chile, onde autoridades e a própria indústria admitem excessos no que eles chamam de “corrida olímpica”.
Só em 1995, os chilenos pescaram mais de quatro milhões de toneladas – oito vezes mais do que os cientistas da SPRFMO consideram sustentável. De 2000 a 2010, o Chile pescou 72% de toda cavala do Pacífico sul.
Juan Vilches, “patrón de pesca”, que trabalha para uma grande empresa, é também biólogo marinho. Vilches treme quando lembra os velhos tempos. “A matança era tremenda, inacreditável”, diz.
“Ninguém tinha nenhuma ideia de limites. Centenas de toneladas eram jogadas fora se as redes subissem cheias demais para o porão. Navios vinham tão carregados que os peixes eram amontoados. O sangue ficava quente até eles cozinharem”.
A situação é melhor hoje em dia. Mesmo assim, o International Consortium of Investigative Journalists, junto com o centro investigativo chileno CIPER, descobriram que oito grupos empresariais chilenos pressionam o governo a determinar cotas além das recomendações científicas. Juntos, esses grupos têm direito a 87% da captura de cavala do Pacífico.
Roberto Angelini, de 63 anos, é conhecido como “O Herdeiro”. Angelini sucede seu tio, Anacleto, apontado pela revista Forbes como o homem mais rico da América do Sul em 2007, ano em que morreu.
Anacleto veio da Itália em 1948. Em 1976, a pesca entrou para o rol de seu império, que hoje inclui a maior empresa de combustível do Chile, minas, florestas e outros negócios. As duas empresas de pesca de Angelini detêm 29,3% da cota de cavala do Pacífico estabelecida pelo governo chileno.
Um relatório do governo do Chile mostra que cerca de 70% da cavala do Pacífico capturada entre 1998 e 2011 no feudo de Angelini, no norte do país, estava abaixo do tamanho mínimo permitido.
Mas funcionários do governo dizem que capturas no norte chileno recaem na categoria especial de “pesquisa”, sendo isentas de regulações quanto ao tamanho dos peixes. Angelini não quis comentar essa história.
Na Universidade de Concepción, o tom de voz gentil do biólogo Eduardo Tarifeño muda quando o assunto é a pilhagem do oceano.
Ele diz hoje em dia o Chile só tem sardinhas em abundância. “Não temos mais cavala, merluza ou anchoveta. Reservas que produziam milhões ou mais de toneladas por ano simplesmente se esgotarame por causa da sobrepesca”.
Tarifeño é um dos dois cientistas no conselho nacional chileno de pesca, montado para recomendar as cotas. O voto é por maioria, mas 60% dos membros são representantes da indústria.
A cada ano, o instituto oficial de pesquisa chileno, Ifop, recomenda uma cota à Subpesca, a unidade do ministério da Economia responsável pelo setor, que então propõe sua própria estimativa. Se o CNP rejeitar, o novo limite é estabelecido em 80% da cota do ano anterior.
Em 2009, o Ifop propôs um corte agudo para 750 mil toneladas, de acordo com a ONG Oceana. A Subpesca subiu para 1,4 milhões de toneladas. A CNP aprovou.
Enquanto as reservas de cavala do Pacífico despencam, membros do governo e executivos da indústria culpam uns aos outros por não terem tomado as medidas certas no passado.
Mas Tarifeño insiste que agora é tarde para qualquer medida que não seja drástica. “Se nós não salvarmos a cavala do Pacífico hoje, não poderemos fazer isto depois. Precisamos proibir a pesca por pelo menos cinco anos”.
No secretariado de Pesca em Valparaiso, Italo Campodónico reflete sobre isto. “Como um biólogo marinho, eu tenho que concordar”, diz. “Devemos ter uma moratória de cinco anos. Mas como funcionário público, tenho que ser realista. Por razões econômicas e sociais, isto não acontecerá. Estrangeiros podem pescar em outras águas. Nós não.”
A anchoveta Desaparece do Peru
O Peru é a segunda maior nação pesqueira do mundo, depois da China. Apenas o dilapidado porto de Chimbote – o maior do país – recebe mais peixe do que toda frota espanhola.
Aqui, o problema não é apenas a sobrepesca da cavala do Pacífico, mas também da anchoveta. Este é um peixe que parece uma sardinha do tamanho de uma anchova, uma fonte vital de farinha de pescado para a piscicultura.
A anchoveta do Peru é a maior pesca do mundo. Enquanto a exportação de farinha de pescado rende 535 milhões de dólares anualmente no Chile, no Peru a atividade é três vezes maior: 1,6 bilhões de dólares por ano.
Sente-se o cheiro do porto de Chimbote de longe, bem antes de avistá-lo. Uma nuvem oleosa de fumaça escura é lançada de uma fileira de chaminés. Barcos artesanais boiam em todas as direções ao redor do cais.
As leis peruanas estabelecem normas de procedimento para embarcações que atracam com peixe. Mas, perguntados quando viram inspetores pela última vez, alguns velhos pescadores caíram na risada.
O ICIJ, junto com o grupo de reportagem investigativa IDL-Reporteros em Lima, obteve documentos oficiais que mostram a extensão das fraudes dentro dos portões das fábricas.
Uma análise das pesagens entre 2009 e o primeiro semestre de 2011 – totalizando mais de 100 mil pesagens – mostra que a maioria das empresas peruanas de farinha de pescado sabotou sistematicamente metade dos embarques, declarando, em alguns casos, 50% a menos do que foi capturado.
Esta fraude permite que empresas peguem peixes além da cota, economizem impostos e taxas sobre pesagem, além de pagarem menos aos pescadores que ganham uma percentagem sobre o que é pescado.
No total, pelo menos 630 mil toneladas de anchoveta – o equivalente a 200 milhões de dólares em farinha de pescado – “desapareceram” no processo de pesagem em dois anos e meio. O peixe simplesmente não foi contado.
Os maiores contraventores são peruanos, mas o ranking também inclui a China Fishery Group da PacAndes e outras três empresas de capital norueguês.
O vice-ministro de Pesca do Peru, Jaime Reyes Miranda, diz estar ciente que existem “problemas graves” com balanças em usinas de farinha de pescado, e afirma que o governo está tentando achar uma solução.
Richard Inurritegui, presidente da Sociedade Nacional de Pescaria, minimizou os números e responsabilizou as estimativas a olho nu feitas pelos capitães dos barcos pela diferenças entre o peixe declarado nas embarcações e o peixe pesado nas usinas. A China Fishery Group não quis comentar.
Patricia Majluf, vice-presidente do Imarpe, o prestigioso instituto oceânico do Peru, descreveu várias maneiras com que pescadores e usinas de farinha de pescado sabotam pesagens, evadem impostos e burlam as leis. Se pegas em flagrante, as empresas podem adiar as penas por quatro anos e acabar somente com uma parte das multas.
Apesar de sua reputação sólida, as recomendações do Imarpe para um decréscimo monitorado na pesca continuam a ser ignoradas.
Salvar os peixes ou a indústria?
Roberto Cesari, representante da União Europeia junto à SPFRMO, diz esperar que as ratificações só aconteçam em 2013. Ou seja: sete anos depois da redução drástica da cavala do Pacífico.
A organização recomendou uma redução voluntária nas cotas de pesca em 40% para 2011. Mas a China e outros países rejeitaram. Pequim acabou concordando com uma redução de 30%.
Segundo Cesari, a UE tenta pressionar para atingir o consenso necessário, mas sua influência é limitada. “Temos expressado nosso desapontamento oficialmente à China e Rússia, mas eles não são pequenos agentes no mundo… são gigantes”.
Bill Mansfield, um advogado da Nova Zelândia que presidiu a SPRFMO a partir de 2006, diz que restrições voluntárias não têm protegido as reservas de pesca, e é hora de colocar a convenção em vigor.
Ele disse que o encontro de Santiago deve limitar a captura para 2012 a 390 mil toneladas ou menos. “A realidade é que todo mundo precisa dar um grande passo na restrição, para esta espécie poder se recuperar”. Mansfeld não quis dar o nome de países que se recusam a adotar reduções drásticas.
Lobos do mar
Enquanto agentes públicos evitam dar nome aos bois, dois excêntricos ex-marinheiros meditam sobre computadores em pequenas ilhas em opostos extremos do globo – um não conhece o outro – denunciando as grandes frotas de navios pesqueiros.
Gunnar Album, perto de Bodø, situado no Círculo Ártico na Noruega, dirige a TM Foundation, que faz consultoria para a The Pew Charitable Trusts. Ele usa dados de satélites para rastrear embarcações pesqueiras.
Album diz que o apoio governamental criou uma capacidade tal que os superpesqueiros têm que pescar a todo vapor para que o investimento dê retorno. “Estas embarcações navegam os oceanos em busca de qualquer peixe disponível, causando sobrepesca e pressões enormes sobre os governos que tentam gerenciar recursos”.
Martini Gotje, um holandês expatriado que estava abordo do lendário navio Rainbow Warrior, do Greenpeace, quando agentes franceses o afundaram na Nova Zelândia em 1985, faz a mesma coisa mesmo a partir da idílica ilha de Waiheke, perto da capital neozelandesa.
Gotje organiza uma lista negra para o Greenpeace, que ajuda ativistas e autoridades. Mas, como Album, ele culpa principalmente a sobrecarga legal pela devastação.
Para ele, a prioridade deve ser salvar os peixes e não a indústria pesqueira. “O Lafayette levou o jogo a um padrão incrível e a Holanda está muito envolvida. Existem muitos barcos, simplesmente muitos barcos”.
O oceanógrafo Pauly argumenta que esta tendência global não mudará a menos que um poder maior – a União Europeia ou os Estados Unidos – tomem ações firmes. “Alguém tem que elevar os padrões e outros seguirão”.
Duncan Currie, advogado ambiental na Nova Zelândia, vê a cavala do pacífico como um caso clássico, porque elas nadam em um raio bem definido e são relativamente poucos e fáceis de identificar os navios que os pescam. “Se nós não podemos salvar este peixe, o que podemos salvar?”
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