Alternativa ao modelo hegemônico do agronegócio, o principal responsável pelas emissões de gases do efeito estufa no Brasil, as iniciativas agroecológicas buscam contribuir com o enfrentamento das mudanças climáticas, mas já sofrem com os seus efeitos. Essa é uma das principais conclusões de uma pesquisa inédita, divulgada nesta quinta-feira, 25 de setembro, que mapeou mais de 500 experiências agroecológicas em todo o país e descobriu que mais da metade delas (56,3%) tiveram redução da produção por conta das mudanças do clima.
Entre os responsáveis pelas experiências mapeadas, metade também já observa redução da disponibilidade hídrica e mais de 48% relatam perda de alimentos por conta da mudança do clima. Cerca de 43% apontam ainda a piora da qualidade do ar, especialmente em grandes centros urbanos e áreas de mineração. O estudo “Agroecologia, Território e Justiça Climática” foi conduzido pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e as ONGs AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Associação Agroecológica Tijupá e Fase – Solidariedade e Educação, e está disponível em plataforma virtual.
Por que isso importa?
- A emergência climática já afeta a produção agroecológica em todo o país. É o que mostra um estudo que mapeou 500 iniciativas de agroecologia e descobriu que mais da metade delas sofreram redução da produção por conta das mudanças do clima.
- O estudo também revelou que mais de 48% das iniciativas tiveram perda de alimentos pelo mesmo motivo e, cerca de 43% apontam piora da qualidade do ar.
O mapeamento também identificou que as mudanças climáticas são abordadas em 96% dos territórios, mas em 60% deles o tema ainda é tratado de maneira inicial. Para cerca de 33%, os efeitos das mudanças climáticas vêm ocorrendo nos últimos cinco anos, enquanto para outro terço, já ocorrem há pelo menos dez anos.
“Há poucos dados sistematizados sobre a relação entre agroecologia e justiça climática”, afirma a pesquisadora da Fiocruz Helena Lopes, coordenadora do estudo. “A ideia desse mapeamento é também garantir que as pessoas compreendam como a agroecologia está contribuindo no enfrentamento das mudanças climáticas de uma forma muito objetiva: no manejo e conservação do solo, no reflorestamento e no plantio de árvores, na produção de alimentos saudáveis, na compostagem, no manejo de água através de diferentes tecnologias, etc”, explica.
Ao todo, 503 experiências agroecológicas foram mapeadas, envolvendo mais de 20 mil pessoas em 307 municípios brasileiros. Elas estão tanto em áreas urbanas quanto no meio rural, em todos os biomas do país. No total, 35% são geridas por mulheres e 36% por pessoas negras. As iniciativas têm diferentes focos, incluindo produção, conservação da agrobiodiversidade, conservação e convivência com o território e acesso à alimentação e enfrentamento da fome. Quase dois terços não têm acesso a políticas públicas.
“Existe uma grande estratégia dessas experiências no que se refere à conservação da agrobiodiversidade, à convivência com os territórios, à criação de bancos de sementes. E uma outra grande estratégia que existe dessas experiências se refere à produção, beneficiamento e acesso ao mercado. Esses são os dois grandes focos”, diz Lopes.
Além de impactos na produção em si, os responsáveis pelas experiências mapeadas também apontaram alterações nos padrões climáticos e efeitos negativos na fauna, flora e na saúde. Quase três quartos das iniciativas identificaram aumento da temperatura e mais de 70% observaram alteração no calendário das chuvas, sendo que 57% mencionaram diminuição das chuvas e 37% falaram em chuvas extremas.
Cerca de um terço dos participantes do levantamento observaram desaparecimento de espécies vegetais ou animais nativos, mesma porcentagem dos que apontam aumento de enfermidades ligadas às mudanças climáticas, incluindo doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental.

Agronegócio e agrotóxicos são apontados como principais ‘vilões’
Enquanto, a nível global, a queima de combustíveis fósseis é responsável pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças climáticas, no Brasil o cenário é diferente.
Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a atividade agropecuária responde por 74% do total das emissões do Brasil. Esse montante corresponde à soma das emissões diretas da agropecuária (em especial por conta do metano produzido pelo arroto do gado) e as geradas por desmatamento de vegetação nativa convertida em lavouras e pastos.
A despeito de seu impacto socioambiental e climático, o modelo de monocultura extensiva do agronegócio, com a utilização de agrotóxicos em grandes quantidades, sementes transgênicas e uso intensivo de recursos hídricos segue dominante no Brasil. É justamente tentando mudar esse paradigma, sem deixar de produzir alimentos, que agricultores familiares e urbanos, comunidades tradicionais, educadores e vários outros grupos mapeados pela ANA e pela Fiocruz vêm promovendo experiências agroecológicas ao redor do país.

“A agroecologia é uma ciência, uma prática e um movimento. É uma ciência à medida que existe uma forma de produção de conhecimento sobre agroecologia, conectando os saberes científicos e acadêmicos com os conhecimentos populares. É uma prática à medida que é desenvolvida de forma diversa por diferentes grupos nos diferentes territórios. E é um movimento social à medida que é também uma bandeira de construção política, de um projeto de sociedade”, explica Helena Lopes, da Fiocruz.
A pesquisa da ANA e Fiocruz questionou as lideranças das iniciativas agroecológicas sobre os principais intensificadores das mudanças climáticas e de conflitos em seus territórios. Em quase 44% das experiências mapeadas, o agronegócio é identificado como um dos principais intensificadores das mudanças climáticas nos territórios. A mineração (21,7%), grileiros (11,5%), empresas ligadas à privatização das águas (11,1%) e setores do sistema financeiro (9,5%) também foram citados.
Entre as principais fontes de ameaça e conflitos listadas estão os agrotóxicos (55,5%), as monoculturas (42,3%) e a especulação imobiliária (32,8%). Também foram citadas a contaminação por transgênicos (24,5%), a pecuária (18,5%) e a mineração, garimpo e siderurgia (16,9%). Em ambos os casos, os participantes podiam mencionar mais de uma opção.
A pesquisa foi conduzida por um questionário autodeclaratório e um estudo com a análise dos resultados vai ser lançado em outubro, durante o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia. Versões em inglês e espanhol também serão divulgadas durante a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Conferência do Clima da ONU em Belém (COP 30), que vai ocorrer em novembro.